terça-feira, janeiro 11, 2011

Uma história mal contada



A discussão sobre o uso do comboio em Portugal, muito contaminada pelo seu valor instrumental para a contestação à barragem do Tua, tem nesta reportagem um apoio sistematicamente usado.
Mas como é habitual no jornalismo de causas, é mais importante dizer o que se quer que dizer a verdade.
Começa desde logo quando se diz que em Espanha não foram fechadas linhas estreitas, ao contrário de Portugal.
Basta dar um salto à Wikipedia ou ao site da FEVE para perceber que o que distingue a operação dos comboios nos dois países não é a manutenção de situações financeiramente desastrosas na órbita do principal operador ferroviário (RENFE, em Espanha, CP, em Portugal) mas exactamente o oposto.
Desde os anos sessenta que as linhas estreitas estão fora da órbita da RENFE e são exploradas (as que não foram encerradas, que foram muitas) por outra empresa, em grande parte numa óptica turística.
E que nas linhas de bitola larga, a RENFE encerrou centenas de quilómetros há muito anos (num só dia de 1985 encerrou 900 km), concentrando-se nas linhas com retorno.
Ora são os resultados dessa política que permitem hoje à RENFE ter músculo financeiro, em vez da anemia da CP, permanentemente drenada por uma operação ruinosa que se teima em manter sem qualquer razão.
Significa isto que o comboio é um mau meio de transporte para mim? Nem por sombras, juntamente com o barco são mesmo os meios de transporte por que sinto mais simpatia, dada a sua inerente sustentabilidade.
Mas é fundamental perceber que o comboio serve para volumes de tráfego elevados entre pontos mais ou menos fixos, em que a flexibilidade não é grande critério de decisão.
Pretender que defender a operação da linha do Tua é uma opçáo de sustentabilidade não tem o menor sentido, porque impede quer a refer, quer a cp de terem meios para verdadeiramente investir onde há mercado para o comboio.
Claro que há as dimensões turísticas dos pitorescos comboios de linha estreita, mas é preciso ter consciência de que o comboio não cria turismo suficiente, no máximo potencia turismo existente.
Dito isto, parece evidente para qualquer utilisador da CP que se os comissáros partidários que têm preenchido o seu conselho de administração tivessem um mínimo de respeito pelos seus clientes, os resultados poderiam ser muito melhores.
Mas isso não resolve os problemas criados por querer usar o comboio para resolver as acessibilidades de áreas com povoamento esparso.
henrique pereira dos santos

3 comentários:

Nuno disse...

Tal como foi dito na discussão sobre o assunto dos regionais, o problema é a CP e a REFER nem investirem nem deixarem investir no turismo ferroviário, que não existe em Portugal mas é rentável em muitos países.
No Douro e ramais, como o Tua, esse potencial existe numa região subaproveitada a vários níveis e que mesmo assim continua a crescer em termos de turismo, precisando de novos produtos para complementar esse crescimento.

Se são eles a gerir tanto me faz, choca é que não haja concurso (Tua), ou não haja aproveitamento (anunciado mas sempre adiado comboio turístico do Marvão)ou, quando existe interesse, este seja ignorado (Tâmega).
Ninguém defende que tenham que manter o serviço deficitário que criaram sob a sua medíocre guarda ou que tenham que se mobilizar para transformar a estagnada INVESFER na FEVE, de modo a que passe a dar lucro, como a última.

Basicamente ou estamos a discutir o potencial das linhas (ou fala dele) ou o imperativo de evitar privatizações, mesmo à custa da linha, em vez de se procurar interessados.
A primeira hipótese, a gestão actual não deixa acontecer ( motivo ninguém sabe, azelhice?) e a segunda duvido que traduza a opinião do Henrique em relação ao papel potencial do investimento privado.

O deficitário de uns poderá vir a ser o excedente de outros (se o deixarmos).

Reportagem do Público sobre o assunto (1ºpost):
http://www.comboiosxxi.org/

Nuno Oliveira

Anónimo disse...

O Henrique não conhece a realidade ferroviária espanhola para tecer comentários destes. Já atravessei Espanha de fio a pavio, em comboios de linha larga e estreita, e posso dizer-lhe que muitos deles não têm o retorno financeiro que justifique, sequer, a sua existência. A linha que liga Vigo a Ponferrada, por exemplo, que contorna Portugal, tem tramos de centenas de quilómetros sem um único apeadeiro ou estação. A RENFE fechou quilómetros de linhas, sim senhor. A maioria delas que davam acesso a Portugal ou à raia transfronteiriça. De resto o ratio de quilómetros de linhas por habitante é infinitamente maior em Espanha do que em Portugal. É possível ir da Galiza ao pais Basco por via estreita a preços perfeitamente acessíveis a qualquer cidadão, sem ser em composições turísticas. De resto o turismo ferroviário tem em Espanha um dos principais palcos na Europa, talvez a seguir à Suiça. É claro que a linha do Tua não é a solução para a desertificação, nem para o desenvolvimento local e regional. Pode contribuir. Mas uma coisa lhe digo: o encerramento compulsivo de uma boa rede ferroviária como a que tínhamos desde a monarquia constitucional, regional e internacional matou o interior português. Que Bragança, Viseu, Vila Real etc não sejam servidas por comboio é incompreensível. Não é um luxo, como o TGV, é uma necessidade. E só para terminar lhe digo: o parecer sobre a "inutilidade" da linha do Tua como património cultural construído, noutro país seria considerado um crime e os autores do parecer seriam punidos. Aqui é apenas um fait divers.

mario carvalho disse...

Poupa-se no combóio.. afogando-o

e afogando o futuro da natureza que dizem defender e dos nossos filhos e netos.. que não interessam--

in

http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/ppp-parcerias-publico-privadas-contribuintes-estado-dinheiro-agencia-financeira/1224936-1730.html


PPP «roubam» mais de 4.500 euros a cada português
Custos com todas as parcerias público-privadas em vigor até 2050 chegam aos 48 mil milhões de euros

PorRedacção VC 2011-01-11 10:08 1 2 3 4 5 1 votos Comentários Sapo Do Melhor Delicious Google Facebook

Só no final deste ano, cada português terá pago quase 80 euros para alimentar os encargos assumidos pelo Estado com as parcerias público-privadas que surgiram desde 1995. E para financiarmos os custos plurianuais das PPP até 2050, serão precisos 48 mil milhões de euros, o que dá 4.512,2 euros a cada contribuinte.

Os dados divulgados esta terça-feira pelo «Diário de Notícias» têm por base os cálculos do juiz jubilado do Tribunal de Contas Carlos Moreno.

Faltam sete décadas para nos vermos livres das PPP

Em 2011, a factura a pagar pelas parcerias que são postas em prática entre a administração pública e o sector privado chega, segundo o Orçamento do Estado, aos 841,9 milhões de euros, contando já com despesas com concessões rodoviárias, ferroviárias, de saúde e segurança.

Na realidade, a bola de neve não pára de crescer até 2083, ano em que termina o contrato de concessão da Barragem Foz Tua, assinado em 2008 com a EDP e que tem a duração de nada mais, nada menos do que 75 anos.

Para se ter uma ideia, um bebé que tenha nascido a 1 de Janeiro deste ano só se vê livre de ajudar a pagar as PPP quando tiver 72 anos. E isto se, entretanto, não forem realizados novos contratos.