sábado, fevereiro 25, 2012

Um país com com a natureza fechada


A imagem acima é do acesso às salinas de Vale de Frades à entrada da Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET). Do lado esquerdo a placa diz: "Propriedade privada - Proibida a entrada", e conjuntamente com o portão, foi colocada há um par de anos, numa zona onde antigamente se circulava a pé livremente. Situações semelhantes acontecem em outras zonas da RNET, como o acesso à Ponta da Erva ou às salinas de Saragoça (aí é possível solicitar um cartão à associação de proprietários para circular na estrada de terra batida). Penso que esta situação é um dos maiores falhanço na gestão de áreas protegidas em Portugal. A RNET é uma zona excecional em termos naturais, especialmente no que respeita à avifauna, está localizada junto à maior concentração de população em Portugal, 3 milhões de pessoas na Grande Lisboa. No entanto não tem um único trilho para o público que esteja devidamente pavimentado e interpretado - repito, no interior da Reserva não existe um único trilho com boas condições de acessibilidade ao público (há o Centro de Interpretação das Hortas, mas é uma experiência bem diferente da imersão no sapal ou nas salinas em plena Reserva). Em muitas outras reservas naturais junto a grandes centros habitacionais por esse mundo fora, existem infra-estruturas de apoio à visitação. Um exemplo é a Baylands Nature Preserve em Palo Alto (Califórnia). Aí uma família pode estacionar o carro numa zona de estacionamento pavimentada, pegar no carrinho de bébé ou nas bicicletas, e munida de binóculos, ir observar a avifauna no sapal em mais de 25 km de caminhos pavimentados ou pelo menos demarcados. Ao fim-de-semana ou ao fim da tarde dos dias de trabalho, os trilhos são frequentados por centenas de pessoas todos os dias. E claro, que se houver pretensões de destruir esses espaços naturais terá uma fortíssima oposição dos cidadãos que usufruem semanalmente desses espaços naturais. E claro, ter crianças a passear por aquelas bandas impede que nessa zona haja caça, legal ou furtiva.
Em contraste, os lisboetas e a maioria dos portugueses vivem de costas voltadas para a natureza, com áreas protegidas com um potencial invejável mesmo às suas portas. Mas infelizmente, nem os portugueses parecem estar cientes disso, nem o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, nem as instituições que o precederam, nem os sucessivos responsáveis governamentais pela área do ambiente. Claro que parte do problema passa pela falta de terrenos de propriedades do Estado nas áreas protegidas. As nossas áreas protegidas são em muitos casos áreas de papel, delimitadas por regulamento, mas em que que nunca houve a intenção do Estado adquirir os terrenos mais importantes para a biodiversidade. Mas pelo menos poderia haver acordos de utilização com os terrenos para fomentar a visitação. Em vez disso assistimos durante muitos anos a uma atitude de que o melhor é estas zonas estarem fechadas ao público, pois precisam de ser protegidas do Homem. Essa mentalidade mudou, mas penso que não existe ainda uma consciência generalizada de que temos que fazer muito mais. E nem seria assim tão difícil, a começar por implementar um trilho na RNET para que os lisboetas possam ir ver de perto os flamingos e tantas outras aves que animam os sapais.

Henrique Miguel Pereira

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

É muito simples - se é propriedade privada, os proprietários têm todo o direito de impedir a entrada nela a estranhos. Nada há de anormal.
Na Califórnia, como em geral no oeste dos EUA, há montes de terrenos estatais. Em Portugal, pelo contrário, a quase totalidade dos terrenos são privados.

Henk Feith disse...

Luís,

Não é tão simples. Há o direito de servidão de margem. Esse direito permite a qualquer cidadão chegar junto de margens de águas do domínio público.

Os terrenos de lezíria do ET poderão ser privados, as águas do estuário são seguramente domínio público, pelo que há o direito de servidão de margem.

Nunca compreendi como se podia fechar o acesso ao estuário ao cidadão comum, no entanto é o que se verifica.

Não era uma bela batalha das nossas ONGA para lutar para esse direito de usofruir na nossa natureza? mas receio que estão mais alinhados com o pensamento ambiental dominante, que parte do princípio que a natureza e o Homem são incompatíveis, como já argumentou o Henrique Miguel.

Henk Feith

Anónimo disse...

Este post é pertinente, porque faz-me lembrar quando comecei a dar os meus primeiros passos na ornitologia, que foram no Estuário, quando falava às pessoas que tinha visto flamingos, pensavam que eu estava a gozar!! "Nannn isso só no Delta do Okavango!!" E ver o nascer do sol na Vasco da Gama é lindissimo!!
E isto está a 15m de Lisboa. Não há duvida que termos mais de 90% do território privado dá nisto, mas não podia existir de ambas as partes, propietários e parque, e não falando em aspectos legais como o Henk refere, que existam contactos nas propriedades, onde uma pessoa dá o nome e entra com autorização dos mesmos para ter aceso a este espéctaculo?
Estive agora no Tejo Internacional e também me deparei com muito gradeamento nas propriedades. Eu até entendo um pouco as razões, ou por ter animais, ou porque vão colocar lá lixo ou porque não querem ter lá ninguém, mas não podia haver um pouco de bom senso entre ambas as partes?
Saudações,

Paulo Maio

Henrique Pereira dos Santos disse...

O Jaime Pinto diz-me que está dificuldade em pôr aqui um comentário e pediu-me para eu o fazer:
Há mais de 10 anos uma associação a que eu pertenço enviou à RNET uma proposta que manifestava preocupações parecidas com aquelas que o Henrique M Pereira aqui refere. Entre outras coisas dizia:

"É pouco vulgar as grandes metrópoles europeias envolverem zonas de extraordinário interesse natural. Lisboa e seus arredores e a Reserva Natural do Estuário do Tejo constituem uma excepção que, talvez devido à sua grandiosidade, não tem sido suficientemente divulgada.
(....)
Supomos que uma das melhores formas de se defender e preservar locais como a Reserva Natural do Estuário do Tejo, passa pelo envolvimento na sua defesa de extensas camadas de população e de uma opinião pública forte e abrangente. Para fomentar o interesse da população que circunda o estuário do Tejo, é imperioso as pessoas sentirem e verificarem o quanto de bom ou mesmo espectacular esse local tem para lhes oferecer. Supomos que uma das melhores formas de se defender e preservar locais como a Reserva Natural do Estuário do Tejo, passa pelo envolvimento na sua defesa de extensas camadas de população e de uma opinião pública forte e abrangente. Para fomentar o interesse da população que circunda o estuário do Tejo, é imperioso as pessoas sentirem e verificarem o quanto de bom ou mesmo espectacular esse local tem para lhes oferecer.
(...)
Desde há perto de duas décadas que os proponentes vêm pensando, imaginando e sonhando com uma hipotética intervenção a realizar nos terrenos junto à Ponta da Erva.
(...)
O local de intervenção idealizado será junto à Ponta da Erva, na Companhia das Lezírias, Concelho de Vila Franca de Xira
(...)
Os objectivos são, na sua essência, e parafraseando o infelizmente desaparecido Sir Peter Scott, “a educação, a conservação, a pesquisa e o recreio”, sendo este projecto destinado a todos os cidadãos, portugueses e estrangeiros, com especial destaque para a população escolar (...)"


A proposta transformou-se em realidade e em breve será aberto ao público, numa propriedade na CL, um espaço na RNET (onde se abriram lagoas) destinada à observação da aves.

Um pequeno filme sobre as aves que poderão ser observadas nesse espaço (junto à Ponta da Erva):

http://www.youtube.com/watch?v=X6EOJdg4X8o

Esperemos que haja sabedoria suficiente para não se enveredar por uma busca imbecil por financiamentos comunitários para pagar ordenados a pesadas equipas técnicas, desprezando-se a ideia inicial. Ou que os trajectos e observatórios sejam mal executados de forma a haver espantamentos das aves. Ou dedicar o espaço a cientistas, convidados VIP ou fotógrafos pseudo-profissionais. Ou...
jaime pinto

Jorge Louro disse...

Julgo que sabe que a norte há um parque nacional em que estratega também quis fechar o parque para proteger os endinheirados turistas do norte. Coisas estranhas não é?

Jorge Louro disse...

quis dizer "um estratega"