sábado, agosto 01, 2009

Linha férrea afecta 150 mil hectares de montado de sobro

Montado de azinho no sul de Grândola (Lousal)
Hoje o Público, na sua secção "Local", publica um artigo da autoria de Carlos Dias, cujo título me intrigou: "Quase 150 mil hectares de montado de sobro afectados pela linha férrea Sines-Elvas".

Estando habituado a estatísticas sobre a floresta Portuguesa, pensei: bolas, que tipo de linha férrea é aquela que afecta perto de 20% do montado de sobro em Portugal?

Ao ler o artigo comecei a perceber que, mais uma vez, o jornalismo ambiental recorre a manipulação de factos para insuflar notícias. Já no texto principal do artigo, é evidente que houve ou erro grosseiro ou intenção nos valores apresentados, uma vez que falam de uma faixa de 400 metros de largura e uma extensão de 40 km. Essa faixa, na sua totalidade ocupa 1600 hectares (40000*400/10000), por isso pouco mais do que 1% da área indicada no título. Também será de esperar que nem toda a área daquela faixa seja ocupada com montados de sobro, ou mesmo de montados em geral (não haverá montado de azinho naquela faixa? ou será que o jornalista desconhece essa espécie?).

40 km entre Sines e Elvas parece-me curto. Por estrada são 251 km (fonte: Google maps), admito que uma linha férrea seja mais rectilínea, por isso deve estar perto duns 200 km. Será que são 40 km a atravessar montados? Não se compreende do artigo.

Mais grave se torna quando se fala no possível abate de "cerca de 7000 sobreiros, muitos deles centenários" (para o leigo romântico, qualquer árvore que não se consegue abraçar é centenária). Tendo um montado adulto entre 50 a 100 sobreiros por hectare (um montado jovem poderá ir até 10 vezes esta densidade), este segundo valor apontaria para a perda de 70 e 140 hectares de montado. Pergunto eu onde estarão os 150 mil hectares afectados que o jornalista refere, sem indicar as suas fontes de informação.

Mas o que ponho em causa não é o impacte que esta linha férrea terá na paisagem e habitats alentejanas. Se calhar (é provável) estão em risco valores ecológicos muito mais relevantes que os sobreiros, aquela vaca sagrada dos ambientalistas portugueses. Conheço montados de azinho no sul do concelho de Grândola que são dos mais intatos e vigorosos que conheço. Conheço o vale do rio Sado junto às localidades Azinheiro dos Barros e Vale de Eira e é capaz de ser um dos segredos naturais mais bem guardados de Portugal (como é possível que a RN2000 não ligue os sítios de Estuário do Sado e Castro Verde através do vale do Sado?, assim sim seria uma Rede em vez de um arquipélago de áreas classificadas). A perda destes valores naturais seria uma perda significativa e deve ser evitada a todo o custo. O que ponho em causa é a qualidade jornalística de uma peça que, ou por ignorância ou por intenção, transmite uma mensagem que está manifestamente errada. É mau e é recorrente no jornalismo ambiental.

Henk Feith

3 comentários:

Gonçalo Rosa disse...

Henk,
Este post, fez-me recordar os meus tempos de liceu, quando lá para os 15 anos, tinhamos que optar por uma de cinco grandes áreas. Escolher a área D - Humanísticas se a memória não me falha - era, para aqueles que queriam fugir à Matemática, um verdadeiro clássico.

Talvez seja também por isso que, lá para os cinco algarismos, muitos jornalistas se perdem no tenebroso mundo dos números, confudindo a maioria dos seus leitores.

Os números só esclarecem se forem usados com rigor e seriedade...

Gonçalo Rosa

Henk Feith disse...

Bom, se há algures números grandes é nas Humanísticas: já vamos em quase 7 mil milhões condóminos neste condomínio (ainda) fechado chamado Terra (e não 7 bilhões, outro erro diário entre jornalistas e políticos...).

Henk

Anónimo disse...

Já que tão numa de erros jornalísticos, a localidade chama-se Azinheira dos Barros!