terça-feira, maio 31, 2011

Floresta de regadio


Quem lê o que escrevo há já algum tempo saberá que ao contrário da ideia dominante eu não considero Portugal um país de vocação florestal. Tem a possibilidade de produzir alguma floresta na medida em que a agricultura e a pastorícia usarem o mato para dar sustentabilidade à exploração florestal. E tem a possibilidade de explorar algumas espécies com produtividade suficiente para explorar condições conjunturais de valorização que garantam retorno ao investidor.
A ideia de que a floresta é intrinsecamente boa, tem as suas raízes no higienismo iluminista (já um dia aconselhei a leitura do tratado da árvore), e encontrou terreno fértil para se desenvolver num país rural empobrecido e com os seus sistemas de exploração levados, em muitos casos, muito para lá da sustentabilidade.
As torrentes que invadiam os campos das baixas e os deixavam imprestáveis para a agricultura por trazerem saibros e areias que ficavam nos campos férteis, estavam muitas vezes ligadas ao excesso de pastoreio dos montes, uma realidade de séculos mas que se acentua a partir do século XVIII, à medida que o progresso material e científico fazia aumentar a esperança de vida diminuindo a mortalidade infantil.
O que parecia óbvio foi adoptado como solução de Estado: substituir a daninha pastorícia pela leve frescura da sombra das árvores.
Desde essa altura, uma mítica ideia de floresta, tem justificado 150 anos de dinheiro dos contribuintes atirado para cima do superior interesse da nação materializado na floresta, que muitos consideram, sem se rir e falando muito a sério, como um bem público. Eu também considero que é um bem público no sentido em que foi, em grande parte, pago com o dinheiro dos contribuintes (é bom não esquecer: "there is no such thing as public money, there is only tax payers money").
Mas até ao programa que o partido socialista apresenta a estas eleições, comentado na adenda deste post, ainda não se tinham lembrado de usar os regadios do Estado para produzir madeiras nobres.
E é o PS do post que motiva este comentário: "Porque não regar árvores (como já hoje acontece com as oliveiras), para madeiras nobres ou outras - evitando importações - nos Perímetros de Rega, se eles estão hoje subaproveitados (quase 50% não têm aproveitamento)e a água por eles disponibilizada é agora desperdiçada?".
Procuremos responder:
1) Porque uma das razões da ausência de utilização dos regadios é o preço da água, que tenderá a subir e não a descer, não se percebendo como a falta de competitividade de produtos muito mais valorizados vai ser resolvida com produtos muito menos valorizados (é fazer as contas ao valor / hectare/ ano produzido com agricultura ou com estas tais florestas irrigadas);
2) Porque um dos problemas da floresta em Portugal são os custos da remoção dos matos, que evidentemente serão muito maiores numa floresta irrigada;
3) Porque as características da madeira serão bastante alteradas com a disponibilidade permanente de água não se vendo onde está o mercado para uma madeira nobre que deixou de ser nobre (exactamente por ser regada);
4) Porque a probabilidade dos preços dos alimentos subirem e dos preços da energia subirem é muito elevada, sendo pouco sensato ocupar os poucos solos de elevada produtividade com produções lenhosas de ciclo longo, ou seja, pouco adaptadas a tempos de incerteza;
Poderia ir desfiando um rosário de razões, mas simplesmente a questão é outra: mas por que razão se deve admitir que faz sentido plantar árvores de regadio para madeira onde podem ser produzidos alimentos? Onde é maior o desequilíbrio das contas externas, no sector florestal, mesmo considerando apenas a fileira do mobiliário, ou na alimentação? Porque alguém se lembra que já que as oliveiras também são regadas (esquecendo que o que se colhe na oliveira é o fruto) outras árvores o poderiam ser? Mas desde quando as árvores são todas iguais (faz-me lembrar a mais insistente falácia do sector que consiste em fazer uma lista imensa das vantagens ambientais das matas maduras de folhosas para justificar o investimento na produção mais ou menos intensiva de pau em povoamentos que não produzem nenhums dos bens ambientais com que os justificaram).
Que a exploração florestal se tem vindo a aproximar de uma exploração agrícola, não há qualquer dúvida. Que isso faz sentido em algumas circunstâncias, não há dúvida.
Agora que isso justifique o desvio dos solos mais produtivos do país da produção de alimentos para a produção de lenho só pode vir da cabeça dos mesmos que pura e simplesmente liquidaram a Reserva Agrícola Nacional com argumentos de economia de casino.
henrique pereira dos santos

3 comentários:

Anónimo disse...

"[Portugal t]em a possibilidade de produzir alguma floresta na medida em que a agricultura e a pastorícia usarem o mato para dar sustentabilidade à exploração florestal."

O Henrique esquece-se que Portugal cria mato mesmo sem exploração florestal. E, de facto, cria MAIS mato sem exploração florestal do que com ela.

Ou seja, se o Henrique preferir ter esses montes e vales todos sem eucaliptos, o resultado será muitíssimo mais matos, não menos matos.

De facto, o meu pai plantou eucaliptos em muitas das suas propriedades (na Beira Litoral) em grande parte para combater os matos: porque os eucaliptos crescem tão depressa que abafam grande parte dos matos. E, quando os eucaliptos já estão grandes, a sua sombra e as suas raízes impedem grande parte dos matos de medrar (na pior das hipóteses, eles medram, mas não atingem tão grande porte como atingiriam se não tivessem a sombra dos eucaliptos por cima deles).

Ou seja, o problema dos matos em Portugal existe sempre, quer haja árvores quer não. Mas, de facto, as árvores limitam o crescimento dos matos.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro anónimo, eu também tenho eucaliptos e nada me move contra os eucaliptos. Aliás nada me move contra a floresta que é competitiva. O que me incomoda é que os meus impostos sejam usados para dar competitividade à floresta em detrimento de usos alternativos apenas porque se convencionou que floresta é bem público e a pastorícia é malsã.
O corte de matos é uma operação florestal cara e a maior parte da nossa floresta não produz o suficiente para a pagar, logo, provavelmente deveríamos pensar em arranjar usos alternativos (incluindo a produção de biodiversidade, que nalguns casos daria mais retorno que uma floresta da treta sustentada com dinheiro dos contribuintes). Mas o post é mesmo sobre fazer floresta nos regadios com o argumento de que estando áreas por usar, produzir madeiras de regadio faz algum sentido.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Henrique
Fica por explicar a razão porque se subaproveitam hoje os regadios públicos e qual a utilidade de gastar água (porque ela é gasta na mesma) em troca de coisa nenhuma...
Venham as árvores - para onde forem economicamente competitivas sem subsídios - que não vem daí mal ao mundo ou ao país.