Imagem da laurisilva nos Açores (Flores). Foto gentilemente cedida por Joaquin Hortal
Se há algo que caracteriza o espírito deste blogue é a convicção de que as questões ambientais devem ser discutidas com base na racionalidade e no rigor.
Alguns pretendem enfatizar alternativas de cariz ideológico no debate ambiental. Esta perspectiva contrasta com uma visão, essencialmente pragmática, que procura identificar os problemas de forma objectiva e encontrar soluções socialmente aceitáveis. Esta visão pragmática assenta nos seguintes pressupostos: 1) o direito [e desejo] a usufruir de um bom ambiente é transversal a toda a sociedade; e 2) este direito [desejo] insere-se numa concepção alargada de “bem estar” onde o qualidade do ambiente e da economia não são indissociáveis.
Estou convicto que uma das condições essenciais para a realização de um debate maduro sobre questões ambientais é que o ponto de partida, o diagnóstico dos problemas, seja realista e fundamentado. O contrário, um diagnóstico distorcido por visões emotivas ou ideologicamente marcadas, será dificilmente partilhado por um espectro alargado da sociedade tendo ainda o condão de gerar antagonismos numa fase de debate demasiado precoce para que de aí saiam soluções úteis. Julgo que o texto do Dr. Jorge Paiva, que aqui se reproduz, é exemplo deste tipo de textos que pouco úteis.
O artigo é estruturado de forma a transmitir a ideia de que os incêndios decorrem da política de eucaliptização levada a cabo em Portugal entre os anos 70-90. Todavia, como é demonstrado pelo artigo de Luís Silva Reis e explicado de forma substantiva pelo Paulo Fernandes, os povoamentos de eucalipto ardem pouco relativamente aos povoamentos de pinheiro bravo. Isto apesar da elevada inflamabilidade do eucalipto. Logo, se o objectivo do artigo de Jorge Paiva era discutir os incêndios e suas causas existe lapso de lógica no enquadramento do problema (se os povoamentos de eucalipto ardem pouco não serão estes que estarão na raiz dos incêndios em Portugal) que revela que a ideologia (neste caso a aversão ao eucalipto) se sobrepõe à análise fria e racional do problema.
É patente que no artigo se valoriza a capacidade de contar uma estória em detrimento do rigor sobre a História. Por exemplo, afirma-se que a floresta antiga de loureiros, a laurisilva, desapareceu no final da ultima glaciação (20 mil anos) e não no final do Terciário (1.8 milhões de anos) como se defende na literatura especializada. Aliás o próprio autor do texto, em fóruns de menor audiência, reconhece explicita, ou implicitamente, este facto. Também se refere que a paisagem glaciar de Portugal se aproximou da Taiga (floresta de coníferas do norte da Europa), quando se sabe que esta se aproximava mais da estepe arbustiva. Proclama-se também que o Pinheiro bravo é uma espécie exótica quando se sabe hoje (ver artigo de Carlos Aguiar) que a espécie é nativa de Portugal. Existem duas interpretações possíveis sobre estas imprecisões técnicas. A primeira é que são lapsos. A segunda é que são “licenças literárias” para melhor contar uma estória cuja eficácia depende do grau de emoção que despertar nos leitores.
A questão essencial não é se o eucalipto está na origem do fenómeno dos incêndios em Portugal (parece ser óbvio que não está), nem se o eucalipto é árvore a abater (postura pouco produtiva). O importante é discutir o tipo de paisagem e estrutura económica que queremos para a floresta em Portugal. Penso que o contributo de Paulo Canaveira é útil para o debate (e original pois não é todos os dias que os técnicos de empresas de celulose entabulam diálogo aberto e horizontal com ambientalistas) ainda que seja importante analisar as causas que subjazem a eucaliptização indiscriminada que ocorreu nos anos 70-90 para melhor entender a situação actual, de moderação no discurso, das empresas de celulose.
Segundo o Paulo Canaveira verificaram-se “erros” económicos pois plantaram-se eucaliptos em áreas marginais para o crescimento das espécies. É verdade mas também é verdade que a política das celuloses não era a de maximizar a produtividade (toneladas por hectare) mas a produção (toneladas). Uma lógica idêntica, aliás, à da campanha do trigo do Estado Novo. Por outro lado o problema da eucaliptização, no contexto ambiental, não se resume a plantações em áreas marginais para a produção do eucalipto. Existe um problema de coincidência entre terrenos disponíveis para plantações (áreas pouco produtivas do ponto de vista agrícola) e áreas de elevado valor para a conservação. Num País cuja cobertura de áreas classificadas para a conservação excede os 21% do território, pode-se dizer que existe um enquadramento legal de base para disciplinar o zonamento da actividade florestal. Um enquadramento que era menos forte quando as empresas de celulose arrasaram a Serra d’Ossa, partes da Serra da Malcata e muitas outras áreas residuais para o Lince Ibérico. Noutros Países, onde as leis ambientais são menos estritas, as empresas de celulose continuam, como aliás não deixa de ser natural, de reger-se por critérios de racionalidade económica pura. Por exemplo, numa visita recente ao Brasil pude observar áreas de mata atlântica (um dos sistemas florestais mais ameaçados do mundo) a serem substituídas por plantações de eucalipto. Ou seja, a moderação do discurso é questão de contexto e isso tem de ser entendido para que a interacção com o sector industrial seja profícua.
De forma geral sou inequivocamente avesso a que áreas de valor para a conservação sejam transformadas em plantações sejam elas de eucalipto, pinheiro, ou outra espécie. Nestas áreas há que procurar trabalhar com o sistema existente tirando partido das valências económicas endógenas. Em Portugal tal rentabilização dos valores naturais tem sido difícil porque temos um tecido social pouco empreendedor que prefere, regra geral, soluções fáceis como a plantação de uma espécie cujo escoamento é assegurado por uma grande empresa. Por outro lado temos um público de utilizadores de paisagem que é pouco exigente em termos de qualidade. Noutros Países com tradições mais empreendedoras e graus de civilidade mais avançados (vide o sul de França) as regiões com valor natural, ou paisagístico, são exploradas economicamente pelos residentes locais sem que tais actividades atentem contra a “galinha dos ovos de ouro”.
Além da fraca capacidade empreendedora dos portugueses, não tem ajudado o facto de o movimento ambientalista se ter entrincheirado em posições que por vezes roçam o anti-desenvolvimento de actividades económicas em áreas de valor de conservação. A recente inversão de discurso ao nível do Instituto de Conservação da Natureza merece um aplauso prudente. Prudente porque temos pouca tradição na matéria e muitas das experiências de desenvolvimento económico têm ido no sentido da destruição de valores mais do que do seu aproveitamento sustentável (a Costa Alentejana e Vicentina é exemplo paradigmático dessa incapacidade de oferecer alternativas de baixo impacte). Mas vale a pena estar atendo e adoptar uma postura construtiva pois a alternativa a soluções económicas fáceis e destruidoras de valores naturais não é, na maior parte dos casos, a ausência de actividades económicas.
Além da questão do zonamento de actividades (um dos aspectos mais polémicos da eucaliptização) é importante discutir as práticas silvícolas adoptadas em plantações de eucalipto, mas também pinheiro, fora das áreas com valor de conservação. A adesão a sistemas de certificação de produtos florestais é o caminho a seguir e é fundamental que, mais do que atacar o eucalipto enquanto árvore, os ambientalistas nacionais não se alheiem destes processos participando, sempre que possível, na definição de critérios de certificação e fiscalização da sua aplicação no terreno.
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