quinta-feira, janeiro 21, 2010

A avó do Eduardo


Neste post, Eduardo F. fez um comentário muito interessante:
"E não há dúvida que o pão que a minha avó materna fazia, com o trigo que ela ajudava a semear, na terra previamente arada com a ajuda do macho em terra de sequeiro e que ela própria depois ceifava, pão cuja massa ela mesma amassava à luz da lamparina de azeite, no forno de lenha que ela própria apanhava, era incomparavelmente melhor que qualquer sucedâneo hoje existente.Os seus netos adoravam o pão que fazia. Eu era um deles. Era, não haja dúvidas, um pão ambientalmente sustentável.Tenho, naturalmente, uma nostalgia especial por aquele pão (e filhó, e folar!) - oh, como gostaria de comer um bocado agora mesmo! -, mas ainda bem que aos meus pais e à minha geração não coube sorte igual à da minha avó. Tudo farei para que o mesmo continue a acontecer aos meus filhos."
O primeiro comentário é de que é muito interessante esta ideia maniqueísta de que temos de optar pelo que existe agora ou pelo que existiu antes. Nem por uma vez Eduardo F. parece vislumbrar duas hipóteses alternativas a estas: o que existe hoje ser impossível de manter; o que virá amanhã de diferente poder não ir no sentido do que já existiu. Ou dito de outra forma: o futuro é mesmo incerto e a única certeza é a de que não será apenas a projecção do passado.
O segundo aspecto interessante é a ideia de que a miséria (ou, sendo menos radical, a frugalidade) é sempre sustentável. Nada de mais incerto. Tudo se poderia passar exactamente como o descrito e o passado ter sido insustentável, bastando para isso que a lavoura fosse feita nos sítios errados, com as técnicas erradas, que o consumo de lenha estivesse acima da capacidade de reposição natural (situação frequente em muitos países pobres e que, a espaços, terá acontecido em algumas zonas de Portugal no tempo da avó do Eduardo), etc..
Terceiro e mais interessante: a avó do Eduardo só podia competir no mercado pelo preço, porque ninguém valorizava o que resultava do seu esforço, mas hoje seria possível que Eduardo estivesse disposto a pagar a diferenciação do produto, remunerando de forma totalmente diferente o trabalho de quem hoje esteja disposto a fazer de forma diferente. Sim, é um nicho de mercado muito pequeno, mas para o produtor que não pode competir pelo preço porque as suas condições naturais (ou sociais, mas apesar de tudo estas podem resolver-se de outra maneira) não lhe permitem ter elevadas produtividades, ter o Eduardo disposto a pagar a elevada diferenciação pode ser a diferença entre persistir ou desistir (off topic, desistir nas nossas condições não significa parar, significa evoluir de forma diferente, por exemplo, com um padrão de fogo socialmente muito mais complicado).
Quarto aspecto interessante: no longo prazo o preço da energia tenderá a subir. Isso vai implicar a reformulação da economia, beneficiando a produção que incorpora menos energia e prejudicando a que incorpora mais energia. Significa isto que vamos todos retornar ao modelo de produção da avó do Eduardo? De maneira nenhuma, hoje sabemos mais do que sabíamos sobre como produzir diminuindo a intensidade energética (os romanos já conheciam o moinho hidráulico mas nunca o usaram de forma extensa porque o trabalho escravo era um entrave à sua expansão, que só se deu na Idade Média quando a escassez de braços para a produção criou as condições para integrar totalmente esta inovação no processo produtivo).
Sendo assim, o que resultará desse processo?
O futuro.
Mesmo que algumas pessoas queiram ficar agarradas a um passado de grandezas reais e imaginárias que se tornaram entretanto impossiveis de sustentar.
Há tantos exemplos na história sobre o futuro dos reaccionários (sem juízos de valor, reaccionários no sentido etimológico, os que reagem à mudança).
henrique pereira dos santos

4 comentários:

joserui disse...

Permita-me discordar. O comentário não tem interesse nenhum. Faz parte de uma lenga lenga, que esse, tretas, dentes e outros postam por todo o lado com uma energia assinalável.

"O segundo aspecto interessante é a ideia de que a miséria (ou, sendo menos radical, a frugalidade) é sempre sustentável. Nada de mais incerto."
Nada de mais errado, não incerto (se bem que depois parece que é isso que quer dizer). Sociedades no passado desapareceram sendo miseráveis. Aliás, a miséria seguiu-se frequentemente ao auge.
Sem o terramoto, há o exemplo do Haiti agora muito falado. Uma sociedade miserável e absolutamente insustentável, o que tem levado a maior miséria. Algumas opções estratégicas (ou casuísticas, não sei) de um lado e de outro da fronteira (tanto das potências coloniais como dos ditadores sanguinários seguintes), ditaram o futuro de duas sociedades na mesma ilha.

O HPS ainda não entendeu que os mencionados comentadores não estão dispostos a pagar ou apoiar nada que seja ambientalmente benéfico. Porque isso é fazer o jogo dos perigosos ambientalistas, candidatos a ditadores, governo mundial, fraudes e sei lá que mais. A lenga lenga. -- JRF

Henrique Pereira dos Santos disse...

O Eduardo, tantoquanto percebo, estaria disposto a pagar um pão diferente. Mais do que o que as pessoas dizem interessa o que fazem, e na verdade ao ter disponibilidade para pagar um pão diferente está-se a casar (mesmo que seja inconscientemente) a economia e a ecologia.
henrique pereira dos santos

Eduardo Freitas disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos,

Desculpar-me-á se reclamar para mim cuidar da minha própria consciência e lhe dispute a si a "bandeira" da ecologia.

Não lhe assiste o direito, a si ou a outros que por aí andam a comentar sobre comentários irrelevantes ou disparatados, de considerar que me preocupo menos com a desflorestação do que o Henrique Pereira dos Santos (apesar de agora não me recordar de referências suas a esta matéria).

De igual modo reclamo também como minha a preocupação pela ocupação desenfreada de terrenos agrícolas por essa autêntica praga do biodiesel, como já do tempo do etanol, decorrente de práticas subsidiadas desastrosas, economica e emabientalmente.

Nunca poderei aceitar que as suas preocupações ambientais sejam de ordem mais relevante que as minhas, nem lhe reconhecerei que negue aos habitantes deste planeta que (sobre)vivem miseravelmente, a possibilidade, estreita, de sairem da pobreza endémica a bem de uma certa "ecologia" ontológica.

Todavia, e aí estou estou totalmente de acordo consigo, reconheço a imperiosa necessidade de injectar racionalidade económica às "igrejas" ambientalistas. Estou covencido, como Gary Becker, que será a melhor forma de defender eficazmente o Ambiente. E o Homem.

Nuno disse...

Caro Eduardo,

Está a ver o ambientalismo pelos seus estereótipos, e escapa-lhe a complexidade que resulta da transversalidade do movimento á sociedade, como poderia comprovar lendo os comentários habituais do blogue. Não faltam debates.

A prova dessa diversidade é que o Eduardo admite, felizmente, que tem valores ambientais que tem como importantes e que partilha com outros, apesar da discordar em questões políticas e culturais. Não é uma "bandeira" de ninguém, como diz- é de todos.

É possível concordar e discordar com a mesma pessoa, também não compreendo esta inflexibilidade. É possível ser defensor da Educação e da Saúde e discordar de estratégias, é igual para o Ambiente, não se pode é partir para o estereótipo e fechar pontes de diálogo.

Não faltam pontos de discórdia no Ambientalismo, que engloba diversas formas de estar mas com fortes objectivos comuns- não se confunda também isto com pensamento único.

Se se preocupa com os terrenos agrícolas saiba que foi criada por membros do Ambio uma petição para defesa da RAN, já com milhares de assinaturas. Saiba também que os supostos benefícios de uma estratégia energética apoiada no Biodiesel são amplamente disputados pela generalidade dos ambientalistas. De onde tirou a ideia que os ambientalistas são contra o desenvolvimento do
3ºmundo, a mais velhinha e incompreensível crítica gratuita ao movimento? Os maiores "heróis" do ambientalismo vêm frequentemente do 3ºmundo, do Chico Mendes á Wangari Maathai.

Como está convencido de que existem "igrejas" ambientalistas convido-o a comparecer a uma qualquer reunião de uma ONGA, para ver se encontra algo mais do que um grupo de pessoas (normalmente minusculo) a procurar dar o seu contributo á sociedade, com ou sem grande sucesso. Depois dessa experiência pode manter a mesma opinião mas pelo menos pode dizer que sabe do que está a falar.

Infelizmente em Portugal desconfia-se muito e participa-se pouco em movimentos cívicos, fruto de hábitos antigos de repressão e vigilância o que faz com que Portugal seja dos paises europeus com menor participação da população em ONG's. Parte-se sempre com muita facilidade para o desdém.

Está sempre á vontade para discordar com argumentos "fortes" sem prejuízo do respeito mútuo.

Nuno Oliveira