Gonçalo R. diz num comentário a este post:
"Falando claro, actualmente muitas ONGAs não são mais do que centros de emprego ou mesmo empresas em que o associativismo é uma pura miragem. Mas, para acabar como comecei, este assunto creio merecer profunda reflexão e discussão."
Eu assino por baixo e acrescento que costumo dizer, eu sei que com algum exagero, que a maior empresa de conservação do país é a SPEA, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves.
Para o que queria chamar a atenção é apenas para uma questão "processual".
Ao contrário do que acontece com as empresas, em relação às quais a pressão sobre os decisores públicos é mal aceite, as associações cumprem o seu papel fazendo pressão sobre esses decisores.
Daqui não vem mal ao mundo.
O problema começa quando toda a informação objectiva aponta no sentido de uma área ter um valor de conservação relativo, ou uma espécie estar relativamente pouco ameaçada mas, muitas vezes numa coligação ONGAs/ Academia com a conivência dos jornalistas da área do ambiente, há uma pressão clara e permanente para classificar uma área com um determinado estatuto ou fazer crer que uma espécie está mais ameaçada do que realmente acontece.
O bom exemplo talvez seja o sisão (mas poderia ser a lontra ou alguns morcegos para não se pensar que estou apenas a falar de aves), espécie relativamente comum mas sistematicamente apresentada como de elevada prioridade do ponto de vista de conservação e obrigando à classificação de grandes áreas.
Há uma razão para isto: como é normal o destino do dinheiro da conservação deve ser o das espécies mais ameçadas e o dos territórios classificados.
Por exemplo, a União Europeia é muito relutante em aprovar projectos que não se dirijam à conservação de ZPEs.
Portanto o melhor método para garantir o financiamento para a gestão de uma área é garantir que é classificada como tal.
E aí o estatuto híbrido de associação de cidadãos e prestador de serviços mostra todo o seu esplendor: faz-se pressão para garantir a classificação (ou o estatuto de ameaça mais conveniente) e depois apresentam-se projectos para a sua gestão.
Se fossem empresas a fazer isto caía o Carmo e a Trindade e choveriam acusações de tráfico de influências.
Mas sendo organizações idóneas de pessoas bem intencionadas e trabalhando para o bem público vai tudo bem no melhor dos mundos, como diria Pangloss.
henrique pereira dos santos
quarta-feira, setembro 24, 2008
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22 comentários:
"Por exemplo, a União Europeia é muito relutante em aprovar projectos que não se dirijam à conservação de ZPEs.
Portanto o melhor método para garantir o financiamento para a gestão de uma área é garantir que é classificada como tal.
E aí o estatuto híbrido de associação de cidadãos e prestador de serviços mostra todo o seu esplendor: faz-se pressão para garantir a classificação (ou o estatuto de ameaça mais conveniente) e depois apresentam-se projectos para a sua gestão.
Se fossem empresas a fazer isto caía o Carmo e a Trindade e choveriam acusações de tráfico de influências."
Como provocação é muito boa, como raciocinio é algo falacioso. Na generalidade os fundos de conservação da UE não financiam projectos a 100%, muito longe disso (50% dos custos elegiveis já é uma fasquia muito boa). Por outro lado as ONGs não tem fins lucrativos, por isso a não ser que a ONG contrate os seus próprios associados envolvidos na tal "pressão" para classificação de determinadas áreas não vejo como hão-de aír o Carmo e a Trindade. Se ainda por outro lado, o HP se estiver a referir a contratos programa destinados à conservação da natureza também não vejo a ligação entre a pressão de classificação e o interesse das respectivas ONGs, já que estes contratos estão abertos a qualquer empresa privada, não sendo do dominio exclusivo das ONGs.
Caro Tiago,
Conhece adjudicação de trabalho pelas ONGs por concurso público? Eu admito que sim, que exista, mas o habitual não é essa prática, a não ser para funções específicas.
E em todos os projectos as ONGAs, como as Universidades e mais ou menos como toda a gente, retém uma percentagem que varia a título de overheads ou custos de gestão do projecto.
Por fim, mesmo que os contratos e os programas de financiamento estejam abertos a toda a gente a verdade é que a maior fatia é mesmo orientada para projectos que são ou onde estão ONGs. Há muitas razões para isso, algumas delas perfeitamente atendiveis e razoáveis.
Se as ONGs ou os seus dirigentes têm ou não fins lucrativos é matéria que deixo ao fisco e às boas práticas de gestão (incluindo a certificação de contas) deslindar. É uma coisa que se vê no fim e não um pressuposto de análise.
O que se passa nessa matéria por exemplo no Turismo de Natureza é facilmente verificável a olho nu tal como em práticas desportivas como o surf (para não falar em futebol e outras modalidades mais ricas).
henrique pereira dos santos
Caro Henrique,
Obrigado por pôr o tema "na mesa".
Como referi no meu comentário ao seu post «A Quercus e o Plano Sectorial da Rede Natura», prefiro optar por não "personalizar" esta questão, tanto para mais que se aplica à generalidade das ONGAs nacionais, ainda que com distintos contornos e diferentes intensidades.
A necessidade de profissionalizar as ONGAs quando atingem determinada dimensão é quanto a mim inquestionável. Mas a meu ver, os objectivos que levaram à constituição de cada ONGA, e em particular, para muitas, o da conservação da natureza e da preservação do meio ambiente, não deveria ser trocado pela angariação de fundos/projectos que, não raras vezes, servem principalmente para suportar departamentos técnicos, servindo a conservação desta espécie ou daquele habitat como justificação para a obtenção de fundos.
Sob a capa da "fraca tradição associativista", as direcções de muitas ONGA's vão justificando a quase total ausência de associados que participam na vida activa das suas associações. Ouço isto há quase duas décadas e, sendo generoso, creio que este "absentismo" resulta mais da incompetência das direcções das ONGAs que de outro factor qualquer.
As assembleias gerais das ONGAs são um verdadeiro paradigma do estado em que estas encontram. Paradoxalmente, apesar de algumas serem constituídas por milhares de associados, o número de presenças naquelas reuniões é quase sempre confrangedor, muitas vezes não ultrapassando uma ou duas dezenas (menos de 1% dos seus associados), a maioria elementos dos corpos sociais e executivos. A apresentação de resultados passa essencialmente pela enumeração da quantidade de projectos obtidos, pelas receitas encaixadas, pelo número de funcionários da associação e, finalmente, pelo número de sócios, ou melhor, pelo número de fichas de inscrição recebidas (que é coisa bem distinta). De estranhar? Só se não estivermos verdadeiramente atentos. Que diferença existe nesta forma de ver uma ONGA relativamente a uma Empresa??? Qual o impacte da associação nos media? Qual a agenda política da associação? Qual o envolvimento efectivo dos seus associados? E, principalmente, quais os resultados ao nível da conservação da Natureza? Essas sim, são a meu ver questões fundamentais para as ONGAs.
Concordo consigo, Henrique. Colocar empresários vilões e corruptores/corrompidos de um lado da trincheira e ambientalistas altruístas e voluntariosos do outro é uma imagem muito romântica da realidade. Puro conto de fadas.
HPS disse: "a maior empresa de conservação do país é a Spea, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves"
Eu assino por baixo e digo mais: como se justifica que uma ONGA com pouco mais de 1000 sócios tenha um volume de negócios de fazer inveja às empresas mais competitivas do ramo? Como? Exactamente como o HPS refere: denuncia-se, faz-se 30 por uma linha, e quando o poder está disposto a ceder sai um plano de acção ou de conservação da cartola, pronto a aplicar. Se isto é associativismo ambiental, vou ali e já venho. Infelizmente, o modelo de actuação da Spea já começa a ser replicado por dezenas de pequenas outras ONGA e ADL deste país. O Ambiente é cada vez mais um negócio, sobretudo para quem nunca deveria ser. Sejamos claros e ponhamos as ONGA a competir com as empresas, através de concursos públicos, sempre que quiserem prestar serviços como tal. Só assim as empresas poderão sobreviver neste mercado viciado por "agentes duplos".
Que continue a discussão e que se ponham os pontos nos ii
José Félix
Meus caros,
Estou de acordo na necessidade de manter a discussão o menos personalizada possível porque só assim se poderá discutir o que verdadeiramente conta.
E para mim o que verdadeiramente conta são as regras de governação das organizações.
Do meu ponto de vista o Estado não deveria pôr um tostão (mesmo que seja através de projectos co-financiados, parcerias onde os recursos saem de terceiros mas é evidente que o Estado serve de caução, etc., a organizações sem contas auditadas.
Defendo uma outra regra que reconheço ser menos consensual: os cargos electivos devem ser totalmente separados dos cargos remunerados (admito uma ou outra excepção para cargos específicos em que o ordenado está definido à partida, antes da eleição e em que a eleição é nominal) e todas as despesas com os cargos dirigentes (as deslocações, os telefones, as refeições, ou mesmo serviços rpestados à associação, que defendo que devem ser estritamente proibidos aos membros dos órgaos electivos, estão claramente identificadas nas contas, pessoa a pessoa).
E defendo que o método de contratação deva ser, por regra, o da consulta pública.
O custo da desconfiança nos negócios é incomensurável. E ou o movimento associativo reforça as garantias de que é de confiar ou dia vai á falência sem perceber bem como.
henrique pereira dos santos
Estimado HPS, não é a Spea que está em causa, mas sim todas as ONGA e o actual paradigma do negócio da conservação. Referi-me à Spea porque ilustra bastante bem o estado a que se chegou na promiscuidade entre o activismo ambiental e a prestação de serviços. O problema não é a Spea que faz pela vida (a lisura dos seus dirigentes não está sequer em causa), é o sistema que lhe permite a si e a todas as ONGA e ADL deste país de beneficiarem economicamente directamente e indirectamente do seu estatuto associativo e da sua influência política, fomentando um mercado paralelo e socialmente/laboralmente injusto principalmente no sector da conservação, que é mais dado a romantismos e falta de rigor e objectividade.
José Félix
Nesta conversa o que me incomoda são as generalizações. No movimento ambiental há de tudo, designadamente associações que possuem as suas contas auditadas.
Estou genericamente de acordo com a separação que o HPs sugere entre cargos colectivos e cargos remunerados. É uma discussão velha e penso que a solução passa por ter orgãos dirigentes de dois níveis: deliberativo e executivo sendo o último dependente do primeiro mas remunerado.
É claro - para quem conhece as ONGAs - que as velhas direcções que se reunem de quando em quando não se ajustam às necessidades actuais. Também é claro que os vazios deixados por direcções inoperantes, abrem portas a todo o tipo de abusos e irregularidades. Portanto há que regular as funções de forma realista e não vale a pena armarmo-nos em puristas pois a realidade é que as ONGAs são sujeitas a enormes pressões para dar resposta a um número crescente de temas que não se coadunam com a voluntária e escassa participação de membros das direcções. É necessário profissionais e é necessário que estes tenham poder de decisão dentro do quadro de normas democráticas estabelecidas dentro de cada ONGA.
E já que se fala da SPEA... Não a tenho acompanhado de perto nos últimos anos mas tendo sido dirigente desta organização no final dos anos 90 apenas posso dizer que me parece ser uma ONGA exemplar em termos de seriedade e profissionalismo. E tem além do mais a sorte de beneficiar de fundos estruturais internacionais que lhe permitem assegurar o seu metabolismo basal.
Melhor estariamos se todas as ONGAs tivessem a saúde financeira e os quadros técnicos da SPEA.
Quanto ao resto, estamos de acordo. São precisas normas claras de funcionamento interno (mas quem fiscaliza isto são os sócios!!), o financiamento público deveria estar dependente de existência de contas devidamente auditadas, e na maior parte dos casos (não na menor partedos casos), os financiamentos de projectos e contratos deveriam ser objecto de concurso.
Miguel,
Estou genericamente de acordo contigo, apenas quando chamas sorte ao facto da SPEA ter uma grande componente de projectos comunitários é que divergimos.
A sorte é uma coisa que dá muito trabalho. E a SPEA trabalha muito para ter essa sorte. Parte desse trabalho é claro e linear: bom conhecimento das regras, projectos bem sustentados, equipas técnicas consistentes e por aí fora. Parte do trabalho é puro lobbying. Este lobbying deve ser separado entre o que é legítimo e o que é ilegítimo. O que é legítimo decorre do uso claro das regras. O que é ilegítimo é o que decorre da pressão para alterar as regras e as decisões das polítics públicas a seu favor.
Dou-te um exemplo.
A Comissão Europeia contesta a delimitação das ZPEs em Portugal. Parte com razão, parte sem razão. Qual é a base de discussão da Comissão Europeia? As IBAs do birdlife international, de que a SPEA faz parte. Qual é o escrutínio a que são sujeitas as IBAs? Nenhum. A Comissão adopta-as pelo seu face value.
Mesmo que, como acontece com uma delas, o seu limite seja o limite da carta 1/ 25 000 sobre a qual foi desenhada.
Esta falta de escrutínio, e a nossa complacência perante o que vem das ONGAs como trabalho técnico, permite efectivamente à SPEA manipular o desenho de IBAs de forma a influenciar o desenho de ZPEs que permitam a facilitação da aprovação dos projectos comunitários.
Até aqui nada demais, todos podemos contestar o trabalho técnico das IBAs e por aí desmontar a parte ilegítima deste lobby.
Experimente fazer isso e verás como os contactos da SPEA, quer em Bruxelas, quer em Portugal, lhe permitem isolar-te como um perigoso anti-ambientalista e limitar a tua possibilidade de discussão técnica do assunto.
A SPEA tem um bom modelo de organização e de governação, próximo dos modelos anglo-saxónicos. Mas falta à sociedade portuguesa o escrutínio dos sócios em grande medida porque os sócios são irrelevantes no financiamento da organização, ao contrário do que acontece, por exemplo, no Reino Unido.
O que estou a dizer é que esta situação está a ser esticada a um ponto que pode levar a rupturas de confiança.
E isso é um problema da nossa sociedade, não é exclusivo das organizações envolvidas.
henrique pereira dos santos
Quando me referi a fundos estruturais não estava a referir-me a verbas de projectos que não são estruturais mas pontuais. Em concreto referia-me ao facto de a SPEA ser financiada pela BirdLife o que lhe permite ter técnicos permanentes e n4ao sujeitos a flutuações de entradas de verbas de projectos. E isso é bom.
Devido a anteriores posts do HPS, presumi mal acerca da sua posição relativamente ao dinheiro a granel que tem estado a entrar nas ONGAs. Verifico, com prazer, que afinal estava enganado e são vários os que franzem o sobrolho.
Para além da questão concreta levantada pelo HPS, muitas outras, porventura muito mais gravosas, se levantam:
Receber-se dinheiro do Estado, de Câmaras municipais, de empresas, por acaso não inibe os recebedores de denunciar eventuais práticas nocivas para o ambiente praticadas pelos generosos filantropos?
A opinião pública, ao ser sabedora que os ambientalistas deixaram o amor na camisola, não poderá alhear-se ainda mais do ambiente e conservação?
Quanto ganha, à hora, um trabalhador numa empresa em Portugal? E quanto ganha, "à hora" (espero que compreendam as aspas...) o mesmo trabalhador contratado para prestar serviço num projecto duma ONGA (de "referência", é claro) financiado por dinheiros altruístas e desinteressados?
Será que o actual governo PS é assim tão inocente e benfeitor que dá dinheiro a ONGAs, convencendo e convidando empresas de si dependentes a proceder de igual forma, sem retorno?
Será delírio cismar-se na miscelânea, mais de uns anos a esta parte, relativamente a quadros das ONGA e pessoas ligadas ao PS?
Será legal, ou pelo menos justo, entregar-se milhar de euros, dos contribuintes, a empresas prestadoras de serviços, sem concurso público?
Será que é justo continuar a ignorar-se que as ONGAs não têm sócios, mas sim fichas de inscrição preenchidas (conforme muito bem foi aqui dito), assobiar-se para o ar e continuar a beneficiar-se de regalias fiscais e outras, quando na realidade funcionam como empresas de prestação de serviços?
E mais, muito mais...
Acho, contudo, injusto que não se queira personalizar a coisa e se refira a Quercus e a Spea...então a LPN, de que fui sócio pagante durante 26 anos, merecerá ficar de fora?
De tal forma este assunto me inquieta que resolvi perguntar a 2 senadores (engraçado termo do HPS) do ambiente se não lhes causava engulhos esta coisa do voluntário passar a pago. Ambos dissseram-me não. Um disse que os tempos são outros e os jovens/menos jovens actualmente lutam desesperadamente para sobreviver com os miseráveis ordenados que lhes são pagos e não se podem dar ao luxo de desperdiçar o que quer que seja (nomeadamente uma teta tão apetecível - acrescento eu). Outro disse-me que os jovens/menos jovens, até aí aos 35 anos, são muito menos dados ao trabalho voluntário que há 15/ 20 anos atrás, pelo que ou se paga para fazer coisas, ou nada é feito.
Que saudades do tempo em que uma máquina fotográfica e a prosa de um ambientalista teso - tanto em pecúlio, por se estar nas tintas para o dinheiro, como em coragem, por lhe ser nato - fazia tremer ministros e Câmaras Municipais...
Jaime Pinto
Não ponho minimamente em causa a necessidade da existência de staffs técnicos que respondam às crescentes necessidades das ONGAs, nem aqui pretendo questionar o seu desempenho. Defendo ainda que, parte muito significativa do trabalho executivo (e que é muito) das associações de maior dimensão seja executada por um corpo executivo, devidamente retribuído.
Todavia, a maioria das principais ONGAs nacionais parecem ter invertido a sua filosofia. Se no passado, a preocupação passava por angariar pessoas para executar projectos considerados relevantes, actualmente, não raras vezes se angariam projectos, alguns de importância questionável, para garantir postos de trabalho.
É óbvio que esta questão, que frequentemente perverte a filosofia que está na génese de muitas associações, desacredita-as perante a opinião pública e, particularmente, perante os seus associados. Qual a independência de associações que recebem dezenas de milhares de euros de instituições públicas e empresas, quando devem emitir parecer sobre empreendimentos das últimas? Porque razão algumas ONGAs passam literalmente ao lado de questões inquestionavelmente importantes no que respeita às áreas com que se deveriam preocupar?
Não tenho dúvidas que, em boa medida, este desempenho vai afastando os associados da vida activa das associações. As direcções, que deveriam ser as principais responsáveis pela definição de estratégias e pelo trabalho político das ONGA's, não raras vezes deixam-se por falta de capacidade para mais, deixam-se substituir, a todos os níveis, pelas estruturas técnicas criadas, restando-lhes um papel quase simbólico.
Na maioria das ONGAs, os sócios activos são pouco mais do que os que compõem os seus corpos sociais. Mas é também este afastamento por parte dos associados e consequente falta de apresentação de alternativas a um modelo que preocupantemente se impõe, que lhe dá força.
Não arriscarei muito em afirmar que algumas destas associações implodirão quando as fontes secarem.
Miguel,
Ainda bem que esclareces a questão dos fundos estruturais de que falas.
É para mim um dado adquirido que só há independência quando os fundos mínimos para o funcionamento da associação são fundos próprios provenientes da sua base social de apoio (até podem não ser quotas, podem ser serviços prestados aos sócios mas a sua origem são os sócios).
Se, como no caso da SPEA, estes fundos estruturais vêem da birdlife international é inevitável que a SPEA deixe de ser uma verdadeira sociedade portuguesa para passar uma filial de uma multinacional e, como tal, adopte a agenda de quem financia.
Se estamos a falar de capital de risco que permita às ONGAs estruturarem-se rumo à sua independência, óptimo, mas o risco de se estruturarem rumo à remuneração dos seus staffs técnicos é elevadíssimo.
Repara como nesta discussão, que há anos motivaria com certeza vários activistas, se faz aqui com marginais do movimento ambientalista e perante o silêncio dos seus activistas (mesmo sendo hoje o dia com mais visitas ao blog em muitos meses, não é pois por falta de atenção).
A reacção das direcções do movimento ambientalista, ou mesmo dos seus membros mais activos, a este tipo de posts é actualmente a de procurar isolar e liquidar a discussão, ou seja, é uma reacção de fechamento na concha e não de abertura aos potenciais sócios e aliados, procurando argumentar e explicar que não é nada assim.
A razão é simples: as ONGAs (as maiores, é evidente que há por aí muitas situações diferentes) actualmente não precisam dos sócios para nada.
A sua agenda em matéria de conservação tem a consistência da gelatina. Muda com o vento e muda com as prioridades das fontes de financiamento.
Hoje se houver uma espécie desesperadamente em perigo em Portugal mas não prioritária comunitariamente e ao lado espécies que estão bem de vida mas reputadas de prioritárias comunitariamente as ONGAs optarão por trabalhar as últimas.
Quantas se preocupam com invertebrados? Quantas com briófitos? Quantas com peixes? Compara com a atenção que dedicam ao sisão, por exemplo.
E no entanto...
Não me parece que seja possível separar a natureza da forma como se financia hoje o movimento conservacionista da forma como actua.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique,
Não esperava essa visão paroquial da conservação:
"Se, como no caso da SPEA, estes fundos estruturais vêem da birdlife international é inevitável que a SPEA deixe de ser uma verdadeira sociedade portuguesa para passar uma filial de uma multinacional e, como tal, adopte a agenda de quem financia."
Pessoalmente defendo a internacionalização da política das ONGAs pois definição de prioridades de conservação faz mais sentido a nível global que local. E a BirdLife, para o caso de não saberes, representa um "network" de organizações que, como é natural, têm a sua palavra a dizer.
Nem tudo vale "to make a point". Há críticas justas nos comentários que tu e outros escreves mas neste caso parece-me excessivo.
Complementando a ideia deixada pelo HPS no último post, com o qual concordo na íntegra:
- Quantos projectos actualmente desenvolvidos pelas ONGA se baseiam no apoio prestado pelos sócios ou voluntários? Pedir voluntários para uma quermesse de feira nãoé bem a minha noção de voluntariado. Comparem com o n.º de LIFEs, Business & Biodiversity e outros projectos bem rentáveis em curso e digam-me se não é mesmo assim?
- Onde páram a esmagadora maioria ONGAs na hora das consultas e participações públicas sobretudo em sede de AIA dos projectos com maior impacto ambiental, mesmo que sem tempo de antena na comunicação social? Há staff técnico para preencher candidaturas mas já não há para rebater e expor AIAs pobres, mal-estruturadas ou que antevêm projectos ambientalmente danosos?
As ONGA estão a cavar o seu próprio túmulo e cada vez mais servem para alimentar a comédia diária da comunicação social 'projectando' os seus dirigentes, para fazer dinheiro qual empresa cotada em bolsa ou ainda para servir de centro de emprego ao pessoal da 'seita'.
As-Salamu Alaykum
JFélix
Caro Miguel,
Eu esperava o reparo sobre a paroquialidade e não lhe rspondi em antecipação para que o comentário não fosse demasiado extenso.
Uma coisa é considerar que as agendas das ONGAs portuguesas se devem focar numa visão local de conservação e ser autistas em relação às agendas internacionais. Isso é paroquialidade.
Outra é considerar que as agendas internacionais são feitas a partir de muitas agendas locais discutidas numa base de paridade, fazendo com que as agendas locais e internacionais "se iluminem mutuamente". Isto não é paroquialidade.
O comentário que fiz refere-se ao facto da dependência de financiamento da SPEA (mas poderia ser outra com o mesmo tipo de relações com uma das grandes multinacionais da conservação) em relação à agenda internacional a impedir de ter uma agenda própria que enriqueça e dê mais sentido à agenda internacional.
Pelo contrário, se a base de apoio financeiro estiver nos sócios a ligação às multinacionais da conservação faz-se num plano de igualdade que permite a intergação mútua de agendas.
Não me parece que este argumento seja absurdo e não tem, com certeza, uma lógica paroquial.
henrique pereira dos santos
No que respeita à “paroquialidade”, discordo da visão de Miguel Araújo. Concordo em absoluto da visão e as soluções apresentadas no último comentário de HPS.
O problema passa efectivamente pela capacidade de angariação de fundos não restritos. A este nível, os sócios poderiam representar um papel fundamental, caso fossem em número muito mais elevado. Mas é possível incrementar claramente o número de associados? Claro que sim, desde que se aceite abandonar a filosofia de centro de emprego assumida por muitas ONGAs.
Não creio, Henrique, que as ONGAs entendam que "não precisam dos sócios para nada". Se por um lado, são quotas que entram, por outro, utilizam o número de sócios que dizem possuir (mais uma vez, um dia discutiremos como muitas vezes este número é completamente falso) como "cartão de visita", nomeadamente no acesso a fundos/projectos. Mas imagino que se refere à participação activa... e aí, completamente de acordo, especialmente se falarmos de sócios que possam pôr em causa a lógica mercantilista vigente.
Mais uma vez reforço que, a mudança do actual estado das coisas passa essencialmente pelos... sócios. Ao longo dos últimos anos e num claro crescendo, ouço manifestações, em surdina e em conversas de café, de profundo desagrado de muitos associados no actual estado das ONGAs. Muitos deixam de pagar quotas. Outros, optam por não aparecer. É comum partilhar das suas opiniões, mas esse tipo de “manifestações” é, por si só, algo infértil e tem que resultar na mobilização dos associados e na apresentação de propostas concretas que visem a alteração do actual estado das coisas.
Caros, é curioso como às vezes basta puxar pelo fio para arrastar com um novelo inteiro. Vejam bem que na sequência do meu post em que denunciava a duplicidade da spea no que se refere ao seu papel no activismo ambiental e na prestação de serviços, recebi uma interessante mensagem dos açores, de um companheiro de armas que por lá vive desde sempre, que me garantia que por lá a coisa ainda tem sido mais descarada. Protestaram contra um projecto de parque eólico numa ilha da empresa de electricidade e a seguir ficaram encarregues de um estudo de impacto das linhas eléctricas sobre as aves financiado por essa mesma empresa. Protestaram contra um abate despropositado de aves no aeroporto de uma ilha e a seguir ficaram encarregues de um estudo de impacto das aves nos aeroportos. Começaram a protestar muito por causa de um atentado ambiental na costa de uma ilha (para fazer um caminho desnecessário, pelo que consta) cometido com a anuência do governo da região mas depois esfriaram logo a posição deles em virtude desse mesmo governo estar a cofinanciar o projecto mais lucrativo que essa onga-empresa está a desenvolver, um life. Isto dito pelo meu colega, que não passa de um cidadão informado sem cargos ambientais na ilha, mas que ouve e conversa com muita gente do meio. Digo e repito: se isto é activismo ambiental, vou ali e já volto. Não me parece que as outras grandes ongas estejam com perspectivas e estratégias muito diferentes mas a seu tempo saberemos porque como diz o povo, a verdade vem sempre ao de cima.
Cada um que tire as suas proprias conclusões que eu já tirei as minhas há muito tempo. Mais ainda, para quê ser sócio de uma onga (dessas modernas e com gestão moderníssima) quando os lucros que obtêm através das suas diversas actividades são enormes!
Saudações Ambientalistas Puras
José Félix
Caros ambios, lamento ter chegado aqui e ver mensagens que mais perecm de quem quer o meio amboentalista (aqueles que verdadeiramente se preocupam com ambiente, nesta versao) denegrido do que defendido. Em resposta às superlamentáveis afrimaçoes de JFelix, e conhecendo bem a spea posso afirmar várias coisas:
- a spea nao tem 1000 socios, tem cerca de 2000 (pagantes, nao na base de dados, segundo me dizem)
- os voluntarios da spea (sou um deles) nao anda em quermesses, antes anda a colaborar em diversos esquemas de monitorizacao que dao origem aos tais indices de biodiversidade e de ameaça das especies (que os governos hao-de aceitar, quanto mais porque nao os fazem nem os pagam)
- a spea foi a unica ong nos Açores que teve a coragem de denunciar os casos que ai fala. E nao, nao ganhou um projecto para linhas electricas, ja o tinha antes disso, o que prova a independencia; nao, nao ganhou nenhum favor especial nem dinheiro nos aeroportos, antes os ajudou a resolver um problema grave que mais ninguem quis resolver; e sobretudo nao, nao se calou no caso famosa estrada da faja do calhau, antes sofreu na pele represalias fortes por causa disso e ameaças a varios funcionarios e voluntarios!
Sff antes de lançar calunias e o descredito sobre a mais profissional ong portuguesa pense e informe-se, o ambiente agradece! Profissionalismo nao quer dizer negocio, quer anets dizer orgtanizacao e eficiencia, tomara a todos, Abraços a quem acredita
Caro anónimo,
Penso que terá lido vários comentários com opiniões várias.
As opiniões discutem-se com factos e interpretação de factos.
A maneira mais eficiente é primeiro estabelecermos os factos em que estamos de acordo para depois se passar à sua interpretação.
Dizer que os índices de biodiversidade irão um dia ser aceites pelos governos porque não os fazem nem os pagam é, no mínimo, temerário.
Na realidade, se olhar para o orçamento da SPEA, verá que na grande maioria é dinheiro público, pago pelos contribuintes de uma forma que coube aos governos decidir (sim, o que digo é também válido para os dinheiros dos projectos comunitários).
Poder-lhe-ia dar vários exemplos de projectos, muitos em parceria com o Estado, que a SPEA apresenta como sendo seus.
Mas nada disto é uma questão de fé. São questões bem concretas a que seria bom retirar a carga que lhe deu logo de entrada: são comentários que não deveriam existir porque são contra o movimento ambientalista.
Pelo contrário, por haver dúvidas, convém que existam e sejam esclarecidos.
Eu, por exemplo, gostaria imenso de perceber o que se passou com a linha eléctrica Alqueva/ Balboa.
Até hoje tenho dificuldades em perceber como de uma oposição feroz, com ameaças de queixa comunitária, se passou para uma situação sem problema.
Num projecto que até pode ter tido a decisão mais correcta mas que foi seguramente ilegal num aspecto concreto: a decisão foi tomada antes de definidas as medidas compensatórias (que entretanto tinham sido solicitadas à SPEA mas que não sei se alguma vez chegaram a ser adjudicadas).
Deixemos a fé de lado e expliquemos estes pequenos processos e tudo será mais fácil.
henrique pereira dos santos
Confesso a minha perplexidade em ouvir algumas vozes, que não raras vezes se escondem no anonimato, indignadas quando se abordam determinadas questões, nomeadamente acerca do papel que as ONGAs desempenham na actualidade.
Não faço juízos de valor, dado não conhecer as situações em concreto que o Anónimo refere em profundidade, mas terá que reconhecer que, para quem está de fora é de estranhar ver uma Associação pressionar uma entidade por um lado e por outro executar projectos pagos pela mesma entidade. Pergunto-lhe ainda se quer que se acredite que o facto da SPEA ter recebido quantias avultadas da REN-Rede Eléctrica Nacional e da EDP-Energias de Portugal para executar projectos, não condiciona pareceres posteriores sobre empreendimentos daquelas empresas? É que as ONGAs, se se preocupassem mais em o ser, preocupar-se-iam também mais com a sua imagem e não entrariam em situações melindrosas como estas e tantas outras. Não discuto a importância dos projectos em questão, mas pergunto-lhe porque razões não são executados por empresas ou pelo meio académico. Já se questionou porque razão as empresas preferem contratar ONGAs? É curioso não é… mas eu ajudo… há um mês atrás, em conversa com um dirigente de uma daquelas empresas, questionei-o sobre a preferência em contratar ONGAs… ele sorriu e respondeu-me que “assim se matavam dois coelhos com uma cajadada”…
Reafirmo ainda que esta situação é lamentavelmente transversal à maioria das principais ONGAs portuguesas, tendo a criação de corpos executivos profissionais, cuja necessidade não questiono, acabado por as deixar completamente reféns da obtenção de novos projectos.
Caro anónimo, tomara que tivesse razão e que eu estivesse enganado acerca da onga-empresa spea (apenas o paradigma que ilustra muita coisa), mas nós dois sabemos bem que não estou porque só não vê quem não quer. O seu post acaba por me dar razão, apenas troca os prazos porque dá muito mais jeito. Onde está a legitimidade de ganahr dinheiro à custa de quem se deve fiscalizar? É melhor verificar as suas fontes que eu farei o mesmo com a minha. Talvez se desengane com o tempo através da análise dos outros posts. O profissionalismo nas ongas quando existe tem de se situar ao nível da administração e gestão (contabilidade, etc) e não ao nível da prestação de serviços de cariz técnico ambiental. Para mim esta discussão já cumpriu o seu objectivo que era discutir a evidente promiscuidade das ongas entre activismo ambiental e prestação de serviços. Se teimar em não me levar a sério, ao menos considere os outros intervenientes bem identificados todos eles insuspeitos. E segundo sei o Gonçalo R. é um histórico da spea que defende a ruptura com a estratégia de capitalização das ongas ao invés de cumprirem o seu papel associativo e de abertura à sociedade. Nada como alguém que já esteve dentro do movimento para dar crédito a um debate.Não vou reagir mais a este debate em particular, já disse o que tinha a dizer. Chamem-me calunioso, mentiroso e o que quiserem em vez de debater. O tempo continuará a dar-me razão. É o que fazem sempre que não concordam, de qualquer modo. O melhor para si e para a spea, senhor anónimo.
Obviamente que o último post é meu, para que não restem dúvidas.
José Félix
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