sexta-feira, outubro 15, 2010

Um exemplo de má gestão em áreas protegidas

Amanhã abre ao Público uma exposição antológica de pintura do meu primo João Queiroz.
Há muitos anos o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros resolveu fazer um extenso programa de investimento na visitação da área, que incluía várias coisas, entre elas um conjunto de leitores de paisagem.
Na altura fui um dos principais responsáveis técnicos pela concepção deste programa, que na sua concepção inicial incluía alguma infra-estruturação, a cedência de gestão de infra-estruturas rentáveis por concurso público e um programa de detecção de potencial que abriria as portas aos potenciais empreendedores candidatos ao concurso de exploração das infra-estruturas de alojamento, procurando responder à descapitalização dos potenciais jovens empresários locais.
A ideia deste programa de detecção de potencial seguia de perto (com adaptações) o programa JEEP (jovens empresários de elevado potencial) uma ideia de Miguel Cadilhe, ao tempo no gabinete de estudos (ou qualquer coisa do género) do Banco Português do Atlântico que pretendia responder à carência de empresários no país após PREC, e no qual eu tinha participado e por isso conhecia bem.
Esta parte do programa foi liminarmente rejeitada (com o argumento peregrino de que poderia ser aproveitado pelos exploradores de pedreiras, como se não fosse melhor ter melhor capacitação dos empresários de pedreiras) e na prática o programa restringiu-se à infra-estruturação paga, em grande parte, com dinheiro comunitário.
Infra-estruturação sem capacitação de gestão tem habitualmente como resultado o mau uso das infra-estruturas e muitas destas infra-estruturas desapareceram, algumas delas sem nunca terem servido sequer o seu objectivo (como por exemplo um famoso secador de plantas, um edifício que nunca secou uma única planta, tanto quanto sei).
Nesse contexto estavam previstos, como disse, vários leitores de paisagens.
Quando se discutiu qual seria a melhor solução para fazer o desenho base de cada ponto de vista, e face à falta de soluções, lá disse que tinha um primo pintor, e que se quisessem dava os contactos para avaliarem se servia, desligando-me do assunto por evidente conflito de interesses.
Era o João um mais que desconhecido pintor em início de carreira, sem trabalho nem mercado por aí além, que aceitou o trabalho por tuta e meia.
Das últimas vezes que passei pela meia dúzia de locais onde deviam estar os leitores de paisagem não me lembro de os ter visto, mas acredito que alguns ainda lá estejam a cumprir a sua função.
Ainda trabalhava eu no PNSAC, há bastantes anos, quando vi tratados a pontapé e em evidente risco de degradação os originais dos desenhos do João, chamando a atenção para o facto do João se ter entretanto tornado num pintor com algum reconhecimento, pelo que talvez fosse prudente guardar esses originais. Em rigor, mesmo que quem tivesse feito os desenhos não tivesse reconhecimento, seria do mais elementar bom senso garantir a conservação de originais de coisas desse tipo, como teria sido avisado guardar adequadamente o riquíssimo acervo documental da então delegação florestal do Gerês, como mais de cem anos de documentação, o que penso que não terá acontecido. Este padrão de desprezo pela documentação e arquivo no ICNB é muito forte.
Hoje o João é um pintor consagrado, cujos originais têm um valor de mercado bastante razoável. Não para o PNSAC, que nunca demonstrou o menor interesse em valorizar o facto de ter leitores de paisagem desenhados por um pintor agora consagrado, nem faz a menor ideia de onde estão os originais, que devem ter ido para o lixo há um bom par de anos.
henrique pereira dos santos

Sem comentários: