sexta-feira, junho 06, 2008

Os custos da conservação (ou a abetarda e o alentejano II ou ainda, manifesto de um liberal verde)

Este post é uma resposta ao comentário 11 deste outro.
Caro BG,
O que me está a dizer é que em teoria é favor da conservação dos recursos naturais e percebe a sua importância mas na prática a teoria é outra.
A primeira questão é se é inteligente o país adoptar por políticas de rentabilidade imediata sacrificando a rentabilidade futura (suponho que é isso que quer dizer a sua pergunta sobre se o país tem recursos para não os aplicar integralmente em matérias de rentabilidade imediata).
Eu diria que não, que não é inteligente.
A segunda questão que coloca parece-me ser se a sociedade remunera convenientemente a produção de biodiversidade por parte dos proprietários e gestores.
Eu diria que não, não remunera, por isso sou radicalmente contra o actual PRODER (e os outros antecessores) que pretendem que os recursos públicos servem para apoiar a competitividade da actividade económica (com o que basicamente conseguem fazer distorções irracionais de mercados que funcionam) em vez de servirem, como defendo, para apoiar soluções socialmente úteis para falhas de mercado (como acontece com a remuneração da produção de biodiversidade).
O seu ponto dois é simplesmente falacioso: é, entre outras razões, por ter em consideração as externalidades sociais dos projectos económicos (que incluem as questões de conservação) que os países estão à frente de nós, portanto se acentuarmos o desprezo por essas externalidades, como se tem vindo a verificar, teremos cada vez mais recursos não produtivos a resolvê-las (por exemplo, com medidas de conservação compensatórias estúpidas e caras que poderiam ser evitadas se a conservação fosse adequadamente considerada desde o princípio do processo de decisão).
Não percebi as suas considerações finais sobre a rede natura, que esteve em discussão pública mais de um ano (bem mais que todos estes projectos), que foi muito mais escrutinada que estes projectos. A sua frase poderia ser a de que estes projectos de TGV, Aeroporto e etc., são projectos que as obras públicas puseram à frente do poder político para aprovar (diga-se de passagem, sem um décimo do processo de participação pública associado à Rede Natura) mas parece-me que não vale a pena ir por este caminho que é manifestamente inútil e falso.
Quer a rede natura, quer estes projectos são decisões legítimas do poder político.
O que vale a pena é ver como Sines, Alqueva, as barragens desde os anos 50, as estradas, alcochete, rave, o Euro 2004, etc., etc., sempre foram justificados com base em pressupostos que nunca se verificaram e absorveram sempre, sempre, só em custos não previstos, muito mais recursos (cada um deles) que toda a política de conservação do país desde Afonso Henriques.
Não quer dizer que os projectos não tenham sido úteis e produzido riqueza, estou apenas a dizer que produziram muito menos que o previsto e custaram muito mais que o previsto.
E que esses recursos foram retirados às pessoas e às empresas por via fiscal implicando, muito provavelmente, o seu uso muito menos eficiente na produção de riqueza.
henrique pereira dos santos

5 comentários:

Anónimo disse...

Quanto ao ponto 2 do comentador anterior, que passo a relembrar "Portugal pode investir na conservação da natureza (senso stricto) a mesma proporção de recursos financeiros públicos e privados que os restantes países da Europa ocidental, designadamente os que vão vinte anos à frente em termos de desenvolvimento?", apraz-me dizer que o desenvolvimento é um conceito que serve para lá meter muita coisa.
Um exemplo: a grande indústria francesa, que tem gerado muito "desenvolvimento", lega para os seus cidadãos uma contaminação infernal de PCB [1,2] e de dioxinas [3], geradora de cancros. Isto é que é o desenvolvimento e o progresso?

[1] Cartographie des pollutions aux PCB en France, http://www.univers-nature.com/inf/inf_actualite1.cgi?id=3157
[2] Taux records de contamination aux PCB pour les amateurs de poisson, http://www.univers-nature.com/inf/inf_actualite1.cgi?id=3170

[3] Dioxine : «Je n'ai pas envie de vivre ailleurs», http://www.libelille.fr/saberan/2008/06/dioxine-je-nai.html

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Quando ainda é necessário explicar o "básico", então eu tenho que concordar que o "movimento conservacionista" falhou no nosso país (e não só).

É curioso quando, mesmo quando fundamentado em centenas de factos e de estudos científicos ao longo das últimas décadas, os que defendem a imperiosa necessidade de preservar a biodiversidade para a própria sobrevivência da espécie humana, continuam a ser vistos como os "ingénuos românticos".

Ainda recentemente, na secção de ambiente do "Portugal diário IOL", alguém se indignava com os "milhões" gastos para defender o lince, quando há gente a morrer à fome. Isto, para demagogia, é difícil de ultrapassar...O pior é que este tipo de pensamento está bem entranhado e não corresponde propriamente a uma excepção.
Claro que é fácil responder à demagogia com mais demagogia e, numa altura em que o país está hipnotizado pelo circo do futebol, poderia perguntar-se a quantos portugueses se mataria a fome com o dinheiro gasto nos estádios (vazios) do Euro 2004?! Também poderia perguntar se, fechando o Ministério do Ambiente durante alguns anos, se arranjaria dinheiro para pagar as obras e as derrapagens da Linha do Norte, por exemplo (?!)

Estou a ser demagógico propositadamente, para que se perceba que a demagogia é "um pau de dois bicos". Pessoalmente, penso que a demagogia nunca é a solução...

Embora tentador, o "movimento conservacionista" tem que primar por não cair na mesma demagogia. Embora seja difícil, não vejo outra alternativa à "força da razão e da educação".

Porque se não querem ou não sabem compreender a fulcral importância de cada espécie no seu habitat, aceitem ao menos que, com o desaparecimento de cada espécie, desaparece um património genético irrepetível.
E que, por exemplo, nesse "património" pode estar a cura para alguma doença.

Veja-se o caso do taxol descoberto na espécie norte-americana de teixos, com valiosíssimas propriedades anti-cancerígenas. E em tantos outros casos.

Sendo assim, como para certos leitores, estas questões não aparentam ter um lucro rápido para as gerações actuais, desista-se pois de preservar a biodiversidade em nome da poupança de recursos; sabendo de antemão que os custos deste erro estratégico para as gerações futuras seriam inimagináveis...

P.S. - No entanto, não posso deixar de me perguntar quantas mais barragens, auto-estradas, aeroportos ou estádios de futebol, será necessário construir até sermos um país suficientemente "rico" para ter uma política de conservação da nossa biodiversidade?

Anónimo disse...

E como a crise nos transportes demonstra: faz sentido uma mega plataforma logística nas proximidades de Lisboa? E o aeroporto? Vamos insistir em obras faraónicas que suportam modelos de desenvolvimento económico e de ordenamento do território em colapso? Cuja componente técnica nacional se esgota na construção civil? É deliberadamente não estou a falar de engenharia civil…
Não haverá melhor maneira de espatifar com o dinheiro dos contribuintes sem ser em remakes do filme das abetardas?

Anónimo disse...

Olá. Acabei de conhecer este blog. Acabei de publicar um livro de poesias que foi inspirado no jornalismo ambiental e em projetos de Educação Ambiental. O objetivo principal da obra é, por meio da poesia, despertar a consciência conservacionista em relação aos escassos e tão ameaçados recursos naturais do País, bem como construção da cidadania, ética e cultura de paz. RETRATO - http://www.allprinteditora.com.br/catalogo2/retrato.htm . Grande abraço.
Rosi Cheque - jornalista e poeta (São Paulo - Brasil)

Anónimo disse...

adoro este blog, sempre com post surpreendentes - meus parabens