segunda-feira, abril 23, 2012

Pequena explicação


Quando escrevi o último post resolvi não o fundamentar. Já escrevi vários posts sobre a conservação do lince, já manifestei a minha radical discordância em relação às estratégias adoptadas (tendo posteriormente suavizado as minhas objecções ( que não são técnicas, são de afectação de recursos) à conservação ex-situ, nomeadamente a cria em cativeiro,) e já insisti vezes sem conta na minha convicção de que o stress trófico é um driver de conservação muitíssimo mais relevante que a perseguição directa (incluindo venenos, estradas, barragens, etc.) para os grandes predadores.
Esta minha insistência nestes temas é entendida como uma vontade de ser do contra, mas isso não é verdade, pelo menos não é inteiramente verdade: 1) a teoria da evolução está do meu lado; 2) a evidência empírica de dinâmica da paisagem também. Note-se a quantidade de estudos que se referem a alterações de habitat sem nunca indicarem como fonte da alegação um único estudo sobre dinâmica de paisagens feito por quem faça do assunto o objecto da sua investigação.
Como a opacidade sobre a informação empírica existente sobre o que está a acontecer com as populações de lince ibérico é muita (não porque não exista, ela existe, tem é dificuldade em se tornar mais visível socialmente que os happenings de nascimento de crias em cativeiro), resolvi então ajudar quem quiser informar-se e maravilhar-se com a extraordinária capacidade da mãe natureza se estar nas tintas para o que dizem dele e seguir o seu rumo sem nos dar cavaco.
A população de linces da Andaluzia (que é quase o mesmo que dizer do Mundo, e já lá vamos ao quase) duplicou em menos dez anos, sendo natural que se esteja a assitir à aceleração da velocidade de recuperação, como prevê a teoria.
Apesar do linguajar politicamente correcto e de "nacionalismo" autonómico, a verdade é que quanto mais próxima é a informação, mais evidente se torna o que está a acontecer.
É certo que o mainstream comunicacional continua a falar de tendências populacionais regressivas, mas convenhamos que não será por muito mais tempo que será possível manter o discurso.
Não, não se trata de conversa de jornais, está documentado pela publicação de resultados científicos, mesmo já desde há quase cinco anos.
E o que se passa com o lince é simplesmente o que se está a passar com a águia imperial, a bonelli e todos os outros predadores de topo que gostam de coelho: a recuperação da população de coelho (como expectável na teoria) está a trazer de volta tempos de abundância.
Não se pense que sou eu que sou um optimista inveterado, mesmo os mais empedernidas alarmistas nestas matérias estão em festa com a informação existente.
Com o tempo este tipo de relatos serão vulgares e sairá reforçado o negócio de observação de linces, como já hoje é estável o negócio da observação de lobos.
Mas continuarei a combater ferozmente a história oficial desta quase extinção e recuperação, em especial a ideia que passa em muitos destes textos de que tudo isto resulta de projectos Life e coisas que tal. Não estou a dizer que tenham sido inúteis, embora esteja convencido de que foram muito pouco custo-efectivos.
Os milhões que se gastaram a mudar estradas, a alterar barragens e outras coisas que tais teriam sido provavelmente muito mais úteis se tivessem sido concentrados no problema que realmente existia: o controlo das pandemias de coelho.
E vou continuar a bater nesta tecla por uma razão simples: não há nenhuma razão para supor que amanhã não se abata uma nova praga sobre os coelhos. Nessa altura espero que seja possível rapidamente deixar de lado as histórias da carochinha sobre a sobre-caça, as estradas, as barragens e entrarmos directamente na resolução do problema.
E agora é simplesmente esperar que o Urso, que desapareceu de Portugal em meados do século XX e foi avistado de novo há muito pouco tempo, resolva também instalar-se, como é expectável. Seria bom que se compreendessem melhor os mecanismos destas idas e vindas para usar os recursos em coisas sérias em vez de se confundir a nuvem com Juno.
henrique pereira dos santos

13 comentários:

FredericoV disse...

"E agora é simplesmente esperar que o Urso, que desapareceu de Portugal em meados do século XX e foi avistado de novo há muito pouco tempo" - Foi avistado onde? Está a falar das possíveis observações na Galiza numa área relativamente perto do Montesinho, ou alguma observação já em território nacional???

Henrique Pereira dos Santos disse...

Planalto da Mourela, Castro Laboreiro (se não me engano), mas sem grande significado, um indivíduo divagante, com toda a probabilidade.
henrique pereira dos santos

BICIFILA disse...

divagante... fugido de uma camião de circo (ou mesmo abandonado...)

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não, não era um indivíduo domesticado (nem estou a ver o que iria um circo fazer para castro laboreiro, onde não tem público para encher um espectáculo).
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Faltou-lhe apenas acrescentar que a população de lince aumentou à custa de 50 milhões de euros em 5 anos apenas dedicados ao campo, ao coelho, ao habitat, às populções locais, à diminuição de barreiras à dispersão, etc. Faltou-lhe também dar a fonte de informação onde tudo isto pode ser conferido - http://www.lifelince.org/default.aspx?id=73. Foi esse mesmo projecto que municiou a recuperação dos coelhos, através de múltiplas tentativas e erros. Que municiou a alimentação suplementar com coelhos mansos em cercados a cada 500ha de território porque a concentração actual não é suficiente. E por aí em diante...

Rodrigo Serra

Anónimo disse...

Spanish Tiger?!? Por amor de deus!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Rodrigo,
Agradeço o link.
Quanto ao resto é uma história possível face aos dados empíricos existentes.
Essa história tem vários problemas.
O primeiro deles é a própria história da história, isto é, as previsões das pessoas envolvidas, ainda há cinco anos, nunca previram esta evolução porque embora fossem falando no coelho iam sempre dizendo que havia muitos outros factores (alterações de habitats, infra-estruturas, caça, furtiva no caso do lince, não furtiva no caso do coelho, etc.) eram questões centrais sem a resolução das quais o lince nunca recuperaria. O tempo veio demonstrar que estavam errados e agora reescrevem a história para explicar o que nunca previram.
O segundo problema dessa história é que ela não explica a expansão do lince evidente e forte em Castilla La Mancha, incluindo em áreas bastante distantes de Andújar. Os andaluzes passam o tempo a negar essa evolução, mas é natural porque ela contraria a sua interpretação dos factos.
Da mesma forma essa história não explica a recuperação do coelho em toda a Península, mais rápida onde ele sempre se aguentou melhor, mais lenta onde sempre esteve pior.
Por fim essa história não explica a precedência da recuperação dos outros predadores de coelho (imperial, bonelli, real, etc.) que não começa nessas zonas ou não se restringe a essas zonas.
A equipa andaluza deve ser fantástica, calculo que sim, inclusivamente do ponto de vista comercial, mas têm de fazer um golpe de rins maior que o que já fizeram para garantir a credibilidade do que dizem.
henrique pereira dos santos

Henrique Miguel Pereira disse...

Se foi no Planalto da Mourela então é Pitões das Júnias, na parte oriental da Peneda-Gerês. A confirmar-se são excelentes notícias, e já não é a primeira vez que um indivíduo divagante é visto na proximidade nos últimos anos (mas que eu saiba é a primeira vez que a observação ocorre em Portugal).

Henrique Pereira dos Santos disse...

Henrique,
Já não me lembro se foi na Mourela ou no planalto de Castro, mas faz mais sentido a Mourela. Mas não sei, não me lembro.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Bom dia Henrique, sabe ao menos dizer há quanto tempo aconteceu e se a observação é fiável? É que efectivamente tem se falado de observações ou vestígios na Galiza, cada vez mais para sul. E cada vez mais se espera que um urso efectivamente entre no nosso território, mas tenho ideia que essa entrada se dará mais pelo Montesinho e não pelo Gerês.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Ao que me dizem a informação é perfeitamente fiável e é bastante recente. A ideia de que o urso entraria por Montezinho decorre muito de outra ideia actualmente em revisão: a de que o urso teria subsistido no Nordeste até mais tarde. Mas hoje parece razoavelmente estabelecida a ideia de que até meio do século XX foram aparecendo ursos no Noroeste, incluindo com crias, na fronteira com o que é hoje o parque do Gerês (há um testemunho recente de um indivíduo que do lado galego matou, ou teve contacto directo, um urso de um grupo de três, se não me engano, em meados do século XX, testemunho perfeitamente fiável, ao que me dizem).
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Uma pergunta sobre os ursos: qual é a população estimada de ursos em Espanha e por onde estes se distribuem? E já estão lá há muito tempo, ou chegaram a não existir na Península Ibérica? É que do que me lembro do que aprendi na escola (já lá vão muitos anos é certo, mas é a ideia que tenho) é que os ursos na Península Ibérica ter-se-iam extintos durante a Idade Média, e afinal já são avistados em Portugal.

Obrigado,
Paulo Silva

FredericoV disse...

Em Espanha nunca chegaram a desaparecer. Existem na cordilheira Cantábrica, em duas populações mais ou menos isoladas (há provas genéticas que há cruzamento entre as duas populações). A população mais ocidental anda pelas Astúrias e Leão e por vezes aparece no este da Galiza, daí ser mais provável o aparecimento em Portugal no Montesinho do que no Gerês.

Nos Pirenéus também existe uma população, mas reintroduzida com ursos Eslovenos.