quarta-feira, julho 15, 2009

Qualidade dos dados Portugueses de biodiversidade


Não vou repetir os argumentos expostos nos comentários a este post mas gostaria apenas de ilustrar o que digo com um mapa que produzimos no meu laboratório há pouco tempo. O que vêm é a conjugação dos dados de distribuição de mamíferos existentes nas bases de dados (Estatais) Portuguesas e Espanholas. As cores reflectem diversidade biológica de mamíferos. Podem ser feitas duas interpretações: 1) a diversidade é maior em Espanha que Portugal; 2) a ausência de diversidade em Portugal reflecte a ausência de dados. Esta última interpretação é a correcta.

A discussão sobre quem tem de recolher os dados é mais ou menos inútil porque a questão de fundo é que para tomar decisões em matéria de conservação, é necessário ter dados sobre os objectos que se pretendem conservar e tanto a obtenção de dados como o processo de decisão em matéria de conservação se encontram claramente definidos:

"O Instituto [ICNB] prossegue atribuições do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, sob superintendência e tutela do respectivo ministro. São suas atribuições:

a ) Exercer as funções de autoridade nacional para a conservação da natureza e da biodiversidade;

b ) Assegurar a preservação da conservação da natureza e da biodiversidade e a gestão sustentável de espécies e habitats naturais da flora e da fauna selvagens, promovendo a elaboração e implementação de planos, programas e acções, nomeadamente nos domínios da inventariação, da monitorização, da fiscalização e dos sistemas de informação;

(...)"

Também poderia produzir um mapa equivalente para invertebrados mas a humilhação para Portugal seria ainda maior.

8 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Há uma terceira explicação que não exploras: os dados existem, pelo menos parcialmente, mas estão mal organizados e mal tratados nas bases de dados estatais.

Mas acho que continuas a discutir ao lado do que me parece mais interessante: a questão não é quem deve recolher os dados, nem se o Estado deveria fazer mais. Aí vamos estar mais ou menos de acordo (embora me fique a dúvida sobre se essas bases de dados são geridas pelo equivalente espanhol do ICNB, mas é um detalhe).

A questão, que é a mais estimulante de todas, é se vale a pena, ou não, estarmo-nos nas tintas para o que o Estado deveria fazer e fazermos nós mais do que o que existe. Repito pela enésima vez: disponho-me a discutir uma solução privada para rapidamente alterar este estado de coisas nesta matéria e garanto que em menos de cinco anos a disparidade deixa de ser tão grande.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

"Há uma terceira explicação que não exploras: os dados existem, pelo menos parcialmente, mas estão mal organizados e mal tratados nas bases de dados estatais."

Para mim é indiferente se os dados existem e não estão convenientemente sistematizados ou que não existam de todo. "The bottom line" é que o ICNB que foi quem facultou os dados não está em condições de informar os processos decisórios em matéria de conservação de mamíferos. E se não está para o grupo mais carismático (os mamíferos) não estará para os menos carismáticos que são os invertebrados. Já agora, os dados no mapa incluem os oficiais mas também os que estão numa base de dados da Universidade de Évora que já não está em funcionamento (mas que inclui, por exemplo, os dados da NaturaIberica). Portanto, são um pouco melhores que os dados oficiais.

"Mas acho que continuas a discutir ao lado do que me parece mais interessante: a questão não é quem deve recolher os dados, nem se o Estado deveria fazer mais. Aí vamos estar mais ou menos de acordo (embora me fique a dúvida sobre se essas bases de dados são geridas pelo equivalente espanhol do ICNB, mas é um detalhe)."

É um detalhe importante. Sim são geridas pela Divisão de Biodiversidade do Ministério do Ambiente em Espanha que é o parceiro do ICNB. Aliás, eles têm a incumbência de gerir todas as bases de dados biológicas do País na linha do "Biological Records Centre" do Reino Unido.

"A questão, que é a mais estimulante de todas, é se vale a pena, ou não, estarmo-nos nas tintas para o que o Estado deveria fazer e fazermos nós mais do que o que existe. Repito pela enésima vez: disponho-me a discutir uma solução privada para rapidamente alterar este estado de coisas nesta matéria e garanto que em menos de cinco anos a disparidade deixa de ser tão grande."

Se tens uma solução na cartola que difere do que é feito, por exemplo, em Espanha onde o Estado assume responsabilidade de financiar mas também de apoiar a organização destes processos de compilação de dados, porque não avanças com ela? Como é natural tens de ter a ideia e tens de assegurar que essa ideia funciona no quadro da realidade que temos, não no quadro de uma realidade que não existe.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Não é indiferente se os dados existem ou não porque as estratégias para resolver o problema são diferentes.
Recolher dados que não existem tem um custo e obriga a uma organização diferente da que é precisa para sistemtizar informação que existe.
A Direcção Geral sistematiza informação, mas suponho que ninguém a responsabiliza pelo facto da informação não existir no país. Para além disso tem competências substancialmente diferentes do ICNB, como sabes, visto que tudo o que é gestão concreta do território está nas autonomias.
Já agora, os mamíferos são um grupo particularmente mal cartografado em Portugal, penso que se fizeres o mapa com aves ou répteis e anfíbios o resultado terá algumas diferenças.
E gostaria de perceber de que dados do ICNB está a falar, porque se são os do sipnat estão claramente desactualizados em relação ao que já hoje existe. O que significa que existe mais informação para usar nos processos decisórios.
Continuas a não dar mostras de perceber o meu ponto de vista: eu não quero discutir o que o Estado devia fazer nesta matéria porque sobre isso não há nada a discutir, estamos todos basicamente de acordo.
O que me interessa é discutir o que se poderia fazer mais sem o Estado. Matéria em que te recusas a também comparar a situação nos diferentes países.
E sim, tenho algumas ideias sobre o assunto que naturalmente procurarei pôr em prática.
Veremos o que daí resulta.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

"Não é indiferente se os dados existem ou não porque as estratégias para resolver o problema são diferentes."

Depende do plano em que te colocas. Eu sou utilizador de dados (analista), estou no final da cadeia da produção e para mim é igual se os dados existem em prateleiras ou não existem de todo. O resultado prático é que não estão em formato utilizável e como tal tenho que me conformar com isso e assumir os erros que de aí advêm para as análises que faço. Dizes-me que existem e estão dispersos mas como eu considero responsabilidade do ICNB ter um bom sistema de centralização de dados biológicos (o SIPNAT ou outro) não me conforta saber que estão algures mas que ninguém põe ordem na casa.

"Recolher dados que não existem tem um custo e obriga a uma organização diferente da que é precisa para sistemtizar informação que existe."

Certo mas ambas funções são necessárias e são complementares num "Biological Records Centre" como deveria ser o SIPNAT.

"A Direcção Geral sistematiza informação, mas suponho que ninguém a responsabiliza pelo facto da informação não existir no país. (...)"

A Direcção Geral Espanhola tem de facto uma função centralizadora não só dos dados produzidos pelas autonomias mas também dos dados produzidos directamente pelos investigadores. As autonomias não são fontes regulares de dados. Há algumas que são exemplos fantásticos, como a Andaluzia, mas há outras que não produzem um mapa de distribuição pelo que o Estado central não pode delegar nelas esta tarefa. E é talvez por isso que assume protagonismo nos processos de compilação de dados. Por exemplo, o Atlas de Invertebrados Ameaçados de Espanha foi financiado por um projecto desta Direcção Geral.

"Já agora, os mamíferos são um grupo particularmente mal cartografado em Portugal, penso que se fizeres o mapa com aves ou répteis e anfíbios o resultado terá algumas diferenças."

Também tenho esses mapas e é óbvio que os problemas não se verificam para os restantes grupos de vertebrados terrestres mas o exemplos dos mamíferos, que são inegavelmente um grupo carismático, não deixa de ser paradigmático do que pode representar a diferença entre os dados de Portugal e Espanha. Só nas aves, anfíbios e répteis podemos competir com Espanha (e talvez, em breve, com os peixes). Em todos os restantes grupos estamos a milhas do País vizinho.

"E gostaria de perceber de que dados do ICNB está a falar, porque se são os do sipnat estão claramente desactualizados em relação ao que já hoje existe. (...)"

Estes são os dados disponíveis para um estudo de grande escala em que estou envolvido e que envolve parceria com o ICNB.

"Continuas a não dar mostras de perceber o meu ponto de vista: eu não quero discutir o que o Estado devia fazer nesta matéria porque sobre isso não há nada a discutir, estamos todos basicamente de acordo."

Henrique, tu não podes obrigar as pessoas a discutir o micro-tema que te interessa quando, ao expor a tua argumentação, abres o leque de temas em discussão. Eu apenas entrei nesta conversa pois a tua argumentação reside em desvalorizar o papel do Estado nos processos de recolha de dados e responsabilizar os amadores pelo parco estado do nosso conhecimento. Sei que isto é uma simplificação do teu pensamento mas ilustra bem porque me meti na conversa.

"O que me interessa é discutir o que se poderia fazer mais sem o Estado. Matéria em que te recusas a também comparar a situação nos diferentes países."

Mas quais países? Quais exemplos? Queres ser um pouco mais preciso? Se queres ilustrar o teu pensamento com o que se passa noutros Países porque insistes que tenho de ser eu a dar-te os exemplos? Eu falo-te do que conheço e o que conheço inclui sempre o Estado. Como aliás se passa noutros âmbitos de recolha de dados nacionais para auxiliar outros processos de decisão.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Não sei mais como te devo explicar o que digo porque continuas a caracterizar a minha posição de uma forma bastante imprecisa.
A minha argumentação não reside em desvalorizar o papel do Estado.
A minha argumentação reside em dizer às pessoas que fazer o que estás a fazer, reivindicar uma outra atitude por parte do Estado, é o que se tem feito nos últimos trinta anos, pelo menos, com os resultados conhecidos.
Por isso, porque é razoavelmente ineficaz continuar sempre a dizer o mesmo, e porque muita gente usa essa desculpa, que é verdadeira e realmente existe, para não fazer o que está na sua esfera de acção e pode ainda ser feito, eu critico o uso abusivo desse mantra para justificar tudo.
Quando te falo nos outros países falo-te no que é produzido para lá do Estado, ou mesmo em articulação com o Estado, e que em Portugal não se produz porque se está à espera que o Estado produza.
Em lado nenhum me vês defender que é possível ter um sistema consistente, abrangente e etc., de recolha e gestão de dados biológicos totalmente assente em financiamento privado.
Mas isso não significa que não seja possível aos privados caminharem nesse sentido sem o Estado. Significa apenas que esse caminho tem limites, que nunca neguei, mas que em Portugal esses limites estão muito longe de ser atingidos.
Ou seja, sendo tão pouco eficaz a crítica ao Estado e havendo ainda tanta margem de manobra sem o Estado, é razoável supor que em querendo e organizando-se as pessoas podem fazer mais que o que fazem actualmente nesse campo.
E que a crítica ao Estado não é, muitas vezes, mais que uma desculpa para não fazerem mais que o que fazem. Ou uma estratégia reivindicativa para a obtenção de recursos que serão usados noutra coisa qualquer ou com objectivos bem distantes do que são as prioridades na matéria.
E as responsabilidades do Estado, nesta matéria, não se confundem com as responsabilidades do ICNB.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Henrique,

O que eu digo em resposta ao que dizes também é simples:

O pouco que foi feito, que já é alguma coisa, em grande parte se deve ao voluntarismo dos Portugueses (muitos dos quais voluntários). Penso que qualquer conversa sobre o tema deve começar por este reconhecimento sob pena de dificultar a compreensão do que se segue.

Concordo que pode haver, pontualmente, envolvimento de fundos privados. Já houve nuns casos (por exemplo, nas borboletas) e é possível haver mais (continuo sem saber quais são os exemplos de fora que queres que sigamos).

Mas eu acrescento:

É possível haver mais envolvimento em ambas direcções: envolvimento dos privados e envolvimento do Estado, em particular do ICNB que é quem tem responsabilidades concretas na matéria (a responsabilidade das universidades é ensinar e fazer investigação; elas podem e devem colaborar nestas actividades mas é bom não cair na tentação de atirar pó para o ar e dizer que a responsabilidade é de todos logo não é ninguém, como dizia o José Mário Branco.

O trabalho de inventário, no tempo e no espaço, de dados biológicos requer uma infraestrutura básica que por precisar de continuidade e por assentar em trabalhos tecnicamente complexos e nem sempre comercializáveis, se inscreve claramente no âmbito da competência do Estado (porque os produtos de biodiversidade nem todos são vendáveis mas todos requerem atenção do Estado).

O envolvimento dos privados pode ser maior mas tem limites óbvios, especialmente quando falamos de inventários de "invertebrados e outras porcarias" e quando é necessário garantir continuidade (um atlas num tempo 1 sem uma repetição num tempo 2 é um trabalho inacabado).

Por outro lado, se a coordenação de um processo destes estiver claramente associado a fundos privados é de esperar que os amadores voluntários se escusem de trabalhar de graça o que faz subir o orçamento de forma vertiginosa tornando-os, provavelmente, insustentável. A menos que a coordenação seja feita por ONGAS mas aqui retira-se uma eventual componente de lucro para a empresa pois estas nunca aceitariam transferir os rendimentos (no caso hipotético mas improvável de um atlas - que não é o mesmo que um guia - dar lucro) para estas.

Pessoalmente não tenho muito interesse em conversar, como tu pretendes, sobre este modelo (privado) pois não acredito nele. Não creio que resolva o problema de fundo (a necessidade de uma infraestrutura que profissionalmente coordene estes processos), servindo apenas para prolongar a situação existente que serve um Estado incapaz e desinteressado de assumir as suas responsabilidades em matéria de biodiversidade. Pode-se fazer mais do que se faz com maior envolvimento de privados? Dou de barato que sim. Resolve-se o problema da falta de dados que sirvam os processos decisórios em matéria de conservação através de um maior envolvimento dos privados? Creio que não. Apenas se ganha tempo fazendo trabalho mas protelando uma profissionalização dos serviços Estatais na matéria. É uma opinião que, como disse anteriormente, difere da tua essencialmente na ênfase que dou ao papel do Estado (maior no meu caso que no teu).

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
De facto é uma conversda de surdos: não é verdade que eu dê menos ênfase ao papel do Estado. Simplesmente estou a discutir outra coisa: o que posso eu fazer nestas circunstâncias?.
Isso pelo que percebo é irrelevante para ti.
Realmente é uma conversa de surdos.
henrique
PS Não é verdade que o pouco (que não é tão pouco se tiveres em atenção o que era a situação há vinte anos atrás) que tem sido feito seja essencialmente trabalho voluntário e quase tudo (com excepções notáveis como a das borboletas e em parte, muito em parte, das aves) foi pago e promovido pelo Estado, em especial pelo ICNB

Miguel B. Araujo disse...

Caro Henrique,

Um comentário ao teu PS: mesmo nos atlas das aves a quantidade de voluntários é assinalável. Sem eles não haveria atlas por muito que profissionais se tivessem envolvido na coordenação e no trabalho de campo. No primeiro atlas eu fui um dos voluntários entre, não sei o número exacto, mas provavelmente uma centena de colaboradores. O Atlas actual não difere, de forma substancial, na importância destes voluntários e a haver diferença, provavelmente, será no maior número e protagonismo destes.

Quanto ao resto volto a dizer que não podes pretender que a discussão se centre num micro-aspecto da problemática que levantaste (como fazer atlas sem apoio do Estado) quando a argumentação de base que usaste ao longo das tuas várias intervenções derivou para outros temas, designadamente, sobre a responsabilidade de todos os outros actores sociais sobre a paucidade de informação biológica. É sobre esse discurso que eu reajo porque creio que a forma como é apresentada dilui responsabilidades e escamoteia o fundamental do acessório. Fica aqui um pedaço desta prosa resgatada nos arquivos publicos da lista (mais exemplos haveria):

"Estas mensagens acabam sempre da mesma maneira: é fácil fazer mas cabe ao vizinho do lado (no caso da conservação o vizinho do lado é sempre o ICNB). O que falta a quem queira fazer o atlas? Os investigadores, o reivindacadores de todas as naturezas têm a certeza de que não têm responsabilidades no estado das coisas?

(...)

Esqueçam o ICNB. Não presta? Não sabe Fazer? Não quer fazer?
Pró diabo que o carregue e façamos nós."

E chegados a este ponto fico-me por aqui já não estamos a discutir a substância do tema mas as interpretações que cada um faz sobre o que o outro diz. De resto foi tudo dito.