quarta-feira, maio 22, 2013

Um post de outro mundo


Às vezes perguntam-me porque deixei de escrever aqui e deixei de participar nas discussões da lista AMBIO.
Sendo certo que não deixei por completo, é verdade que reduzi muito a minha participação na criação de espaços de debate em matérias ambientais e, em especial, em matérias de conservação da natureza.
Há muitas razões para isso, mas uma delas é sem dúvida o cansaço pela inutilidade do esforço: qualquer opinião é imediatamente tratada como questão pessoal demasiadas vezes (honra seja aos poucos casos e pessoas que mantêm discussões, por vezes acesas e duras, no plano dos argumentos racionais e não dos ataques pessoais).
Ora resgato hoje, temporariamente, este blog à morte com uma clara demonstração do que digo.

Em 28 de Fevereiro escrevi esta crónica no Público on-line.
Note-se que nela não digo nada que já não tenha dito vezes sem conta, quer em relação ao lince, quer em relação a outras espécies.
E note-se que especificamente sobre a discussão das razões para a recuperação do lince este blog tem um excelente exemplo de discussão, entre o Miguel Araújo e eu, que procura manter-se ao nível dos factos e argumentos, não se confundindo uma argumentação forte com ataques pessoais.

Ora em 11 de Março, Rodrigo Serra publica no seu Facebook um texto inacreditável de ataque pessoal (que não teve a hombridade de me dar a conhecer, apesar de facilmente poder contactar comigo) e de que apenas ontem tomei conhecimento (com os respectivos comentários, nalguns casos vergonhosos para quem os faz).

O texto reza assim:

"Recomendo vivamente a leitura deste artigo no Público (que disparate fez este jornal ao substituir a Grande Helena Geraldes, jornalista de referência, por bloguistas). Aqui se diz que os conservacionistas não gostam de boas notícias. Porque... se baixar a UICN o estatuto do lince de criticamente em perigo de extinção para o estatuto de em perigo de extinção isso quer dizer que vamos nós os conservacionistas morrer à fome, por isso temos medo de perder os nossos postos de trabalho. Pois eu gosto. Mas gosto pelas razões contrárias às do seu autor (como já é costume, e ficará claro em seguida porquê).

Quando baixarmos o estatuto do Lince-ibérico para "em perigo de extinção", isso vai dever-se ao trabalho de conservacionistas, e vai ser um prémio extremamente saboroso para quem trabalha com esta espécie - só mesmo quem não trabalha no terreno pode pensar que a ideia de um conservacionista é extinguir a espécie a que se dedica. É perfeitamente idiota, ou mal intencionado, sugerir-se tal coisa. Não somos todos iguais, os que trabalhamos e os que postam postas de pescada.
Logo, vamos ficar contentes, porque os critérios da União Internacional da Conservação da Natureza são claros (união da qual sou membro com todo o orgulho) e portanto quando o lince passar a "em perigo de extinção" é porque de facto se cumprem esses critérios - sim, é uma decisão técnica, não é decretado por políticos.
Podemos pensar que a espécie recupera apenas pela recuperação do coelho - à qual faltam dados e tempo para verificar a consistência, uma vez que toda a gente informada sabe que isto do coelho vai por ciclos, ora aumenta, ora diminui (ir informar-se o autor que é bom, nada). Podemos mesmo sugerir que os milhões de € investidos na recuperação da espécie mais não foram que deitar dinheiro à rua e uma incrível coincidência - mas isso não passa de um optimismo / negacionismo tão exagerado que concorre à categoria de "sonho húmido" com um toque de "delirium tremens".
Portanto quando a espécie descer de estatuto, vai ser uma alegria e uma vitória para os conservacionistas, e uma alegria e uma vitória para a União Europeia, para os políticos ibérico e técnicos administrativos dos Estados, porque quer isso dizer que o investimento feito em € para a recuperação da espécie resultou e produziu os efeitos esperados. Portanto vale a pena acreditar e investir na recuperação de espécies em perigo crítico de extinção. Isto sim será uma grande, enorme vitória!
Mas esqueçam todos aqueles que pensam... bom, pensam é uma palavra demasiado forte - esqueçam todos aqueles acham que uma vez passada uma espécie para o estatuto de "em perigo de extinção", deixa de ser necessário trabalho, acompanhamento e investimento para conservar a espécie. É que "em perigo de extinção" não quer dizer livre de perigo (como a própria frase indica). Repito: espécie em perigo de extinção. Não dá para irmos todos para casa ler o público, ainda há muito para fazer. E em Portugal ainda nem sequer nos livrámos do estatuto de pré-extinção - não há um único no campo - quanto mais passar a espécie em perigo de extinção. Isso sim é um verdadeiro sonho húmido. Mas adiante."

Ora o Rodrigo Serra, um rapazinho novo que não conheço, está farto de ler textos meus sobre a conservação do lince (porque de vez em quando os comenta neste blog) e portanto sabe perfeitamente que está a pôr na minha boca cretinices que eu nunca disse.

Noutro tempo, noutras alturas, eu estar-me-ia nas tintas para os insultos de um rapazinho que tem menos de idade que anos que eu tenho de trabalho em conservação e responderia aos argumentos.
Era no tempo em que escrevia regularmente neste blog.
Actualmente acho que não vale a pena.
O que quer que eu escreva, a demonstrar por A+B que o que escreveu Rodrigo Serra é um texto incompreensível face ao artigo que escrevi e face ao que o autor do texto sabe que eu penso, fazendo a pedagogia da discussão racional sem ataques pessoais (o que não é o mesmo que evitar a crítica frontal e directa a pessoas concretas pelo que dizem ou fazem), será simplesmente lido com a mesma incapacidade básica de compreender um texto que está aqui expressa por Rodrigo Serra.
E eu tenho mais que fazer que aturar garotos que não aprenderam a ler convenientemente.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

Rodrigo disse...

Olá Henrique,

Obrigado pela divulgação do meu texto, pode ser que assim as pessoas percebam mais facilmente a falácia dos seus argumentos contra a conservação do lince e em geral.

Cumprimentos,

Rodrigo