quarta-feira, novembro 16, 2011

Carta Aberta para Isabel Tavares

Minha Senhora,
Comprei hoje o Jornal I estritamente por causa da sua manchete principal: "Ambiente. Negócios de milhões nas mãos da máfia verde".
Nas suas páginas 2 e 3, em grande destaque está uma coisa escrita por si que li, cada vez com mais estupefacção.
O que gostaria de lhe perguntar com esta carta é se dorme bem de noite. Se quando se olha ao espelho não cora de vergonha. Se consegue olhar as pessoas comuns olhos nos olhos depois de escrever, o que é o menos, e publicar, o que é extraordinário, coisas como isto que o I tem hoje nas suas páginas 2 e 3.
Eu sei, a vida está difícil para todos e talvez eu deva ter alguma moderação no juízo moral sobre o que li e, sobretudo, sobre a pessoa que o escreveu.
Peço desculpa, pois, desta primeira parte desta carta e sigo directamente para o que escreveu, lembrando-me de como as voltas da vida podem levar qualquer um a fazer coisas que em circunstâncias normais nunca acharia eticamente aceitáveis.
É verdade, todos temos fraquezas inexplicáveis e deveria ter-me lembrado disso antes de escrever o que escrevi sobre si.
Vamos então ao que escreveu.
O texto principal vem acompanhado de duas pérolas: uma espécie de entrevista ao Secretário de Estado do Ambiente (que o jornal destaca positivamente na sua última página exactamente por querer mexer no pântano que se pretende descrever no texto principal) em que anuncia o fim da Reserva Ecológica Nacional e outras minudências que dão cabo da economia, e quatro bolinhas seguidas de texto sobre casos concretos que demonstram o que está escrito no texto principal.
Transcrevo a primeira dessas bolinhas: "Um projecto de 20 milhões esteve parado seis meses porque o ICNB garantia a existência de um aquífero. Afinal, o aquífero era, na fotocópia, a marca da dobra do mapa original". Posso fazer-lhe algumas perguntas de algibeira? Quem lhe disse isso? O que disse o ICNB sobre o assunto? Que projecto era esse? Que razões levam um promotor a aguardar pacientemente seis meses sem verificar a causa da paragem? Consultou o processo?
O resto das coisas andam pelo mesmo rigor jornalístico e as perguntas poderiam multiplicar-se.
No texto principal apenas três pessoas são citadas (diz-se que porque os outros têm medo). Quem são as pessoas? O mesmo Secretário de Estado, um dos maiores e mais eficazes lobistas nacionais, Ângelo Correia (um reconhecido especialista nestas matérias já que presidiu à Comissão Parlamentar do Ambiente. Já agora, em que anos?) e Margarida Cancela de Abreu, atacada de forma baixa, anónima e sem direito a defender-se.
De resto existe um promotor estrangeiro (quem?), um promotor nacional que diz que pagou 200 mil euros por um EIA e 100 mil de taxas à APA (verificou a informação? Quem é o promotor? Qual é o projecto? A que dizem respeito as taxas? E são desse montante?) e coisas assim.
Bocas, nada mais que bocas que atingem terceiros que a Senhora achou dispensável ouvir. O ICNB (e seus funcionários), a QUERCUS, a LPN, Margarida Cancela de Abreu e por aí fora.
O melhor a Senhora guardou-o para o fim "Para Ângelo Correia, parte da solução passaria por uma separação clara entre o que são entidades como a Quercus ou Liga para a Protecção da Natureza e o Estado. Por outro lado, seria fundamental criar padrões standard sobre o que se pode ou não tolerar e deixar isso escrito e objectivado para que todos possam conhecer as regras".
Como? Terei lido bem? O poderoso, o fantástico, o conhecedor Ângelo Correia não consegue distinguir o Estado da QUERCUS e da LPN? E a Senhora compra isto? Porquê? Porque foi verificar situações de promiscuidade? Porque viu decisões tomadas com base nas opiniões destas ONGs (ou outras)? Porque foi estudar como se tomam as decisões? Porque foi avaliar quer as regras, quer a prática de decisão nesta matéria? Comparou, por exemplo, a promiscuidade de interesses nos processos PIN com outros processos? Foi verificar se nas decisões é mais fácil os promotores se fazerem ouvir ou o movimento ambientalista?
Francamente, acha normal o que escreveu?
Que existe tráfico de influências não tenho a menor dúvida (e muito menos terá Ângelo Correia).
Mas jornalismo não é isto, não é passar bocas idiotas de lobistas.
O Governo quer continuar a magníficia obra dos Governos Sócrates no desmantelamento da regulamentação de protecção de bens difusos, quer acabar com a REN na sequência da morte da RAN decretada por Sócrates e Jaime Silva?
Nada contra, há dezenas de alterações que eu próprio tenho em carteira para propôr, mas isso fará parte do processo normal e transparente do debate político.
O que lhe pergunto é o que tem a Senhora com essa agenda? A sua opinião dê-a onde entender e quando entender, livremente, mas não tente passar agendas de terceiros como se fossem notícias de jornal.
É que quando os transitórios donos do poder já de lá tiverem saído, a Senhora ainda terá de escrever para jornais. Jornais esses que as pessoas compram à procura de notícias.
Para propaganda, mais a mais rasca, como esta, bastam, para as pessoas comuns, os tempos de antena e coisas que tal.
Já agora, se quiser passar por este blog verá dezenas de textos meus criticando o movimento ambientalista, o tráfico de influências em matéria ambiental e a confusão entre associações e empresas de serviços. Aproveite que tem muita matéria para escrever sobre o assunto, com dados concretos que lhe permitem verificar a informação e assim deixa de depender de lobistas como Ângelo Correia, cuja miopia na matéria (directamente relacionada com os seus conhecidos interesses próprios) a conduzem a parvoíces como as que escreveu que, infelizmente para si, só a prejudicam.
As pessoas comuns não são autómatos estúpidos que engolem qualquer coisa só porque está escrita num jornal.
E quem lhe paga o ordenado, espero eu, são os seus leitores, não são os lobistas.
henrique pereira dos santos

13 comentários:

mms disse...

Mau jornalismo é uma coisa tramada. Chega até a ser revoltante quando estamos dentro do assunto e o reconhecemos como enganoso. Creio que para este artigo se justificava uma resposta profissional (de bom jornalismo, ie, uma compilação e edição de factos) enviada ao jornal i. Será que a apap (qq outro membro da direcção excepto a MCA) poderia fazê-lo?

Anónimo disse...

"E quem lhe paga o ordenado, espero eu, são os seus leitores, não são os lobistas."

O jornal i quase não tem leitores e é sustentado quase a 100% pelo grupo lena construções...

A publicidade é outra fonte de possíveis receitas,mas não havendo leitores é difícil..

Abraço

Rui Rufino disse...

Caro Henrique,

O teu comentário não poderia ser mais oportuno e certeiro. Este texto não é jornalismo é uma peça de propaganda. Seria interessante saber quem a encomendou.

A propaganda continua na última página do Jornal i onde há uma rubrica que se chama Semáforo e onde o secretário de estado Pedro Paulo Afonso é apresentado a verde e dele se diz que ele quer mexer no pântano.

Advinham-se dias muito difíceis para o ambiente em Portugal. Os promotores já começaram a fazer o seu trabalho de casa será que as ONG's e a sociedade civil estarão à altura do desafio que têm pela frente?

Abraço,

Rui

aeloy disse...

Venho dar as maiores felicitações ao Henrique por dar voz adequada ao enorme descontentamento com que li o infame artigo, de bocas, bocas e bocas, sem fontes crediveis e claramente por encomenda (fácil ver de quem!).
O desasombro e coluna vertical são registos incontornáveis, de quem põe a boca nas palavras certas.
Muito obrigado.
António Eloy
Escusado será dizer do meu reforço, sem quaisquer dúvidas, à cidadania (e isto quer dizer tudo) de Margarida Cancela de Abreu, vilmente referida nesta encomenda

Anónimo disse...

A LPN já reagiu:
http://www.lpn.pt/LPNPortal/userFiles/File/CI_Jornal%20i1.pdf

Rui Rufino disse...

Henrique,

Deixo-te mais um comentário com uma informação que talvez possa contribuir para o enquadramento desta peça do Jornal i.

De acordo com a informação divulgada no site da ERC este jornal é propriedade da empresa sojormedia capital, SA.. Esta, por sua vez é detida a 95% pela Flash press SGPS, SA, esta é detida a 61% pela Lena comunicação SGPS, SA. e por fim esta é detida a 55% pela Lena SGPS, SA.

Um abraço,

Rui

sofia vaz disse...

resposta excelente. também achei o artigo, no mínimo mau jornalismo, e no máximo ...

aeloy disse...

Pois tinha escrito um comentário a felicitar o Henrique por este desmascarar de um artigo de encomenda, nada que seja de admirar do novo director do I (ver:http://signos.blogspot.com/search/label/ambio), que se terá perdido.
O nosso jornalismo anda pela sarjeta, procurando neste caso salpicar de lama pessoas de integridade e serviço público exemplar, misturadas com ilusionistas enfatuados a que se dá (o tal directorzeco que já levou vários jornais à falência) crédito.
A "estagiária" que escreveu deve ter feito o que lhe mandaram.
António Eloy

Anónimo disse...

Ao contrário do que por aqui se disse, o jornal i não pertence ao Grupo Lena, tendo sido vendido há algum tempo ao empresário Jaime Antunes, mandatário concelhio do PSD em Ourém nas recentes legislativas e ex-candidato à presidência do SLB (derrotado, vejam lá, por Vale e Azevedo)... Atenção que o Grupo Lena também tem à venda a sua área de Turismo, pelo que...

ASC

Anónimo disse...

Acho o artigo não insano nem infame. Em alguns aspectos embarca numa corrente favorável à de algumas considerações que têm sido escritas neste blog, algumas pelo próprio Henrique Pereira dos Santos. O facto de haver uma área no governo a pretender pôr um travão no tráfico de influências entre algumas ongas-empresa e o Estado, deveria ser aplaudido por si. Aliás não sei até que ponto o Henrique não influenciou determinantemente essa corrente de opinião. Agrada-me também que alguns péssimos feitios que ditam pareceres e tomam decisões no ICNB sejam postos na linha. Não sei se será o caso da Margarida Cancela do Alentejo. Mas sei que existem outros cuja arrogância, má educação e outros atributos merecem o tom com que o artigo é escrito.

Anónimo disse...

Anónimo último:

A questão não está aí. Está no facto de não se citar um único, um só, facto concreto para as afirmações que se fazem. Digo isto sem ter nada que ver com qualquer das pessas citadas, com o tema em causa, com coisíssima nenhuma. Mas não preciso de nada disso para reconhecer péssimo jormalismo quando o vejo, e em particular uma peça de encomenda.

Era bom que as pessoas começassem a exigir um mínimo de seriedade à imprensa, independentemente do tema, interesses, etc. A ética á uma coisa transversal. E a exigência é uma obrigação que nos toca a todos.

IsabelPS

Anónimo disse...

Sim, faltam os factos, pequeno erro da jornalista pois bastaria remeter os leitores do artigo para este blog.

Thiago disse...

Uma nova linguagem musical da Amazônia para o mundo.
A Música Universal das Linguagens (baseada nas vocalizações dos animais - Sem plagiá-los) é um pequeno ramo da “Música Transmórfica". A Música Transmórfica, foi criada pelos compositores paraenses, Albery Albuquerque e Thiago Albuquerque que se manifesta sobre, através e além das formas percebidas e não percebidas pela consciência humana. Este novo e gigantesco sistema musical transmórfico, trabalha com a simultaneidade entre arte e ciência.
Quem estiver interessado em conhecer essa nova música, ou quiser ouvir alguma conferência, ou audições comentadas (que como já dissemos, tem uma de suas vertente que é essencialmente ecológica e ambientalista) entre em contato pelo nosso e-mail: guirapuru@gmail.com

Links que demonstram a música transmórfico em nível ecológico e ambientalista:
http://www.youtube.com/watch?v=Yty2_aAMcGw

http://www.youtube.com/watch?v=VVXeIcHpQZA

http://www.youtube.com/watch?v=6HAeYagbka8

http://www.myspace.com/alberyalbuquerque