terça-feira, dezembro 07, 2010

"Será a crise suficiente para voltarmos a dar valor ao recurso solo?"

Vale a pena ver ampliada esta imagem tirada deste curto post
Num comentário ao post anterior um anónimo faz a pergunta que dá título a este post.
É uma pergunta interessante.
A resposta que eu tenderei a dar é não.
O recurso solo tem valor hoje. Tem até muito valor em alguns sítios. O que tem pouco valor relativo é a sua fertilidade, condição que durante séculos foi determinante no seu valor de mercado. Hoje é sobretudo o espaço que condiciona o preço, ou seja, a localização.
A razão para isto é o facto do rápido crescimento populacional, em simultâneo com a crescente urbanização, ter coincidido com os êxitos da revolução verde, que trouxe os preços dos alimentos para valores muito baixos, a que se junta o desenvolvimento do comércio mundial que nos permite tirar partido da maior eficiência de produção de um bem, independentemente da sua localização.
Tudo isto é inegavelmente potenciado pelo baixo preço da energia.
Ora a crise de que falamos parece ser uma crise conjuntural, razoavelmente regionalizada (a China, a Índia ou o Brasil continuam a crescer a ritmos impressionantes), e não afecta nenhum destes factores de forma muito marcada (eventualmente com a excepção do preço do petróleo que tem estado a subir nos últimos tempos e que no fim da semana passada passou os noventa dólares, tendo hoje descido qualquer coisa).
No longo prazo, se se confirmarem as tendências para a diminuição do crescimento populacional (ou mesmo algum decrescimento), o valor do solo para urbanização tenderá a baixar.
Por outro lado, se os neo malthusianos tiverem razão (neste blog o representante mais assumido é o Carlos Aguiar) e o fósforo e outros nutrientes começarem a escassear, a fertilidade natural do solo tenderá a ser valorizada.
Mas a diferença de valor entre o carácter urbano do solo e a sua fertilidade é de tal maneira grande, e as tendências de inversão são tão incertas, que eu direi que a crise poderá ajudar a aumentar a consciência sobre a importância do solo, mas dificilmente afectará o valor do solo tal como hoje existe.
O resultado será uma maior abertura das Câmaras para ceder parte do espaço urbano para hortas geridas de formas novas, algumas legislação de protecção dos solos férteis pode ser reforçada (ou tornada menos necessária pela diminuição da pressão para urbanizar tudo em toda a parte) e outros aspectos pontuais deste tipo.
E talvez sirva para os nutricionistas começarem a pensar também na sustentabilidade em vez de assumirem a saúde como o único valor que justifica a sua profissão.
henrique pereira dos santos

5 comentários:

Luís Lavoura disse...

O preço do petróleo tende a aumentar, e esse combustível é crucial no comércio e transporte - porque é o único que tem densidade energética suficiente para poder ser transportado a bordo de um camião, navio ou avião e o fazer percorrer longas distâncias. Portanto, o preço do petróleo terá importância crucial, por exemplo, no preço dos alimentos, o que incentivará cada vez mais a produção local.

É possível aquecer uma casa com gás natural, mas não é possível usar esse combustível para fazer mover um navio que traga bananas da Costa Rica para cá.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Luís,
Esse é um argumento tipicamente malthusiano que esquece os limites dos argumentos malthusianos: amanhã não sabemos como são transportadas as bananas. Nessa altura o preço do petróleo pode ter tanta importância como tem hoje o preço da lenha. Não sabemos. Pode ser que seja assim, e convém ter isso em atenção, mas não convém dar por adquirido que o futuro é uma projecção das tendências do presente.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Deve-se liberalizar este tipo de combustível ?


http://www.youtube.com/watch?v=UKhuvUfLMa8

http://www.youtube.com/watch?v=ZX80mHSgBcM

http://www.sistemaredes.org.br/oficial/novidades.asp


http://museu.mct.gov.mz/acucar/QUEIMA%20%20DA%20CANA.htm

Nuno disse...

@HPS, L Lavoura

Alguns pontos importantes relativos a energia e alimentação, através do relatório que a USDA fez sobre este assunto:

1. O maior gasto energético advém da preparação e conservação pós-compra, ou seja, do frigorífico e fogão em casa, com 4 quadriliões de BTUs. As energias utilizadas são a eléctrica e o gás natural, este último com crescente importância em Portugal na co-geração e uso directo. Nos EUA a percentagem de fósseis na geração de electricidade é muito maior, com o carvão a dominar. O nosso potencial de poupança aqui é gigantesco.

2. A segunda fase mais intensiva energeticamente é a produção agrícola propriamente dita, com a predominância de métodos de produção com maquinaria pesada, pesticidas e fertilizantes de origem fóssil, com 2.1 quadriliões de BTUs. Pode-se trabalhar na eficiência deste sistema e na complementaridade crescente com outros menos exigentes.

3. O transporte é a fase menos intensiva, com uma média de 0.6 quadriliões de BTUs, quase só sob a forma de combustível. Este é um valor médio pelo que a produção local é muito mais económica e o estudo chama a atenção de que em alguns produtos importados que precisem de refrigeração mais complexa, como peixe e carne, o peso dos transportes passa para 1/3. Imagino que em países em que o transporte marítimo e ferroviário de mercadorias é significativo, como França e Alemanha, este valor seja bastante mais reduzido.

http://www.ers.usda.gov/Publications/ERR94/

Conclusões possíveis:

Portugal por um lado está extremamente vulnerável pela sua dependência total do transporte rodoviário (95%!, para os ligeiramente melhores 75% na média UE15) e, consequentemente, dos preços do gasóleo. Isto viu-se na greve de camionistas de 2008 quando o barril ultrapassou os 100$, paralisando o abastecimento dos supermercados. Como foi durante o Euro, a mensagem passou ao lado.

Por outro lado tendo em conta as principais origens de importações agrícolas para alimentação, oriundas do comércio intra-comunitário, o peso dos transportes não será fulcral para assegurar um abastecimento mais ou menos semelhante ao actual, a não ser que se ultrapasse seriamente os 100$/barril e se mantenha a situação da rede de distribuição.

Como temos um país marítimo e litoral e os portos ainda não "afundaram" comercialmente tínhamos no mar uma "infraestrutura" de distribuição eficiente e económica, complementado pela ferrovia em terra.

A grande incógnita nisto tudo são os preços de cereais, que no século XX desceram para 1/4 do seu valor, afundando gradualmente as hipóteses de competição doméstica e internacional de inúmeras economias de países subdesenvolvidos, que agora estão dependentes de preços baixos impossíveis de manter e que flutuam constantemente no mercado das commodities. Em Portugal isto iria repercutir-se imediatamente no preço da carne mas penso que iria tornar mais competitivos animais produzidos extensivamente.

Tudo isto traz mudanças importantes na alimentação em Portugal, está nas nossas mãos encará-las como as oportunidades que sem dúvida são, em vez da catástrofe que pode advir da nossa inacção.

Nuno Oliveira

Nuno disse...

Só em jeito de complemento: os combustíveis e automóveis são quase um terço das nossas importações, num momento em que a nossa economia está a ser vista à lupa.
Da nossa energia final total, 35% vão para automóveis, quando a electricidade (toda!) é cerca de 22%. Os polémicos projectos de renováveis/orgulho nacional são menos de 10%...

É um preço caro a pagar pelo caos de ordenamento do território e cultura que faz equivaler carro ao status, que custa quantidades monumentais de investimento, só para manter a maior rede de auto-estradas do mundo, por exemplo, e que se reflecte em desinvestimento crónico em alternativas de transporte colectivo electrificado, por exemplo na martirizada ferrovia.

Não sei como reagirá esta sociedade a um eventual "desmame" causado por um barril de regresso aos 150$.