domingo, setembro 27, 2009

A suave irresponsabilidade do engraçadismo jornalístico



Raramente compro o Expresso, mas uma vez por outra lá acontece e outras vezes leio à boleia de quem o compra.
O artigo de opinião de Luísa Shmidt desta semana (porque há muitos anos que o que o que leio do que escreve me parecem ser quase só opiniões) passa no entanto a minha capacidade de ler sem reagir.
Pretensamente o que é feito é uma análise dos programas eleitorais dos principais partidos. Numa primeira parte, pretensamente mais objectiva o artigo, em vez de analisar de facto os programas, explica que não se podem discutir as propostas sem que os partidos expliquem as razões pelas quais não estão executadas.
É uma maneira airosa de escrever qualquer coisa que não adianta nem atrasa e fica sempre bem.
Mas na segunda parte, Luisa Schmidt esmera-se ao fazer a análise partido a partido.
Os problemas de enviesamento gritante estendem-se aos cinco pequenos textos dedicados a cada um dos cinco partidos maiores, mas tomarei aqui como exemplo do que me parece ser a pura expressão de preconceitos mal fundamentados, a análise que é feita ao programa do CDS.
Já fui votar hoje e garantidamente não votei no CDS, e tenho ideia que nunca votei no CDS, mas acho demais tanta falta de isenção e, já agora, de regras mínimas de jornalismo.
"...Esqueçamos por instantes o pesadelo Portucale". Luisa Schmidt entra a matar. Mas esquece-se de explicar duas coisas essenciais: por que razão diz que o processo Portucale é um pesadelo, e por que razão esse processo em particular mancha desta forma todo um partido mas processos como o Freeport, ou a localização da Ponte Vasco da Gama, não mancham os partidos que eram governo quando foram tomadas as decisões. Não sei por que razão ambiental o Portucale é um pesadelo. Até pode ser por tráfico de influências, não sei, mas mesmo aí seria curioso perceber por que razão esse é um peso ambiental para o CDS, quando o seu Ministro do Ambiente da altura já está mais que ilibado do caso e quando a aprovação dos planos e projectos que conduziram o Estado ao beco sem saída da necessidade de declaração de interesse público foram tomadas por outros partidos. E sendo assim, porque não começar o texto do PS pelo pesadelo gémeo do Vale da Rosa em Setúbal?
"Olhemos para dura crítica aos PIN. O presidente da agência que os promove é, aliás, do CDS. Mas que importa ... tudo na vida é ambíguo e esta é a pequena costela "bloco" dos queques". Foi com este parágrafo que a minha paciência se esgotou por completo. É que há uma diferença substancial entre ironia e desonestidade. O que está dito decorre da mais profunda desonestidade, escolhendo-se palavras e ideias engraçadas, umas legítimas e outras ilegítimas, com o único objectivo da graça "bon chic, bon genre" que Luísa Schmidt cultiva muito para lá do que o mínimo de seriedade e respeito pela realidade lho permitiria. Em primeiro lugar, Luísa Schmidt não discute a bondade ou não da crítica, limita-se a dizer que como as pessoas do CDS são queques lhes está vedado criticar uma forma do Estado decidir. Depois, não contente em afastar a isenção, e apesar de estar fartinha de saber que Basílio Horta há muito tempo não tem voz activa no CDS, não tem qualquer peso na tomada de decisão do CDS e, mais, foi nomeado pelo PS para o cargo que é referido e que tem servido e propagandeado activamente o Governo de Sócrates, omite o seu nome e insinua que o CDS tem alguma coisa com o seu desempenho na AICEP. É rasca, é inconcebível e é muito, muito desonesto. Para além de ser simplesmente estúpido partir do princípio de que a crítica ao sistema PIN é uma atitude à "bloco".
"trata-se de um bom programa, com diagnósticos certeiros e propostas valiosoas... evitemos pois borrar a pintura meditando sobre o que aconteceria se um governo do CDS tivesse que assumir algumas destas propostas - sobretudo ao nível dos interesses afectados. Lá estamos nós a pensar no Portucale...". O corolário lógico: o programa do CDS não interessa nada porque como Luisa Schmidt acha que o CDS é o partido cuja acção prática é defender os interesses económicos, era o que iria fazer independentemente do que dissesse no programa. É o que se chama um processo de intenções. Mas o mais curioso é que se Luisa Schimdt quiser trabalhar em vez de mandar piadas, pode facilmente comparar o desempenho ambiental de Nobre Guedes com o do actual Governo (o que estabeleceu o sistema PIN tal como existe hoje, e do qual abusou sempre que teve oportunidade). Ou seja, não só Luisa Schmidt usa os seus preconceitos para desfazer no que ela própria considera um bom programa ambiental, como ainda impede que a realidade se venha imiscuir nas suas opiniões, evitando comparar realidades comparáveis.
Bem sei que Luisa Schmidt nos olha do canto superior esquerdo da coluna em que escreve com aqueles olhos tão bonitos que fazem esmorecer qualquer vontade de crítica, mas francamente, acho que há vacas sagradas a mais no movimento ambientalista para deixar passar em branco este tipo de exercícios de engraçadismo desonesto (a análise para os restantes partidos é semelhante, esquecendo-se de falar na morte da RAN às mãos do PS e não se esquecendo das sangrias de desanexações da RAN e da REN a propósito do PSD, por exemplo).
Discutamos sim as propostas dos partidos, critiquemo-las sim, mas pelo seu valor facial, não pelos preconceitos que preguiçosamente mantemos sobre cada um dos grupos políticos em presença.
henrique pereira dos santos

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