sábado, abril 10, 2010

A Provedoria de Justiça é como o algodão, não engana

Um dia destes chegou-me ao email um artigo de opinião de Luís Todo Bom, um gestor conhecido e quadro do PSD.
Distraído em relação à sistemática, consequente e eficaz actuação dos governos Sócrates em matéria de ordenamento do território, cujo objectivo final parece ser mandá-lo para as alminhas fazer companhia ao Regime da Reserva Agrícola que já lá está, Luís Todo Bom, falando de ambiente, diz o que costumam dizer pessoas com percursos profissionais como os dele (gestores que nunca fizeram uma empresa própria e que, por coincidência, oscilam entre cargos políticos e de gestão em empresas do universo das que mais se relacionam com o Estado, e que nunca verdadeiramente procuraram perceber os fundamentos da regulamentação ambiental e do ordenamento do território).
...
"Em termos de intervenção e sobretudo de contestação política, o sector do Ambiente tem revelado um grande dinamismo, muito superior, inclusive, à nossa vizinha Espanha, contrariando com sucesso a aprovação de vários projectos e impedindo a construção de várias unidades - barragens, empreendimentos turísticos, infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e náuticas, que suportam o desenvolvimento económico do País."
O arranque do costume, com as imprecisões do costume: não sei que estudo comparativo fez Todo Bom entre o ambientalismo espanhol e português (as vitórias em relação ao plano de transvases do governo espanhol devem ser trocos em Espanha e as derrotas em Alqueva e Sabor devem ser demonstrações do poder imenso dos ambientalistas portugueses). Não sei de que projectos que suportam o desenvolvimento do País e foram impedidos pelos ambientalistas fala Todo Bom (nem percebo como projectos chumbados suportam o desenvolvimento do País, só se for a experiência de Todo Bom no Gabinete da Área de Sines que o leva a pensar que chumbar elefantes brancos é favorável ao desenvolvimento. Se for isso estou de acordo e bato palmas à clarividência de Todo Bom). O que conheço é esta conversa de treta, nunca fundamentada.
"Aliás, a experiência mostra que o período de aprovação - normalmente superior a 10 anos! - dos bons e maus projectos turísticos é muito semelhante e que com paciência, teimosia e … se conseguem aprovar projectos inenarráveis."
Aqui Todo Bom passa a mais um patamar: a mistificação pura. O tempo de aprovação normal de aprovação de projectos não é, nem nunca foi, de dez anos. É pura mentira dizer isso. Há alguns, muito poucos, projectos que ultrapassam os dez anos a procurar ser aprovados mas são sempre projectos que se desenvolvem violando a lei e que, mesmo assim, querem ser aprovados, e por isso vão batendo duramente numa administração mole até conseguirem ser aprovados.
"Na actual crise económica nacional, o sector do Ambiente não pode continuar a pautar a sua actuação pela obstrução aos diferentes projectos de desenvolvimento.
Os empresários que interagem com o sector do Ambiente, da área do Turismo, do Imobiliário, da Construção, da Indústria Transformadora…, devem começar a exigir às diferentes entidades do Ambiente que suportem os seus pareceres em algoritmos quantitativos e não em apreciações qualitativas superficiais.
Os cidadãos têm o direito de saber qual o valor económico dos vários bens do Ambiente, se o mesmo se sobrepõe ao valor económico das actividades alternativas propostas e qual o modelo quantitativo que permite a sua compatibilização.
Os cidadãos têm o direito de saber quanto custam ao país os projectos turísticos, de barragens, marinas…, que continuam a percorrer o calvário da aprovação sem verem a luz do dia, afastando-se, por vezes, irremediavelmente do "time to market" ideal.
O sector do Ambiente tem de explicar a sua incapacidade para a construção de uma indústria do Ambiente que se constitua como saída profissional para as várias centenas de engenheiros do Ambiente que todos os anos saem das nossas Universidades.
A crise económica em que todos nos encontramos não permite que se finja continuar a não ver o que se passa neste sector essencial para o desenvolvimento económico sustentável do nosso país. Mas a correcção desta situação negativa exige uma intervenção a vários níveis na Administração Central e Local.
Exige uma alteração legislativa profunda no sentido da maior flexibilização com o consequente aumento da responsabilização dos agentes económicos, uma melhoria significativa de toda a produção intelectual do sector e uma reforma profunda das entidades interventoras.
Será com certeza, uma tarefa prioritária para o próximo Governo."
Peço desculpa pela longa citação mas Luís Todo Bom está a apresentar o caderno de encargos dos seus interesses (legítimos, mas particulares) a Pedro Passos Coelho, e por isso vale a pena saber com clareza o que o futuro nos vai trazer nesta matéria.
A este caderno de encargos gostaria de responder com um parágrafo da longa carta que recebi da Provedoria de Justiça a propósito da minha queixa contra os responsáveis pelo assassinato da Reserva Agrícola Nacional.
"Corre-se o risco de confundir a modernização administrativa e a simplificação de procedimentos com as regras sobre a distribuição do ónus da prova procedimental, segundo o artigo 88º do Código do Procedimento Administrativo. (Artigo 88º Ónus da prova 1 - Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do n.º 1 do artigo anterior. 2 - Os interessados podem juntar documentos e pareceres ou requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão. 3 - As despesas resultantes das diligências de prova serão suportadas pelos interessados que as tiverem requerido, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 11º.") Tratar de modo diferente quem invoca um direito e quem é portador de um simples interesse na derrogação de uma proibição geral constitui um imperativo de justiça, não havendo que recear o peso dos encargos para o interessado, o qual, em bom rigor, está a pedir ao Estado que realitivize o interesse público que legitima a RAN (e todos os outros interesses públicos ambientais consagrados na lei, acrescento eu) em benefício de um interesse particular."
Este parágrafo é do mais luminoso que tenho visto nas discussões sobre ordenamento e afins. Todos os projectos que se pretendem executar em violação da lei são relativizações do interesse público e não são um direito dos particulares.
Todos os dias se deveria mandar cópia deste parágrafo para o gabinete do Senhor Primeiro-Ministro, do Senhor Ministro da Economia e da Senhora Ministra do Ambiente até se tornar corriqueira a ideia de que a violação dos regulamentos não é um entrave ao desenvolvimento, pelo contrário, o respeito pela lei é mesmo uma condição de desenvolvimento.
E já agora, se alguém tiver o email, mandar também para Luís Todo Bom.
henrique pereira dos santos

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