segunda-feira, outubro 03, 2011

Liberdade de expressão e vacas sagradas

Imagem tirada daqui (vale a visita)


O movimento ambientalista, que historicamente chama tudo e mais alguma coisa a quem quer que tome decisões contrárias ao que os seus dirigentes entendem ser o bem comum (para poupar trabalho, tome-se como estudo de caso a decisão de localizar a ponte vasco da gama onde está hoje em vez do Barreiro, decisão que me parece errada, que contestei e combati, mas que nunca expliquei com interesses obscuros e corrupção, ao contrário do movimento ambientalista), tem uma extraordinária sensibilidade à crítica que é dirigida aos seus heróis, criando demasiadas vacas sagradas intocáveis.

Nem o exemplo do Otelo Saraiva de Carvalho, herói num determinado momento a quem devemos muito mais que qualquer vaca sagrada do movimento ambientalista, mas a quem hoje ninguém se lembraria de procurar impedir a crítica em memória do que fez naquele momento, faz muita gente desistir de pretender entronizar vacas sagradas desqualificando moralmente toda a crítica que lhes seja dirigida.

Há quem tente fazer o mesmo na minha profissão a uma das personalidades mais importantes para a afirmação da minha profissão e que critico com frequência, Gonçalo Ribeiro Telles. A vantagem neste caso é que a discussão é feita com o próprio Ribeiro Telles, e não com os seus epígonos, e Ribeiro Telles também não gosta de vacas sagradas e desce ao meu nível para dizer o que tem a dizer, ouvir o que eu entender dizer, e concordando ou não (de maneira geral não concorda) isso não afecta um milímetro a possibilidade de fazermos coisas conjuntamente quando estamos de acordo (por exemplo, grande parte da defesa da reserva agrícola). E a minha distância em relação a muitas das posições de Ribeiro Telles nunca afectou minimimamente o reconhecimento que faço da sua importância para a minha profissão e do papel que incontornavelmente terá na história da arquitectura paisagista em Portugal.

O que hoje aqui me traz são os tolinhos que, de maneira geral, acusam este blog de falta de democraticidade dizendo que apenas os seus autores (uma generalização abusiva, os seus autores são vários e na verdade este tipo de discussões são comigo, os outros não têm nada com isso) podem criticar quem entendem.

Para que não restem dúvidas, transcrevo o último comentário a este post, a que nunca respondi porque ser um chorrilho de disparates desconexos não assinados, mas a fazer-se de vítima de censura na última linha, como é frequente, mas como se vê, sem razão nenhuma (o comentário está lá, ninguém lhe ligou nenhum).

"Bem.. Depois de ler tamanha quantidade de disparates não sei se chore se ria!
Na verdade, se há aqui alguém que merece um prémio de empreendedorismo, esses alguém são o Sr. Henrique Santos e o Sr. Gonçalo Rosa, pela arte que manifestam na capacidade de, sincronizadamente, fazerem outros "empranharem pelos ouvidos" e de utilizar um discurso cínico, sarcástico, omisso e tendencioso. Que coisa linda!
Ora vejamos, o Arq. Henrique Santos, autor deste post (e do "puro veneno" que se lhe seguiu). Curiosamente, na altura da 1ª proposta de reintrodução, nos finais dos 90s, era presidente do ICN e foi o responsável pelo financiamento de vários estudos e projectos relacionados com a possibilidade de reintrodução das pesqueiras. Desde o financiamento do proj em Cabo Verde a diversas outras acções relacionadas com esta espécie, como a recuperação de infraestruturas na Torre de Aspa. Nada de mal nisto! Apenas acho piada à omissão deste facto no seu discurso inflamado. Falta de hombridade, no mínimo...
Segundo, o Sr. Gonçalo Rosa (ainda comercializas conchas exóticas, pá?). Nem percebo como se atreve sequer a falar do que quer que seja relacionado com conservação de Biodiversidade! Hilariante.
O que estes verdadeiros iluminados não referiram uma única vez, e não porque não o saibam, é que toda esta coisa da reintrodução das pesqueiras foi profundamente debatida, em duas ocasiões diferenciadas, por grupos dos maiores especialistas internacionais da espécie. A primeira vez, num simpósio internacional de rapinas em Urbino (Itália) em 1996, em que o caso português de uma possível reintrodução foi utilizado como case study por um grupo de 30 experts da espécie. E foi ali que os empreendedores trafulhas reuniram a maior parte dos dados que acabariam por originar o presente projecto. Um pormenor, claro, que não interessou referir. O discurso inflamado é muito mais eficaz com meias verdades e meias mentiras.
Depois nota-se a falta de alguns dados curiosos sobre a espécie em Portugal. Sabiam que os casais costeiros desapareciam misteriosamente durante uns 4 meses, a partir de Setembro? Ninguém sabe para onde se dirigiam, talvez logo ali ao lado, ou talvez para a Ria Formosa, ou talvez até para o Senegal... Residentes? Talvez.
E a extrema filopatria dos casais do sul da Europa? A espécie demorou 30 anos a colonizar o sul da Córsega, a partir do norte da ilha. Pensar em recolonizações naturais, a partir de Cabo Verde ou whatever, é âmbito da ficção científica.
Problemas com as temperaturas na zona do Alqueva? Então e os animais que nidificam no Mar Vermelho, usam ar condicionado para sobreviverem aos 40º à sombra?
E depois existe aquele pequeno pormenor que ocorreu 4 anos depois da morte da fêmea do último casal (o tal da Arrifana). 4 anos depois, o macho recrutou uma fêmea, tendo ocorrido tentativas de nidificação sem sucesso. Esta fêmea só pode ter sido originária do norte da Europa, o que é um facto de extremo relevo nesta questão.
Depois existem os registos históricos em Espanha de nidificação em áreas estuarianas e aparentemente mesmo no interior.
E os contra-argumentos poderiam continuar longa e enfadonhamente!
Qual o objectivo destes srs. com a contra-informação, não sei. Temo até que acreditem no que aqui verbalizam.
Não os conheço pessoalmente, tal como não conheço pessoalmente os tais empreendedores (aka trafulhas lol), mas conheço o trabalho que têm feito, colmatando a invisibilidade do ICN(B). Respeito-os por isso, no more no less.
Só mais uma coisita. O ICNB nunca financiará qualquer projecto de reintrodução no Sado. No máximo poderá facilitar o processo burocrático.
É engraçado constatar de forma tão gritante como a web pode ser particularmente perigosa. A culpa não é dela, coitadita, mas sim da falta de escrúpulos de quem a utiliza para proveito próprio (a problemática dos bloggers). Bem como da ingénua e "trigger happy" credibilidade de indivíduos como o anónimo que postou antes de mim.
Tá dito. E agora é esperar que os bloggers removam este comentário ;)"

Numa coisa estou inteiramente de acordo com este comentário: tá dito.

E por mais errado que esteja, ainda bem que cada um pode definir o seu "tá dito".

henrique pereira dos santos

6 comentários:

Anónimo disse...

Louvo o saudável princípio de não censurar os contributos mais polémicos, mas repudio as participações anónimas.

Alexandre Vaz

Gonçalo Rosa disse...

Henrique,

Nem sequer tinha visto este comentário. Bem sabe o que há muito defendo sobre a questão dos "corajosos anónimos": não permitir a sua participação, porque a liberdade de expressão tem, para mim, limites. Assim mesmo, deixarei o corajoso anónimo sem resposta. Assinasse o seu comentário e teria resposta ao que afirma.

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

As vacas sagradas e os seus cães de guarda deveriam assumir abertamente que antes da biodiversidade outro valor se levanta: sacar dinheiro da forma mais fácil aos contribuintes ou às empresas. Caso este simples exercício de honestidade não estivesse travestido em projectos sérios de biodiversidade, tudo seria transparente como o mais fino cristal. Proponho que doravante a sigla PIA (Projecto de Interesse das Aves) seja utilizada pelos promotores sempre que é a massa o que os faz correr. Assemelha-se a serem os bois a divulgarem a sua graça, não havendo necessidade de haver alguém a sentir necessidade de os chamar pelo nome.

Anónimo disse...

É no mínimo irónico um apelo à transparência feito por um anónimo...

Eu até percebo que se questione a lógica mercantilista que tem vindo a contaminar a fileira da conservação, mas há que evitar cair no extremo de se acreditar que tal tarefa deva depender do espírito abnegado e voluntarista de pessoas bem intencionadas.

alexandre vaz

Paulo disse...

Uma louvável saudação ao Henrique, com quem aprendi mito nestas últimas conversas. Realmente, não há nada como a troca de ideias, para podermos todos aprender um pouco e afinarmos o nosso discurso. Os radicalismos são sempre perigosos em termos pedagógicos.
Um abraço
Paulo Alves

Henrique Pereira dos Santos disse...

Obrigado, Paulo, é simpático ouvir de vez em quando comentários agradáveis para variar.
henrique pereira dos santos