quarta-feira, dezembro 07, 2011

Uma questão de arquitectura paisagista

Esta paisagem fui buscá-la aqui. É muito curioso que quando se escreve paisagem no google e se olha para as imagens encontradas o que se vê, na maioria dos casos, não são verdadeiramente paisagens, mas sim representações do paraíso, mesmo quando o veículo é uma paisagem real

O laboratório de fogos florestais publicou uma nota no seu facebook em que dá conta das conclusões do seu estudo sobre a eventual existência de progressos na prevenção e combate a incêndios em Portugal.
Sem surpresa, mas com solidez, a conclusão essencial é a de que apesar dos progressos numa série de factores, não há progressos na dimensão dos grandes incêndios e na área ardida.
E conclui: "Portanto, uma maior % da superfície ardida corresponde agora a fogos maiores, inevitavelmente com maiores impactes ambientais e socioeconómicos".
Tenderei a subscrever todo o texto, que me parece bastante consistente, mas não este parágrafo.
A razão é simples. Quem estuda os fogos, sejam os investigadores de origem florestal, sejam os de origem mais geográfica, como acontece na Universidade de Aveiro, tendem a estudar o que se passa depois de cada fogo. Na verdade perseguem os fogos para os estudar. Tendem assim a aumentar o seu conhecimento sobre os efeitos de cada fogo e é daí que concluem que fogos mais severos têm maiores impactos ambientais (maior quantidade de energia envolvida, maiores temperaturas atingidas, mais tempo de residência da frente de fogo, afectação mais profunda dos indivíduos e dos sistemas e por aí fora, como aliás se pode ler aqui).
Todos estes investigadores tendem pois a ser uma espécie de nómadas do fogo, caminhando atrás do seu objecto de estudo.
Ora eu, que não sei nada de economia, nem consta que tenha biblioteca, nunca publiquei nada de relevante sobre o fogo, isto é, nada de academicamente reconhecido como relevante sobre o assunto, como bem lembrou o Joaquim Sande Silva uma vez que tivemos por aqui uma discussão sobre a matéria.
E, no entanto, aqui e ali pedem-me para eu ir falar sobre o assunto em salas cheias de pessoas que publicam coisas academicamente relevantes sobre a matéria.
A melhor explicação que me deram para esses convites foi a de que o meu ponto de vista era um pouco diferente dos outros, porque olhava para a paisagem e não para os fogos.
Percebo hoje que essa é uma observação justa. Ao olhar para a frase que citei acima sobre os efeitos dos fogos severos dou-me conta, exactamente, de que a minha discordância decorre apenas do referencial usado, ou seja, do ponto de vista.
Na verdade não há qualquer dúvida de que os fogos severos são mais severos, isto é, mais impactantes. Quando o que me preocupa é saber o que acontece quando arde, o mais natural é ser levado a concluir o que o laboratório de fogos florestais da UTAD conclui.
Mas se deslocar o ponto de vista para a paisagem, isto é, se o que me preocupa é um pedaço de território e todo o processo da sua construção, o fogo é apenas mais um dos elementos que actuam sobre essa paisagem. Que, como todos os elementos de uma paisagem, só pode ser inteiramente compreendido sabendo de onde vem e para onde vai.
Se for esse o ponto de vista, e esse é o ponto de vista normal de um paisagista que não tenha frases feitas na cabeça do género "nos eucaliptais não se ouvem passarinhos", então o que verdadeiramente conta não é o efeito de cada fogo mas o efeito (e, já agora, a causa) do padrão de fogo.
E aí entronca a minha objecção à frase citada: fogos frequentes e pouco severos são sempre menos prejudiciais que fogos severos e menos frequentes?
Não estou convencido de que a resposta seja positiva, mas estou perfeitamente convencido de que a resposta se encontra mais facilmente reconhecendo a questão como sendo mais de arquitectura paisagista que de ciência do fogo.
Note-se que nada de corporativo está no parágrafo anterior: eu acho a paisagem uma coisa demasiado importante para ser entregue a paisagistas.
Não é pois uma defesa corporativa que me move no que escrevi (até porque a arquitectura paisagista corria o risco de ser varrida da discussão por falta de comparência na matéria) mas simplesmente o reconhecimento de que o ponto de vista que parte da paisagem está claramente sub-valorizado na gestão das paisagens.
Se mais paisagistas (não, não sou o único, há mais, mas continuam a ser poucos os que se exprimem no espaço público) se limitassem a expressar pontos de vista a partir daquilo que define a sua profissão, muitas das coisas que digo pareceriam menos estranhas e provocatórias porque seriam mais vulgarmente ouvidas.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

JKL disse...

Sendo um leigo na matéria, parece-me que depende em grande medida da complexidade dos ecossistemas e da sua capacidade de regeneração, sendo de incluir a pegada humana na equação como fazendo parte desse mesmo ecossistema. Também aí me parece que depende do ponto de vista: um gestor de uma exploração florestal, um responsável por uma reserva ecológica ou um pequeno agricultor terão seguramente perspectivas bastante diferentes em função dos meios em que estão inseridos.
Conheci a zona centro do País (o Pinhal) desde miúdo, de Tomar até à Sertã (pela estrada de Cernache - mas o cenário era idêntico em Ferreira do Zêzere) e para além era pinhal cerrado, não se sabia o que estava a 50 metros da berma da estrada. Hoje é uma paisagem de clareiras. Antigamente explorava-se a resina, havia lenhadores, resineiros, camiões, tractores e motosserras no pinhal. Incêndios sempre houve, mas devastadores como os das décadas de 80, 90 e a primeira deste século, nada. Diz-me o meu pai que conheceu "aqueles cabeços" semeados com milho e centeio, com muito poucos pinheiros - pinehiros esses que começaram a ocupar os lugares deixados vagos pelo homem a partir da década de 50 do século passado. Ou seja, analisando a evolução da ocupação humana e da invasão do pinheiro durante a segunda metade do séc. XX, constato que estamos perante um cenário de alterações profundas, e não consigo precisar se o fogo (incêndios devastadores) é uma consequência natural da evolução do meio ou, pelo contrário, uma inevitabilidade da acção humana.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Uma pequena precisão e depois o essencial.
O seu pai terá conhecido os cabeços semeados de centeio e o fundo dos vales semeados de milho, suponho eu.
E nesses cabeços e encostas, gado, muito gado. Associado a este gado, queimadas frequentes a que ninguém ligava nenhuma: sempre tinha sido assim e não havia qualquer conflito sobre isso.
Ora o que está em discussão neste post é se esse regime de fogo frequente e pouco severo é mais ou menos negativamente impactante do ponto de vista ambiental que o actual regime de fogos menos frequentes (eu diria, muito menos frequentes) mas muito mais severos.
Como diz, e bem, depende das circunstâncias, é por isso que contesto a ideia de que estes fogos são sempre mais impactantes (é verdade, são-no quando se comparam isoladamente os efeitos de dois fogos de severidade diferente, nem sempre é verdade quando se comparam territórios semelhantes sujeitos a regimes de fogo diverso).
Nos tais anos em que era tudo pinhal o mato era removido para a agricultura e pela pastorícia. Ou para ser mais preciso, quando começa o abandono agrícola (nessa zona, nos anos 40 do século XX, primeiro para Lisboa, depois do fim da segunda guerra mundial, para França e Alemanha) o pinhal é visto como uma alternativa para manter rendimentos. O que é verdade enquanto a agricultura e a pastorícia assumem os custos de remoção dos combustíveis e de fragmentação da paisagem, impedindo a continuidade dos combustíveis.
No auge da emigração (a década de sessenta do século passado) o problema dos fogos ainda não é o actual, quer porque ainda vai ficando terra a ser trabalhada e alguns rebanhos ainda existem, quer porque é preciso tempo para a recuperação dos sistemas naturais (faltam nutrientes, faltam sementes).
Este processo de recuperação dos sistemas naturais (mais rápido no fundo dos vales, em especial nas primeiras terras a ser abanadonadas, as menos produtivas e mais afastadas das aldeias) está mais ou menos a atingir a maturidade por meados dos anos setenta, que é quando se verificam os primeiros grandes fogos a sério. E a partir de meados dos anos setenta o processo tem vindo a acentuar-se, numa evolução contínua que é mascarada pela variação meteorológica dos diferentes anos (e por isso este post do laboratório da UTAD é tão importante, é exactamente por pôr a nú essa evolução).
O fogo reflecte essa evolução, de certa maneira influencia-a marginalmente (atrasa-a nas zonas em que arde e há perda de nutrientes, acelera-a nas zonas de acumulação de nutrientes) mas não é causa relevante da evolução da paisagem a que estamos a assistir.
Isto independentemente dos pontos de vista dos produtores, conservacionistas ou turistas, a realidade é o que é, o que vemos da realidade pode ser o que escolhermos.
henrique pereira dos santos

JKL disse...

Se bem entendi (assuma qualquer falha como profundo desconhecimento de leigo) há um factor evolutivo que tem sido menosprezado na análise do tema, i.e., assume-se um conjunto de pressupostos errados porque não tem sido dada a devida importância à evolução da ocupação natural dos solos/ocupação humana do território (sendo que a ocupação nunca pode ser encarada como passiva, antes numa perspectiva de intervenção na tentativa de alteração das condições existentes) nas diferentes análises a esta temática; o Portugal de hoje não é o Portugal de há 100, nem 50 nem sequer de há 30 anos atrás, quer em termos de ocupação territorial activa quer em termos das vias de comunicação rasgadas entretanto; continuamos contudo a preocupar-nos com as beatas lançadas dos carros em andamento nas vias rápidas e esquecemos de todo as profundas alterações que a natureza forçosamente operou no interior do País (agora) desertificado.
Voltando ao cerne da questão, fica-me uma questão pertinente: em termos de dimensão e intensidade dos fogos, há algum tipo de escala de avaliação (forçosamente dinâmica e variável para diferentes zonas, com diferentes ecossistemas, em diferentes fases de evolução e com diferentes tipologias de intervenção humana) que permitam aferir a partir de que ponto a destruição originada pelo fogo é absolutamente irreversível em termos do ecossistema aí existente? Não me parece que um fogo de 1000 hectares na serra da Arrábida tenha as mesmas consequências que um outro fogo com os mesmos 1000 hectares em Ferreira do Zêzere...
Do parco conhecimento que tenho do assunto, sem contar com os factores decorrentes da intervenção humana, a probabilidade de ocorrer uma ignição numa determinada zona arborizada do planeta é relativamente rara - mesmo na savana africana, com condições quase óptimas, é uma ocorrência rara em termos de análise estatística; a probabilidade de uma dessas ignições degenerar num incêndio vulcânico será ainda mais remota - em função das condições climatéricas e da quantidade de massa combustível existente - a existência de grandes florestas densamente ocupadas com percentagens elevadas de árvores centenárias em zonas do planeta relativamente intocadas pelo homem parece de algum modo sustentar a sua questão; pelo contrário, nas zonas em que há uma forte presença humana, cujo controle do do meio natural sempre se fez preferencialmente pelo recurso a fogos controlados, os numeros são bastante mais reduzidos quer em termos de densidade quer em termos de quantidade - apesar de que a densidade da ocupação me parece um quanto dubitativa em termos de relevancia porque há muitas áreas em que a intervenção humana é também muito notória pelo efeito da intervenção de espécies "invasoras" - refiro-me concretamente à ocupação de solos para a pastorícia que tendem a dificultar a renovação de espécies de maior porte (e típicamente com uma maior longevidade).
Uma outra questão que me parece relevante... não teremos nós a tendência de avaliar estas questões à nossa dimensão temporal (i.e., à luz do tempo que cá permanecemos) tendendo a ignorar factores evolutivos "naturais" que implicariam a classificação da ocupação humana, pese embora a dimensão da sua capacidade intensiva e extensiva ao nível da ocupação territorial de outras espécies?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Niagara,
São demasiadas questões para tão pouco espaço, portanto vou tentar ser sintéctico e provavelmente deixar coisas sem resposta.
1) Há já vários anos que tento (e não sou o único) contextualizar os fogos na dinâmica da paisagem, que no nosso caso é uma consequência das dinâmicas sócio-económicas actuando sobre factores naturais relativamente estáveis.
2) Avaliar o efeito de um fogo não é simples mas existem bastante coisa feita nessa matéria. Não me parece que exista, nas nossas condições, nenhum fogo que implique irreversibilidade: grande parte do elenco florístico que temos, autóctone e exótico, tem adaptações ao fogo e resiste (se não o indivíduo, pelo menos a espécie), recuperando pouco tempo depois.
3) Sim, pode haver diferentes consequências de diferentes fogos e até diferentes consequências de fogos iguais lavrando sobre sistemas diferentes (estou a simplificar porque em diferentes sistemas lavram diferentes fogos quase inevitavelmente). Isso depende das características do fogo mas, sobretudo, da capacidade de recuperação do sistema. Não é fácil ter uma escala única para fazer a avaliação (há sempre ganhadores e perdedores). Se no goolge escrever yellowstone recovery encontrará relatórios de avaliação muito bem feitos depois de um fogo enorme no mais emblemático dos parques nacionais americanos.
4) Uma correcção: as ignições podem ser improváveis mas não os fogos vulcânicos, porque havendo combustível, basta uma ignição para desencadear um fogo enorme.
5) Sim, analisamos as coisas à nossa escala. Mas podemos fazer um esforço de aumentar o tempo de análise, mas nesta matéria faltam muitos dados históricos.
henrique pereira dos santos

Henrique Miguel Pereira disse...

Henrique,

O estudo da questão da dinâmica do fogo nos ecossistemas à escala da paisagem não é exclusiva do domínio da Arquitetura Paisagista. Tem sido estudada na Ecologia há vários anos, sendo um dos casos de estudo mais importantes o exemplo de Yellowstone que mencionas acima. A resposta à tua pergunta (regime de fogo frequente e pouco severo ser pior ou melhor que fogos menos frequentes mas muito mais severos) parece depender da escala da análise e do que é que se pretende dos ecossistemas em causa (i.e. que serviços queremos que eles prestem). Mas decerto estamos a dizer a mesma coisa.

Henrique Miguel Pereira

Thiago disse...

Uma nova linguagem musical da Amazônia para o mundo.
A Música Universal das Linguagens (baseada nas vocalizações dos animais - Sem plagiá-los) é um pequeno ramo da “Música Transmórfica". A Música Transmórfica, foi criada pelos compositores paraenses, Albery Albuquerque e Thiago Albuquerque que se manifesta sobre, através e além das formas percebidas e não percebidas pela consciência humana. Este novo e gigantesco sistema musical transmórfico, trabalha com a simultaneidade entre arte e ciência.
Quem estiver interessado em conhecer essa nova música, ou quiser ouvir alguma conferência, ou audições comentadas (que como já dissemos, tem uma de suas vertente que é essencialmente ecológica e ambientalista) entre em contato pelo nosso e-mail: guirapuru@gmail.com

Links que demonstram a música transmórfico em nível ecológico e ambientalista:
http://www.youtube.com/watch?v=Yty2_aAMcGw

http://www.youtube.com/watch?v=VVXeIcHpQZA

http://www.youtube.com/watch?v=6HAeYagbka8

http://www.myspace.com/alberyalbuquerque