domingo, março 18, 2012

A Parque Escolar e a sustentabilidade



A Parque Escolar tem estado na berlinda, em especial pela barragem de contra-informação da corrente socrática do PS, mais preocupada em proteger o futuro político de José Sócrates que em discutir o país e os problemas das pessoas comuns.
Isso permitiu-me ler umas coisas sobre o assunto, em especial a partir de uma das conclusões de uma auditoria feita à gestão da Parque Escolar.
Convém em primeiro lugar não confundir a gestão desta empresa pública com a gestão política do programa de recuperação das escolas, que é onde está o verdadeiro busílis.
É essa separação de águas que me interessa discutir a partir desta conclusão da auditoria: as regras ambientais e de eficiência energética tiveram como consequência um aumento dos custos de investimento e, pasme-se, um aumento para o triplo das contas de electricidade. Que aparentemente haja tão pouca gente que se interrogue como é possível as regras de eficiência energética determinarem uma aumento para o triplo das contas da electricidade é um mistério para mim.
Mistério que me levou então a pensar um bocadinho no assunto.
Note-se em primeiro lugar que as tais regras que teriam motivado o desvio são de 2006 e que o lançamento a fingir do programa (essa é pelo menos a argumentação usada pelas responsáveis socráticas da pasta da educação) é de 2007, sendo o lançamento a sério do programa de 2008, ou seja, já em plena vigência dessas regras.
O que explica então que o aumento de custos motivado pelas regras de eficiência energética conduzam à triplicação das contas de electricidade em detrimento do que seria normal, ou seja, uma diminuição?
Esta conclusão da famosa auditoria explica tudo: "a PE ... deveria ter feito uma apreciação crítica e exaustiva dos projectos de arquitectura e de especialidades antes de submeter as obras a concurso".
É aqui que se percebe com toda a clareza como sólidos princípios de sustentabilidade são aliados naturais da boa gestão, incluindo económica, e não seus adversários.
O que está em causa é uma sobre-valorização de um pilar da sustentabilidade, o pilar social, que justifica grande parte da retórica sobre o assunto, os materiais nobres, as soluções fancy, os projectos arrojados, as áreas generosas, as tecnologias mais modernas e por aí fora, com o argumento de que a escola pública merece tudo o que se possa fazer para a melhorar.
Mais avisados andaram os especialistas da OCDE ao fazerem notar: "The speed of the build up of the Programme, however, is such that there is limited scope for learning and applying lessons along the way as regards either education and design issues or finance and the budget. A lot therefore depends on having established a „right first time‟ allocation and control process. The process is clearly efficient. It is in our view too early to be quite so confident about the cost-effectiveness of the SMP" (o programa de renovação). E são mais claros: "The space standards being applied provide generous spaces and give flexibility of delivery, but within finite resources may be at the cost of other objectives: schools that are unnecessarily large will impose additional long-term energy, cleaning and maintenance costs. It may be possible to make better use of the space and associated financial resources". (o tratamento dado pela Parque Escolar na sua página às conclusões desta avaliação é um verdadeiro tratado de propaganda desonesta).
Resumindo, não há almoços grátis. É preciso de facto contar com os outros dois pilares da sustentabilidade, o económico e o ambiental.
Repare-se que há quem ache que um financiamento baratinho de 2% justifica o endividamento. De facto por cada milhão de euros pedidos, são só vinte mil euros de juros anuais, uma bagatela. Só que levando a sério o pilar económico, não é o preço do dinheiro que determina o investimento, mas sim se o investimento garante retorno necessário para pagar o empréstimo e o seu juro. Claro que quanto maior for o juro, maiores terão de ser os recursos criados pelo investimento, mas se o investimento me faz diminuir o meu retorno actual, até um juro de 0% é um juro alto. Estou a ouvir vozes a dizer-me para eu não ser economicista e neo-liberal porque o investimento em escolas não se avalia pelo retorno financeiro. Sendo isso certo, não deve deixar-se de notar que em qualquer caso é preciso que existam os recursos, e que os recursos públicos só têm uma fonte primária: os impostos retirados à actividade económica e às pessoas. Portanto a racionalidade do investimento no pilar social continua a ter de ter suporte no pilar económico, mesmo que indirectamente.
Levar a sério este princípio teria obrigado a olhar atentamente para os projectos das escolas com o objectivo de lhes fazer baixar os custos de manutenção depois das obras, ao contrário do que sucede com o que foi feito. É certo que exigências mais actuais podem conduzir a um resultado de maior consumo (um computador, por mais eficiente que seja, consome mais que um caderno e um lápis) mas o que está em causa é o princípio de alavancar um uso mais eficiente dos recursos com investimento e não a inversa. Um consenso claro entre princípios de desenvolvimento económico e competitividade e princípios de sustentabilidade.
E aqui entram os fundamentos das políticas ambientais.
Depois de uma primeira geração de políticas ambientais que visavam essencialmente garantir boas condições de vida actuais, as políticas ambientais têm vindo a aprofundar o fundamento da solidariedade inter-geracional.
E o que está aqui em causa é mesmo a solidariedade inter-geracional. Há uma corrente que tem vindo a repetir que é normal que as gerações futuras paguem estes investimentos porque também serão eles a beneficiar. Esta argumentação parte do princípio de que é razoável que as gerações actuais diminuam as escolhas das gerações seguintes na medida em que decidimos hoje a afectação dos recursos disponíveis amanhã.
É o problema clássico da sustentabilidade ambiental: não diminuir as oportunidades das gerações seguintes usando recursos excessivos hoje.
Note-se como este comentário que já citei, feito pela auditoria da OCDE, é uma das formas mais elegantes que conheço de formulação do princípio da precaução: "The speed of the build up of the Programme, however, is such that there is limited scope for learning and applying lessons along the way as regards either education and design issues or finance and the budget. A lot therefore depends on having established a „right first time‟ allocation and control process. The process is clearly efficient. It is in our view too early to be quite so confident about the cost-effectiveness of the SMP".
Infelizmente esta opção de insustentabilidade é a marca de água do Governo anterior, não é apenas o problema central associado ao programa de recuperação das escolas.
Note-se como as opções energéticas correspondem a induzir investimento a troco de pagamentos pelas futuras gerações (as famosas rendas). Note-se como o recurso a parcerias publico privadas correspondem a usar hoje recursos que serão pagos amanhã (não tenho nada contra parcerias publico privadas que mantenham a sua a característica base: o risco tem de ficar sempre, sempre do lado do privado, porque é essa a mola que o faz procurar eficiência. O governo anterior optou por assumir os riscos para o Estado com o objectivo de induzir investimento que os privados recusariam face ao risco excessivo, que o tempo veio confirmar). Note-se como o governo anterior vendeu licença para que o sector imobiliário (turístico ou não) fosse levado a investir consumindo hoje os recursos que também são das gerações futuras.
Poder-se-ia continuar a explicar como tudo isto se traduziu no endividamento excessivo que hoje temos. E nesse endividamento apenas estão contabilizadas as acções que consumiram os recursos financeiros de amanhã, não está contabilizado o passivo ambiental que deixamos.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Spawm disse...

Henrique, se quer saber porque é que as novas escolas apesar de mais eficientes gastam mais, basta perguntar a qualquer Eng. Mecânico que faça projectos de AVAC e Térmica, e Qualidade do Ar com a legislação actual, e rapidamente tem a resposta.
Pergunte-se o porque de nenhum projecto prever ventilação natural, embora sejam feitos por equipas projectistas diferentes.
É o que dá adaptar normas que fazem sentido no norte da Europa em climas quase polares mas que em climas temperados são um pouco overkill.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Spawn,
1) a legislação é de Abril de 2006, a primeira estimativa orçamental do programa mais a sério (de acordo com a ala socrática do PS) é de 2008. Justificar alterações de custo com base nesta legislação é, em si mesmo, uma claríssima identificação dos problemas de decisão política relacionados com o programa;
2) o problema é considerar que isto é um problema da especialidade, quando não é, é um problema da concepção base dos edifícios. Os requisitos da legislação (já lá vamos) podem ser obtidos de várias maneiras, a mais barata (em manutenção, não forçosamente em investimento) é tirando partido das opções de climatização passiva dos edifícios, o que implica projectos e projectistas que trabalhem com esse objectivo;
3) a legislação resulta exactamente do Estado não fazer contas aos dinheiro. Se o fizesse seria alterada rapidamente em função dum programa como o da parque escolar;
4) O que diz pode explicar aumentos moderados da factura eléctrica, dificilmente explica o aumento para o triplo do consumo.
Resumindo, o problema não está nas questões técnicas que o engenheiro mecânico resolve, o problema está no dono da obra, que é também quem define as regras que se aplicam aos edifícios, não assumir como essencial o custo de manutenção (e, já agora, a redução do consumo de energia), sobretudo face à verdadeira prioridade do programa: executar o mais rapidamente possível para criar uma vantagem eleitoral importante.
henrique pereira dos santos

Henrique Miguel Pereira disse...

Henrique,

Parece-me que ignoras de todo os níveis de conforto que existiam anteriormente e os que passaram a existir. Certamente se passaram a haver equipamentos de aquecimento ou arrefecimento onde antes não os havia, os consumos vão aumentar muito substancialmente (e.g. triplicar ou mais). E uma análise de rigor destes investimentos tem que passar por uma análise do conforto das instalações antes e depois. Se não acabas por cair noutro tipo de propaganda fácil, que é o de desacreditar o trabalho feito com base em apenas alguns indicadores económicos. Com isto não digo que não tenha havido excessos, mas sim que as análises que até agora vi falham por incluir qualquer análise rigorosa do ponto de vista dos utilizadores.

Henrique Miguel

Henrique Pereira dos Santos disse...

Henrique,
1) Eu digo explicitamente que é possível que algum aumento de consumo seja admissível face à modernização. Mas multiplicar por três é um bocado excessivo, gostaria de ver as justificações (que não foram as que deste mas a de que havia alterações legais que existem desde 2006, são portanto anteriores aos programas em causa;
2) Os níveis de conforto podem ser obtidos de muita maneira, a mais eficiente das quais através de um projecto que seriamente pretenda atingi-los com o mínimo de consumo de energia (o nível de conforto de um edifício depende essencialmente do seu projecto);
3) Se estabeleces níveis de conforto que são incomportáveis para os recursos existentes, a prazo o que tens é puro desperdício, porque as contas irão baixar à custa da diminuição dos níveis de conforto (e devo acrescentar que quando são obtidos com circulação de ar forçada, de maneira geral são miseráveis quando os equipamentos não estão a funcionar);
4) O consumo de electricidade é apenas um pequeno sintoma, não a essência da questão.
henrique pereira dos santos

Carlos Aguiar disse...

Acompanhei com alguma atenção as obras de requalificação da Parque Escolar num dos liceus da cidade onde vivo. Melhor seria que nada tivessem feito. Dou alguns exemplos. As novas salas ficaram acanhadas, para não dizer exíguas. Luz não falta, mas não vem da rua por que a área de janelas diminuiu. O revestimento foi feito com pladur. Um aluno de 15 anos com as hormonas aos saltos, que bebe meio litro de leite e come 4 sandochas ao pequeno almoço, fura-os com uma simples cotovelada. O giz foi banido. Agora só quadros brancos de plástico, canetas de cores, projectores de vídeo e dezenas de quadros interactivos que ninguém gosta, nem usa. As paredes dos corredores foram revestidas com painéis de aglomerado mole de madeira até ao chão. Os alunos riscam-nos com as unhas e mascarram-nos com os pés. Limpar o chão com esfregona é um exercício de precisão. As grandes portas de vidro da entrada (não podiam faltar) já se partiram. Aproxima-se o Verão e a direcção da escola não sabe como vai pagar o ar condicionado. A obra anterior durou 50 anos com custos mínimos de manutenção. A nova escola, dentro de poucos anos, estará de pantanas e não haverá dinheiro para a manter, quanto mais recuperar. Perguntei a um dos directores qual era a explicação para o facto da funcionalidade e da resistência dos materiais não terem sido considerados no projecto, e da fiscalização de obra não ter actuado. Responderam-me que os milhões de euros eram uma obra, intocável, de autor.

Anónimo disse...

O comentário do Carlos é bastante elucidativo do "estado da arte" das obras públicas em Portugal.
Nunca existem responsáveis pelas más decisões, nunca existem consequências por má gestão de dinheiros públicos.
As nossas leis dificultam ou impedem mesmo a sua responsabilização.. e nós continuamos a votar nos mesmos responsáveis por essas leis.