sexta-feira, julho 17, 2009

e porque não?

algumas das mais de 150 reservas privadas do Royal Society for Protection of Birds (Inglaterra)
(imagem sacada do site do RSPB
via Google Earth)
(clicar no mapa para ampliar)

O Estado tem gerido de forma danosa as áreas protegidas? Sim. Ninguém no BE, acho eu, defenderia o contrário. Mas como pode acreditar que uma empresa, com fins lucrativos, pode fazer melhor? Alguém acredita que quem opera hotéis, campos de golfe, shoppings, etc., está minimamente preocupado com a conservação da natureza? Claro que não. Então porque havemos de abrir as áreas protegidas a estes privados?
Pode-me responder, uma vez mais, que o Estado também não tem demonstrado grande empenho pela conservação da natureza. Mas há uma diferença fundamental: é que o governo é eleito por nós e é a nós, cidadãos, que deve obedecer. Se achamos que as áreas protegidas estão a ser mal geridas, temos o direito de exigir, enquanto cidadãos, que a situação melhore. Já não temos o direito de exigir que uma empresa faça o que queremos. Uma empresa obedece apenas aos interesses do lucro.


Este texto foi parte de um comentário que um militante do Bloco de Esquerda que faz parte da sua Comissão de Ambiente fez, em resposta a um post que, há alguns dias atrás, aqui publiquei - Programa de Governo do Bloco de Esquerda.

Em boa verdade, falava eu da falta de sentido de ser o Estado a prestar serviços na área do Turismo de Natureza, tendo aquela resposta sido ao lado, por questionar a privatização da gestão das áreas protegidas. E ainda bem, pois funcionou como lembrete para escrever este post, há quase tanto tempo pensado quanto adiado. É que em boa medida, o trecho acima publicado salienta grande parte dos medos de muitos dos que, ao longo dos anos, fui ouvindo, acerca da contratualização da gestão privada de áreas protegidas. Fará sentido pensar na gestão privada de áreas protegidas da actual rede nacional?

O autor daquele comentário bipolariza a discussão em Estado e empresas como se outras formas de organização social não existissem. É que há sectores da nossa sociedade tão obcecados com as supostas más intenções das empresas, com os enormes lucros que algumas teem e com o "grande capital", que infectam, à partida, esta e outras discussões. As ONGAs e as fundações foram literalmente retiradas da discussão, entendendo eu que são entidades que, por excelência, poderiam prestar aquele serviço à sociedade. De resto, a gestão privada de uma área protegida com objectivos estratégicos devidamente protocolados com o Estado seria óptima oportunidade para, por exemplo, as ONGAs mostrarem ao Estado "como se faz".

Acontece que, por princípio, também não vejo porque é que a contratualização da gestão de áreas protegidas não pode ser interessante, sobre o ponto de vista da conservação da natureza, quando realizado com empresas.

Não se trata do Estado passar a empreitada a terceiros a troco de algum apoio financeiro e borrifar-se no assunto. Trata-se de protocolar com objectivos claros - como o Estado, grosso modo, não tem - e de verificar o seu posterior cumprimento. A possibilidade de obtenção de lucro - nomeadamente, através de actividades de turismo de natureza - deve estar intimamente ligado ao cumprimento de objectivos de conservação da natureza, sendo sempre possível revogar um contrato por incumprimento unilateral ou, puro e simplesmente, não o renovar. E é precisamente esta tónica, de ligação do cumprimento de objectivos de conservação da natureza ao lucro, a chave do sucesso de uma eventual privatização da gestão de áreas protegidas. Neste contexto, o Estado poderia assumir exclusivamente um papel de controlo do cumprimento dos pressupostos do contrato, mantendo apenas algumas funções administrativas.

O autor, com responsabilidades na Comissão de Ambiente do BE, afirma que "o Estado tem gerido de forma danosa [termo que me parece claramente excessivo] as áreas protegidas? Sim. Ninguém no BE, acho eu, defenderia o contrário", mas quer no seu comentário e, muito mais grave que isso, quer no programa do BE,não existem propostas concretas e, na prática, executáveis, para inverter a actual situação. O que é uma pena e bem demonstrativo der um problema de amplos sectores da nossa sociedade, alguns partidos políticos incluídos, muito mais eficazes a apontar problemas genéricos do que a formular soluções.

Ter uma visão de que existem duas posições extremas, por uma lado ambientalistas e Estado, angélicos e puros nas suas intenções pela conservação da natureza e, por outro, empresários vorazes, ávidos e cegos pelo lucro, é ter uma visão muito pobre do mundo. E importa-me muito pouco a suposta pureza dos estímulos e objectivos pessoais de cada um de nós, de cada entidade. Interessa-me muito mais se a conservação da natureza pode ou não ganhar com isso. E fazer coincidir objectivos da conservação da natureza com pessoais e organizacionais é a forma mais eficaz e inteligente de conservar o que quer que seja.

Gonçalo Rosa
ambientalista e empresário

12 comentários:

Ricardo S. Coelho disse...

Sendo visado pelo texto, sinto que devo responder. Não vou alongar-me, só quero apontar dois aspectos:
1 - O Gonçalo Rosa quis dar um exemplo de áreas protegidas bem geridas por privados. O que vai buscar? O exemplo da Royal Society for the Protection of Birds. Não sei se leu com atenção o site da RSPB mas não se trata de uma empresa, trata-se de uma associação. Há diferenças fundamentais: uma associação defende determinados princípios, uma empresa trabalha para o lucro.
Aproveito para clarificar a minha posição. Eu acho que as áreas protegidas devem ser geridas pelos cidadãos. Ou seja, defendo que os habitantes locais e as ONGAs devem ser envolvidos no processo de gestão das áreas protegidas. Logo, nada teria contra a replicação de uma situação como a que descreve em Portugal. Aliás, sei que existe uma micro-reserva da LPN e que há mais algumas da Quercus, creio que devem ser bem geridas e defendo que o Estado deve apoiar financeira e logisticamente este tipo de actividades. Agora não vamos confundir isto com entregar as nossas áreas protegidas à voracidade do lucro.
2 - Diz que não existem propostas concretas no programa do BE para melhorar a gestão das áreas protegidas. Aqui acho que está a ser pouco honesto. Uma coisa é dizer, como disse anteriormente, que discorda das propostas, outra diferente é dizer que não existem. Não só existem como estão disponíveis no sítio de internet do BE (de onde descarregou as tais propostas que não existem) e foram colocadas a discussão pública durante meses. Nenhum outro partido abriu à participação pública o seu programa eleitoral. Nenhum outro partido disponibilizou o seu programa eleitoral até agora.
Quando os outros partidos derem as suas ideias (se existirem) para a conservação da natureza, podemos fazer uma análise comparativa. Até lá, concordamos em divergir em áreas tão importantes como os regimes PIN (discordo da ideia de que se dá ao governo o poder de fazer tábua rasa dos instrumentos de ordenamento do território) e o turismo da natureza (não vejo como a construção de grandes empreendimentos comerciais ou turísticos pode ser compatível com a conservação da natureza).
Ricardo Coelho

Henrique Pereira dos Santos disse...

Só para alargar o exemplo a reservas privadas detidas por entidades que visam o lucro:
http://www.nature-reserve.co.za/
henrique pereira dos santos

Gonçalo Rosa disse...

Caro Ricardo,

Ricardo diz:
Há diferenças fundamentais: uma associação defende determinados princípios, uma empresa trabalha para o lucro.

Isto leva-nos a uma longuissima conversa, que não desejo ter no âmbito deste post (tive-a em anteriores e, tê-la-ei, com muito gosto no futuro. De qualquer modo, não creio que essas diferenças sejam de grande relevo para este caso, pelo que já disse no post.

Ricardo diz:
Eu acho que as áreas protegidas devem ser geridas pelos cidadãos. Ou seja, defendo que os habitantes locais e as ONGAs devem ser envolvidos no processo de gestão das áreas protegidas.

Não é esse o conceito de gestão que me refiro no post. Uma coisa é assumirem a gestão de uma reserva, outra, participarem activamente no processo de gestão (serem envolvidos/oscultados). Ilustrar o post com as áreas protegidas da rede do RSPB, foi apenas para demonstrar que, noutros locais, existem áreas protegidas geridas por privados e nada mais. Admito até que a escolha deste mapa de áreas do RSPB foi algo infeliz. A maioria das suas áreas protegidas tem muito pequena dimensão e é propriedade da associação.
Os casos das "micro-reservas" da LPN e da Quercus, são muito mais semelhantes às reservas do RSPB (áreas reduzidas, propriedade privada e ausência de população humana no seu interior). As áreas protegidas da rede portuguesa, teem em geral, dimensões muito maiores, populações/actividade humana e, quase todas, incluem quase exclusivamente propriedades privadas.

Ricardo diz:
Diz que não existem propostas concretas no programa do BE para melhorar a gestão das áreas protegidas. Aqui acho que está a ser pouco honesto.

Não, não estou a ser pouco honesto, o que não é honesto é "pôr na minha boca o que eu não disse". Com exactidão, o que afirmei foi que
"no programa do BE, não existem propostas concretas e, na prática, executáveis, para inverter a actual situação". Ou seja, acrescentei-lhe o "na prática, executáveis". Tem outra opinião? Então demonstre-me uma proposta concreta e executável que eu darei a mão à palmatória.

Ricardo diz:
Nenhum outro partido abriu à participação pública o seu programa eleitoral. Nenhum outro partido disponibilizou o seu programa eleitoral até agora.

E então? Quanto ao primeiro, tenho pena que a iniciativa não tenha permitido elaborar um Programa mais robusto (no que há conservação da natureza). Quanto ao segundo, não percebo o mérito. Os outros vão mais do que a tempo. Mera estratégia eleitoral.

Ricardo diz:
Quando os outros partidos derem as suas ideias (se existirem) para a conservação da natureza, podemos fazer uma análise comparativa.

A minha ideia não é fazer análises comparativas no Ambio. O meu desafio é o de fazer análises de cada programa, realçando o que me parecem ser os pontos fortes e os fracos de cada um.

Discordamos em muito mais que os PIN e Turismo da Natureza.

Cumprimentos,

Gonçalo Rosa

Henrique Pereira dos Santos disse...

da Costa Rica:
http://cloudbridge.org/
da Guatemala:
http://www.andescloudforest.org/
do Zimbabue:
http://www.singita.com/
de Madagáscar:
http://www.winchester.ac.uk/?page=5969
Poderia continuar, e procurando com palavras chave noutras línguas para além do inglês encontraria muitos mais exemplos.
Uns serão bons exemplos, outros serão maus, como no caso da gestão estatal.
Declaração de interesses: trabalho na criação de uma reserva natural privada, neste caso detida por uma ONG.
henrique pereira dos santos

Gonçalo Rosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gonçalo Rosa disse...

Ricardo,

À luz do que digo no post:
"E é precisamente esta tónica, de ligação do cumprimento de objectivos de conservação da natureza ao lucro, a chave do sucesso de uma eventual privatização da gestão de áreas protegidas."

Continuo sem perceber porque acha que as empresas (nomeadamente as de consultadoria ambiental) não podem ser opção para a gestão de áreas protegidas?

E fico ainda à espera que me diga quais foram os "muitos especialistas" em conservação da natureza que defenderam as ideias expressas no programa do BE. Fiz-lhe esta questão nos comentários ao meu outro post, mas fiquei sem resposta.

Declaração de interesses: nem trabalho numa empresa de consultadoria ambiental ou semelhante, nem em nenhuma ONGA; fui técnico (na área da ornitologia) dos quadros do ICN até 2000.

Gonçalo Rosa

Marco Fachada disse...

Viva.

Curiosa discussão. Desde já informo que, entre outras coisas, sou sócio de uma micro-empresa de animação turística, que também desenvolve turismo de natureza, que sou há vários anos sócio de 1 ONGA, que faço donativos anuais para várias organizações humanitárias, que faço voluntariado ambiental, etc.

Associações? Conheço várias (ditas culturais, ambientais, desportivas) que fazem exactamente o mesmo que as empresas do nosso sector, sem cumprirem licenciamento algum (nomedamente a anterior licença das áreas protegidas, para as actividades aí efectuadas), e portanto sem qualquer fiscalização! Lucro, isso têm-no bem, pois além do que cobram pelas actividades, ainda recebem um subsídios camarários para o seu "programa de actividades", não pagam IRC, IVA, PEC, ... Defendermos de forma abstracta e generalista que para a conservação da natureza, as associações seriam melhores gestoras de áreas protegidas do que as empresas é uma posição dúbia e altamente redutora. Conheço poucos dirigentes associativos e dirigentes locais públicos, a quem lhes reconheça tanta ou mais vontade conservacionaista do que à nossa empresa ou outras congéneres,que prestam habitualmente diversos serviços de carácter público sem qualquer tipo de apoio ou reconhecimento...

Adiante. Gestão pública ou privada? Deixo só um exemplo em forma de analogia com o património museológico(as conclusões ficam para quem tiver mais tempo): há umas semanas acompanhamos 130 pessoas que fizeram propositadamente 300 km (+ 300 no regresso), para visitar uma determinada localidade e os respectivos museus. Estes, geridos pelo município, têm funcionários públicos, que às 12.30 em ponto nos fecharam as portas, para irem almoçar (era sábado, e regressavam às 14.00)... O último grupo de 40 pessoas ficou na rua... E a nossa empresa é "só" a organização que mais pessoas leva anualmente aqueles museus em concreto...

Dessem a gestão a um privado e veriam a diferença...

1 abraço

Marco

José M. Sousa disse...

Eu não ponho as coisas de forma tão contundente como o Ricardo. Acho que é possível a gestão privada visando um ganho . De facto o parque de Timbavati (junto ao Kruger) - que já tive a sorte de visitar - é privado e tem uma exploração sustentável, nada que se pareça, no entanto, aos critérios de sustentabilidade dos nossos Belmiros, que - se tivessem oportunidade - tratariam logo de construir mega hotéis em plena reserva, o que não é o caso. No sítio onde estive, as instalações de luxo estavam em tendas, estruturas leves, portanto!
De facto, o problema com o lucro aparece quando não há limites claramente estabelecidos sobre até onde pode ir a exploração. Se estes limites existirem, a priori, não vejo porque não possa haver "exploração" por privados com o fito de um obterem um lucro dentro do legitimamente aceitável.

Unknown disse...

José,
Muito mais importante que discutir pessoas/entidades e intenções, é discutir questões processuais por forma que as coisas funcionem. De resto, concordo com o seu último parágrafo final, sublinhando que desde que uma empresa cumpra os pressupostos contratuais, faço votos consiga lucros elevados. Mais zelosa será quanto à salvaguarda dos valores ambientais de que é responsável.
Gonçalo Rosa

João Branco disse...

Nada como experimentar para ver se dá resultados.
Uma gestão pior que a do estado é impossível.

Henk Feith disse...

Caros,

Sinceramente, não compreendo esta discussão à volta da gestão pública das áreas classificadas. A quase totalidade da área abrangida pelo SNAC é propriedade privada, por isso quem gere as áreas classificadas são entidades privadas. O estado, se for muito, condiciona essa gestão.

Não quer isto dizer que os privados gerem bem essa área, mas isto depende em grande parte do que se espera daquela gestão. Os privados, na sua quase totalidade, esperam simplesmente obter um rendimento do seu bem imóvel, sem o qual provavelmente abdicariam da sua posse.
O Estado, ao contrário, espera dos gestores que gerem aquela área de forma a proteger os valores que levaram à classificação daquele território. Eis temos a causa de tanto contencioso à volta da gestão das áreas classficadas: os objetivos desencontram-se e cada um julga ter direitos adquiridos sobre aquela terra que quer valorizar.
Esta situação não se restringe às áreas classificadas, porque com a entrada em vigor dos PROF, a situação repete-se. Um proprietário florestal que instalou há mais ou menos tempo um floresta com o objetivo de realizar mais valias através da sua produção lenhosa, é confrontada com um mapa anexo ao PROF onde alguém traçou umas linhas, classificados aquela terra sua como um "corredor ecológico" cujas funções deixaram, numa penada, ser de produção para passar a ser de proteção. O Estado, claro, espera que tal corredor seja gerido para esse fim. Azar teve o produtor florestal que foi "apanhado" pelo corredor sem ser compensado por esta perda real de rendimento.

Nuno Ribeiro disse...

Interessado no tema principal da discussão, não podia deixar de reforçar a percepção que também tenho da completa ausência de propostas específicas relativas ao ambiente em programas partidários ou então do seu carácter acessório, neste momento de reflexão que antecede as eleições.