quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Portugal sem fogos e o exemplo da Austrália (ou da Califórnia)

Hesitei em usar um fogo de artifício a propósito do que se passou na Austrália. Mas achei que o risco do mau gosto era menos importante que a ideia de estarmos todos sentados a olhar para um espectáculo como se não fosse nada connosco (já agora, a fotografia merece que se clique para ser vista em maiores dimensões)

Na lista de debate da Ambio, Paulo Fernandes diz e transcreve:

"Fogos na Austrália: não aprender nem com os bons exemplos nem com as desgraças do passado ...

STATE and federal governments have been accused of succumbing to pressure from the green lobby by abandoning responsibility for controlled burning of forests, despite growing populations in bushland suburbs.
As the death toll from the Victorian bushfires topped 130 yesterday, fire control experts said forest managers had failed to learn the lessons of past infernos such as Ash Wednesday in 1983 and the 2003 Canberra bushfires.
They said too little was being done to thin out the bush to protect lives and property against extreme weather conditions that fuelled the fatal Victorian blazes.
David Packham, a researcher from Monash University's climatology group who has specialised in bushfires, said governments had abandoned responsibility for the one control they had over wildfires -- the state of the forests that fed the flames.
"Due to terribly ill-informed and pretty well outrageous concepts of conservation, we have failed to manage our fuel and our forests," Mr Packham said. "They have become unhealthy, and dangerous."
Phil Cheney, formerly head of the CSIRO's bushfire research unit, said the number of Victorian fatalities "absolutely" would have been lower with more prescribed burning."

Este diagnóstico bastante cru face à dimensão humana do que aconteceu deve levar-nos a olhar com muita cautela e pouca demagogia o que temos vindo a fazer em Portugal.
Quer o exemplo Australiano, quer o Californiano conduzem às conclusões que também em Portugal foram validadas em 2003 e 2005.
Para os mais esquecidos ficou nessa altura claro que a questão da gestão de combustíveis é central na matéria.
Têm vindo a fazer-se planos de faixas de contenção, planos de protecção, criado equipas de sapadores e havia ainda a história das centrais de biomassa que felizmente desapareceram desta discussão (podem ser úteis para alguma coisa mas ajudar o resolver o problema dos incêndios não valem um caracol).
Mas há medida que nos afastamos desses anos, tem-se vindo a progredir no sentido de um maior peso da protecção civil e um menor peso da gestão territorial (cada vez mais reduzida a planos, sapadores e acções pontuais).
É verdade que a área de fogos controlados aumentou muito mas não chega a dez vezes mais área que a inicial mas, ainda que chegasse, continuavam a ser valores ridículos face às áreas de gestão de combustível necessária que estão em causa.
Martelam-nos a cabeça com os brilhantes resultados obtidos nos últimos três anos debaixo do inaceitável slogan "Portugal sem fogos depende de todos", um erro de comunicação da dimensão do que os produtores de leite fresco fizeram ao adoptar a designação de "leite do dia" (alienando todos os potenciais consumidores que se convenceram de que era preciso ir todos os dias ao supermercado para ter leite fresco em casa).
Pedro Vieira no seu Estrago da Nação já fez referência ao que os fogos da Austrália (e acrescento eu, os da Califórnia) nos podem ensinar.
E o essencial do que ensinam é que não há sistema de protecção contra o fogo que resista à combinação de acumulação de combstível e condições climáticas desfavoráveis nas regiões cujo clima se assemelha ao nosso.
E estou convencido de que Portugal é mais sensível sítio do mundo em matéria de fogos pelas mesmas razões edafo-climáticas que o fazem ser o maior produtor mundial de cortiça.
Não se trata de ser profeta da desgraça mas simplesmente de ter consciência de que a gestão do mundo rural que fazemos é profundamente estúpida.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

EcoTretas disse...

Parabéns pelo post. Embora não concordando consigo no potencial das centrais de biomassa, a verdade é que não estão a contrbuir para a resolução do problema...
Ecotretas

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Ecotretas,
Não há forma das centrais de biomassa contribuirem para a resolução do problemas porque não só não têm dimensão suficiente para tratarem do problema mesmo que usassem só matos, como o uso de matos nestas centrais será sempre limitado pelo seu baixo potencial energético, já que são basicamente água e ar.
Acrescentei no post um link para outro post antigo em que discuto isso.
henrique pereira dos santos