terça-feira, junho 21, 2011

Um carvalhal maduro ou um campo agrícola?

Esta é uma pergunta clássica que faço aos estudantes que arquitectura paisagista quando tenho de dar uma aula e os coloco perante a posição de ter de decidir a expansão de um aglomerado urbano para a qual só existem duas opções: destruir um carvalhal com duzentos anos ou solo agrícola de primeira qualidade.

Tirando os que procuram fugir da pergunta dizendo que arranjavam outra solução, a distribuição dos alunos que preferem uma ou outra opção anda perto dos 50% para cada lado (se forem dos últimos anos, nos primeiros, com quem contacto menos, calculo que a destruição da área agrícola para proteger o carvalhal ganha folgadamente).

Lembrei-me disto ao ler uma notícia (não disponível na internet) sobre a possível destruição de parte da campina de Faro com dois loteamentos.

Se fossem sobreiros, teríamos as ONGs aos gritos. Todos nós conhecemos vários processos que implicam abate de sobreiros mediatizados, e por vezes travados ou alterados, por acção das ONGs. Mas destruição de solos agrícola que as ONGs mediatizem e combatam juridicamente não me lembro de nenhuma (às vezes há processos combatidos por outras razões em que é utilizada a RAN para engrossar o molho, mas não é desses que falo).

Os sobreiros são um recurso renovável, em expansão e abundante no país.

Os solos agrícolas de elevada qualidade (e raras são as situações como as da campina de Faro, da baixa de Loures, das terras da Costa, da veiga de Chaves e dos mais emblemáticos solos cerealíferos do país, na envolvente de Oeiras, tão bons que até o betão cresce) são raros, não renováveis e em contracção.

Eu acho que a esmagadora maioria dos dirigentes de ONGs em Portugal, e de jornalistas da área do ambiente, optaria por destruir os solos agrícolas para preservar o carvalhal.

Chumbariam se fossem meus alunos.

Viva o meu colega Henrique Cabeleira que quer conservar a campina de Faro como espaço agrícola de excelência.

Abaixo o meu colega Macário Correia que preside à Câmara de Faro e acha que não pode fazer nada porque os loteamentos estão no PDM.

Suspenda o PDM. Só depende de si. Ao lado, em Loulé, o Governo suspendeu o PDM para aprovar um hotel. A si com certeza não lhe seria difícil suspender o PDM para não aprovar os loteamentos.

Sempre se lhe reconheceriam as características em que fundou a sua carreira política aos comandos de caterpillers para demolir construções ilegais e demonstraria que o seu compromisso com o bem público não foi simplesmente um devaneio de juventude.

henrique pereira dos santos

30 comentários:

Lowlander disse...

Com a devida ressalva de que estamos perante uma falacia por falsa dicotomia, porque nao estamos a falar numa escolha entre 2 valores mas sim pelo menos 3 (quero dizer com isto que em paises com quadros legais verdadeiramente robustos o loteamento simplesmente nao e licenciado porque e o factor de menor valia social, especialmente num Portugal com excesso de parque habitacional).
Enfim, como dizia, com a devida ressalva da supracita falacia, concordo com o Henrique, em Portugal, os bons solos agricolas sao quase tao raros ouro.

Lowlander disse...

leia-se "tao raros como ouro"

Henrique Pereira dos Santos disse...

Sim, os alunos também tentam ir por aí, que é também uma forma de fugir da questão tal como é posta academicamente.
Se preferir eu reformulo a questão: há um uso social imprescindível, seja ele qual for, que exige, para o seu cumprimento, a opção entre destruir um carvalhal ou um solo agrícola. o resto mantém-se.
henrique pereira dos santos

Lowlander disse...

Henrique, muda as moscas mas a falacia e exactamente a mesma.
A minha resposta tambem nao muda.

Anónimo disse...

Um automóvel a 140km/h na Via do Infante. Um lince atravessa-se à frente.

1- O condutor devia-se instintivamente, despista-se e morre. O lince perde-se no barrocal.

2- O condutor atropela mortalmente o lince e segue viagem com o pára-choques ligeiramente amolgado.

Qual das duas opções é melhor?
(eu acho que a pergunta não faz sentido).

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

A pergunta faz todo o sentido e tem, para mim, uma resposta muito clara: é preferível que morra o lince a que morra uma pessoa. Para mim não há qualquer dúvida sobre essa herarquia de valores.
henrique pereira dos santos

aeloy disse...

Claro que pode não licenciar os loteamentos, mesmo que estejam mo PDM como área edificante.
E claro que pode, por resolução do executivo dar inicio (depende qual a situação) a processo de revisão do mesmo (se este vier de outra vereação).
Ou até poderia fazer veto de gaveta e deixar os mamões a ver caracóis.
E assim perde uns milhões que a CMF vai embolsar.
Mas é isso que identifica um político e o torna diferente de uma lesma.
António Eloy
www.signos.blogspot.com

Anónimo disse...

Os sobreiros lá poderão ser um recurso renovável, em expansão e abundante. Mas se tiverem 200 anos... Acho que chumbava.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Talvez não chumbasse se usasse o critério da idade de forma equitativa. Quantos anos têm os solos da campina de Faro?
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Os solos levam tanto tempo a formar-se como um carvalhal maduro? Isto é uma pergunta séria, que não sei nada de pedolologia (ia a escrever podologia, mas o google é meu amigo).

IsabelPS (esqueci-me de assinar acima)

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não, não levam tanto tempo, levam muito mais. Claro que depende das condições concretas de cada sítio, mas um bom solo agrícola, profundo e fértil, sim, leva muito mais tempo a formar que um carvalhal maduro.
A tua resposta é a resposta intuitiva, porque um carvalhal maduro é uma coisa fantástica e vai directa às emoções, enquanto um solo fundo e fértil é só um pedaço de chão que para ali está.
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

Tanto a pergunta como a resposta são bastante directas, julgo que a disputa de alguns comentadores se prende com o facto de ser semelhante à questão do "preferes levar um murro na cara ou no estômago?"- não existem opções propriamente ideais.

Julgo que se a pressão urbanística levar a esta escolha, mesmo que tenha uma opção claramente "menos má", já houve antes uma derrota.

É verdade que os solos agrícolas têm menos atenção por parte das ONGAs do que a floresta (com algumas excepções como a defesa do Vale do Coronado por parte da Campo Aberto), mas não existe contradição em defender ambas, mas sim a omissão que refere.

Não tenho nada contra as ligações emocionais e culturais a dada paisagem, quando conduzidas construtivamente- se calhar há que trabalhar para construir no ambientalismo o mesmo tipo de relação com o solo agrícola de forma presencial, em vez de se colocarem alfaces e burros nas Avenidas.

Luís Lavoura disse...

Suspender o PDM, como o Henrique recomenda, é uma "solução" que me repugna. Isso é eliminar a lei do Estado, isso é deixar de ter um Estado de Direito para passar a ter um Estado de governantes que decidem a seu bel-prazer. De alguma forma, isso é voltar aos tempos da monarquia absoluta.

Não sei quais são os condicionalismos legais mas, tanto quanto julgo saber, nada na lei obriga uma Câmara Municipal a aprovar um loteamento lá porque o terreno em causa está no PDM como edificável.

Mas posso estar errado.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Luís,
Eu não recomendo coisa nenhuma, nem conheço o processo para ter ideia como se resolve, limitei-me a fazer um panfleto a favor da conservação dos solos agrícolas onde usei o paralelismo das suspensões dos planos para aprovar projectos para explicar que justificar-se com os planos não chega.
Dito isto, suspender o plano não é suspender a lei, é usar um mecanismo da lei. O problema, no caso da lei portuguesa na matéria, é que está pouco balizado esse recurso à suspensão dos planos, porque efectivamente tem de haver discricionaridade na aplicação dos planos. Isso em si não é mau. O que é mau é essa discricionaridade não estar balizada e assente em fundamentações escrutináveis.
henrique pereira dos santos

Susana Nunes disse...

Muito interessante, acho que a questão é realmente pertinente. Ela é evidente quando a alargamos a outros contextos, como por exemplo em relção ao desmatamento da floresta nas Honduras por razões de sobrevivência das comunidades locais, mas a nivel nacional nunca tinha pensado o problema deste ponto de vista!

Anónimo disse...

Alexandre Vaz está ou estava envolvido na naturalink,apesar dos factos deve saber o que diz.

Fernando Antolin disse...

Em relação a terrenos agrícolas, é bem como diz, veja-se o completo desprezo e as tentativas de "betonizar" que impendem sobre as terras da Costa,por parte de uma autarquia CDU (Almada)...com o conveniente silêncio de tudo o que é ONG e ...do delicioso grupo almoçarista Os Verdes, que por acaso lá vai fazendo "prova de vida"...precisamente coligado com o PCP na CDU, porque fora disso creio que vivem em animação suspensa...

Anónimo disse...

Hahahah... "Alexandre Vaz está ou estava envolvido na naturalink,apesar dos factos deve saber o que diz."
O que é que isso quer dizer???

Alexandre Vaz

Anónimo disse...

O significado é fácil. Se lhe chamarem cobarde ou arrogante você não liga. Se lhe disserem que o viram ontem a beber água você fica preocupado.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Meus caros, acho que ninguém está interessado em trocas de galhardetes pessoais. Ou discutem argumentos de substância ou resolvam as vossas questões noutro lado por favor.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique, esse uso do plural parece-me desadequado... Não ofendi ninguém e honestamente não estou mesmo a perceber de que é que sou acusado, no entanto não deixa de ser irónico que alguém que se esconde atrás do anonimato invoque a expressão "cobarde".
No entanto concordo que este tipo de conversa não faz sentido aqui. Se alguém quiser prosseguir a discussão noutro sítio qualquer, aqui fica o meu mail:
avazphoto@yahoo.com

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

Alexandre,
Tens razão.
henrique

Anónimo disse...

"Não sei quais são os condicionalismos legais mas, tanto quanto julgo saber, nada na lei obriga uma Câmara Municipal a aprovar um loteamento lá porque o terreno em causa está no PDM como edificável."

Se o projecto estiver totalmente de acordo com o PDM obviamente que tem que aprovar*. E não deixa de ter piada no primeiro parágrafo vir falar do Estado de Direito e depois vir dizer que o PDM pode ser descartado só porque alguém acha que ali não se deva construir, mesmo que cumpra todos os requisitos legais.

* Aqui há menos de 5 anos, no Parque Natural do Litoral Norte em Esposende foi aprovada a construção de uma moradia que foi literalmente construída em cima de uma duna. O director do parque da altura disse que tinha dado um parecer negativo mas que sabia muito bem que se tudo estivesse conforme os requisitos do PDM que o projecto iria ser aprovado - depois de iniciada a construção foi possivelmente a obra mais fiscalizada na história do concelho e chegou a estar embargada por uma parece ter mais uns 10 ou 20 cm do que estava no projecto.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Anónimo, não é nada linear o que está a dizer. A Câmara tem de fundamentar o parecer, claro, mas o facto de no PDM ser possível não quer dizer que seja obrigatório, há uma grande diferença. O seu exemplo da casa em Esposende não acrescenta nada para esta discussão porque o que interessa é saber se a entidade licenciadora, a câmara, se quisesse chumbar podia ou não. O parecer de entidades terceiras é que só é vinculativo se houver violação da lei.
A ideia de que a possibilidade de construir prevista nos planos impede a entidade licenciadora de chumbar um projecto é uma ideia errada, mas muito difundida.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique, então se acha que a Câmara pode chumbar a seu bel-prazer, porque é que está aqui a defender a suspensão do PDM?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Anónimo,
1) Já expliquei que simplesmente fiz um panfleto em defesa dos solos agrícolas;
2) Já expliquei que não defendo nem deixo de defender a suspensão do plano, limitei-me a fazer um paralelismo, panfletário, entre duas situações, uma em que se diz que não se pode fazer nada porque o plano manda aprovar, outra em que se aprovou, apesar do plano mandar não aprovar, suspendendo o plano;
3) Já expliquei que não conheço o processo para saber como se resolve o assunto;
4) Já expliquei que se um plano proíbe isso quer dizer que não se pode fazer, mas que se um plano permite, isso não quer dizer que seja obrigatório fazer;
5) Já expliquei que as câmaras podem decidir dentro dos limites dos planos, desde que fundamentem as decisões, estabelecendo regras mais rigorosas que as dos planos, o que não podem é flexibilizar as regras imperativas;
Assim sendo como conseguiu ler que eu tinha defendido que as câmaras podem decidir a seu bel-prazer?
Eu sei que essa concepção de que as câmaras têm de aprovar se o plano não impedir é a concepção dominante, que transformou os limites do planos, que foram concebidos para serem tectos, no chão a partir do qual se discutem os projectos.
Isso simplesmente está errado. A Câmara, desde que fundamente, não é obrigada a levar a decisão ao limite do plano.
O Estado, as câmaras mas também as CCDRs e, mais que todos, a DGOTDU, há muito tempo que se demitiu das suas responsabilidades no ordenamento do território com argumentos desse tipo, mas o facto de uma coisa ser habitual não a torna certa nem adequada.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

"3) Já expliquei que não conheço o processo para saber como se resolve o assunto;"

Agora é que disse tudo.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Já tinha dito antes.
Mas independentemente disso, há uma coisa que sei: a justificação de que os planos obrigam a aprovar o que não proíbem está errada.
E também sei que quando se quer aprovar, quando os planos proíbem, se suspende o plano, ou invoca-se o interesse público ou qualquer coisa do género.
Agora explique-me lá, não sendo essa justificação pífia de que o plano não proíbe, qual é a razão para se aceitar projectos que contribuem para dar cabo da campina de Faro?
henrique pereira dos santos

Diamantino disse...

Penso que será importante acrescentar que o plano terá sido aprovado por uma suposta análise do INE que indica que a população de Faro irá aumentar em cerca de 70% até 2030, o que me parece, com as atuais taxas de crescimento populacional, um exagero excepcional.Penso que primeiro dever-se-ia rever o critério de necessidade de alteração do carácter de RAN, pois não parece ser consistente.
De qualquer forma, e como o mundo não é, nem nunca foi, perfeito, a questão que se deve pôr é o porquê e o como evitar este tipo de situações, antes que não reste um único solo agricultável perto de uma cidade. Os solos não são renováveis a escalas de tempo humanas, e hoje não os usamos porque o que comemos diariamente vem de muito longe. Mas como é que se consegue manter esta situação de "abandono" num momento em que não agricultamos tudo o que pudemos e em que um loteamento de um terreno RAN gera lucros impossíveis?

Cumprimentos e parabéns pelo belo blog.

Diamantino Oliveira

Maria Jesus disse...

A qualidade do ambiente passa, não só por uma mudança das políticas nacionais e internacionais que devem previligiar o crescimento sustentável, mas também por uma nova consciência de atitude por parte dos cidadãos, os quais devem ter uma participação activa na sociedade democrática em que vivem contribuindo para a defesa do consumidor.