quarta-feira, setembro 05, 2012
ONGs e fogo: um caso ignorância militante
Comecemos pelo título. Ali em cima não está escrito "as ongs" mas apenas "ongs". A razão é simples: insisto que o movimento ambientalista é bastante mais vasto que as direcções das ongs mais vocais, e que há muitas ongs em Portugal para além das que vivem dos jornais. Resumindo, este post critica duas posições concretas de duas ONGs, não critica genericamente as ONGs, como às vezes me dizem que faço.
Este post resulta de duas posições recentes de duas ONGs: esta, da QUERCUS e este texto, aparentemente vindo directamente dos estúdios da Walt Disney, da LPN.
O da QUERCUS tem pouco interesse, insere-se na esperteza saloia de aproveitar todos os pretextos para dar rédea solta aos traumas de alguns militantes influentes da QUERCUS em relação aos eucaliptos.
Os momentos iniciais da QUERCUS, e o crescimento rápido da associação, foram feitos em torno da luta contra a eucaliptização do país dos anos 80 e foram perfeitamente justificados face ao que então se passava na matéria, face aos modelos de gestão adoptados pelas celuloses e administração florestal e face ao conhecimento que então havia sobre o assunto.
Mas a persistência das mesmas posições face aos eucaliptos, melhor dizendo, a transferência das mesmas posições face à eucaliptização para o eucalipto, trinta anos depois, revelam um reaccionarismo que não tem correspondência do lado dos produtores.
Os produtores, em especial os tecnicamente mais evoluídos, de que se destacam as celuloses, souberam aprender com os erros e, por pressão do mercado, em especial via certificação (a QUERCUS opõem-se ferozmente à certificação ambiental de plantações de eucaliptos), mudaram de modelos de gestão e têm hoje uma postura muito mais moderna e aberta que tinham então.
A QUERCUS não, cristalizou em posições trogloditas sobre a exploração de eucalipto, sendo que hoje, ao contrário do que acontecia nos anos 80, quase não tem apoio na academia e nos meios científicos que estudam a matéria por ser impossível encontrar fundamento técnico e científico para as posições da QUERCUS na matéria.
É aqui que entronca a proposta delirante de "travar" a expansão de eucaliptos nas áreas ardidas durante uma década. É uma proposta tecnicamente inexequível (a QUERCUS aparentemente esquece regras básicas que condicionam a dinâmica da vegetação após fogo), um duplo castigo para os proprietários (que evidentemente se estarão nas tintas para o que quer a QUERCUS e continuarão a gerir a regeneração natural das suas propriedades em função do que lhes parecer melhor) e sem qualquer fundamento em problemas de conservação identificáveis, já que a maior parte da área que arde tem matos, exactamente porque ninguém achou interessante, até hoje, alterar esse uso para um uso florestal.
A mim, que desde muito cedo me envolvi na actividade da QUERCUS, que a apoiei em muitas alturas (como faço quando me pedem, e não faço mais porque a QUERCUS não tem interesse nas propostas que fui fazendo, mesmo as que são do estrito campo do voluntariado) e que defendo um movimento ambientalista forte, entristece-me ver organizações como a QUERCUS presa pelos fantasmas ideológicos de meia dúzia de pessoas.
Tomemos agora o texto poético da LPN, que traduz também uma ideologia sem fundamento racional, filha da ignorância militante.
A LPN fala de um fogo de há meia dúzia de dias. Mas, sem qualquer avaliação, já concluiu que se perdeu imensa biodiversidade, que se perdeu uma das melhores áreas de bosque Mediterrânico (a maíuscula é da LPN, não minha) da serra e muitas espécies perderam as suas casas (grande Walt Disney, quase 50 anos depois da tua morte ainda chegas tão fundo no cérebro de tanta gente). E acrescenta que "Pelo tempo que a natureza leva a recuperar o que em tão poucos dias se perdeu, muitos habitantes locais jamais voltarão a ver a Serra como sempre a conheceram".
Hoje, e antes da próxima Primavera, nem a LPN, nem eu, nem ninguém, pode dizer com alguma segurança o que foi ou não foi afectado, porque isso depende essencialmente da reacção dos organismos vivos, em especial plantas, que lá estão neste momento (quer os muitos indivíduos de plantas que não morreram, mesmo que a sua parte aérea tenha sido queimada, quer as muitas sementes que terão agora uma melhor oportunidade para se transformarem em novos indivíduos).
Que diabo, neste caso nem é preciso estudar muito, basta dar dois passos para o lado e ver o resto da serra que ardeu em 2004. E se forem pessoas muito novinhas que acham que antes dos fogos aquilo eram uns sobreirais imensos, maduros, complexos, com 500 anos, que leiam qualquer coisinha, são só meia dúzia de cliques na net. Que peçam a pessoas que habitualmente colaboram com a LPN e que são os responsáveis pelas avaliações após fogo que lhes expliquem as taxas de sobrevivência dos sobreiros em torno dos 80%.
Que vão verificar que é exactamente nas melhores manchas de matas e matos mediterrânicos que a regeneração se dá com mais sucesso, com mais força e com mais rapidez.
E se ficarem espantados e quiserem saber por que é assim, estudem um bocadinho de dinâmica da vegetação após fogo, concentrem-se na disponibilização do fósforo nas cinzas dos fogos e o seu papel na regeneração natural.
E se quiserem, comprem uns livrinhos com fotografias nos alfarrabistas e olhem para a serra dos anos vinte (vejam por exemplo o catálogo feito para a exposição portuguesa em Sevilha, 1929) que tem uma fotografia (um cliché, como se dizia na altura) fabulosa da serra, nua, nua, nua como dificilmente se vê a terra, como constatou Caetano Veloso quando estava preso.
A militância é, em si mesma, uma coisa boa. Mas aplicada à ignorância não dá grandes resultados.
O problema é que são textos assim, pessoas assim, organizações assim que contribuem para o miserável nível técnico da discussão sobre os fogos.
O que fatalmente conduz a políticas igualmente miseráveis, quando avaliadas pelos seus resultados, mas sumptuárias, quando avaliadas pelos meios disponibilizados pelos contribuintes.
henrique pereira dos santos
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6 comentários:
Olá Henrique,
Peço desculpa pelo off topic, mas lancei há uns tempos o desafio de descobrir as origens do termo do vento "Suão", assunto que também você andou a discutir nos últimos anos neste blogue.
Mas aparentemente, quanto mais se pergunta, menos se descobre:
http://www.meteopt.com/forum/meteorologia-geral/vento-suao-6628.html
Pois, também desisti nesse ponto. Fiquei a saber que sabia menos do que pensava e já não foi mau.
henrique pereira dos santos
Na verdade, o Fogo é vitíma do preconceito; na região centro, vemos cada vez mais belissímos prados e matos, onde não há muito dominavam horrendas plantações de pinheiros e eucaliptos. A luta para salvar a "floresta" não é nossa. Os proprietários que paguem a "guerra" ou deixem o "petroleo verde" arder!...
Henrique:
Gosto muito de ler os seus textos pela inteligência e racionalidade que põe a abordagem dos temas; mesmo que não concorde com um pormenor ou outro, o que é absolutamente normal.
Mas faça um favor, não ponha o «s» a seguir aos Acrónimos ou às Siglas.
Faça o seguinte exercício de racionalidade:
ONGs:
O de Organizações
N de Não
G de Governamentais
E agora o «s» é o quê?
Portanto, ONG traduz a Sigla no plural e no singular.
Veja:
O de Organização
N de Não
G de Governamental
Seja económico, poupe o «s».
E trate bem a Língua de Camões.
Já basta de atropelos feitos por gente pouco inteligente, a quem os «media», e o seu imenso poder, ampliam esses erros como nunca antes aconteceu.
É preciso que alguém diga BASTA de erros e de calinadas na Língua, e pratique esse BASTA.
Desculpe-me a inconveniência, mas não suporto a trivialidade e a generalização do abastardamento da Língua, muito menos por gente inteligente.
Caro António Pedro Pereira,
Agradeço o seu comentário, mas na verdade, sobre esse assunto, não há unanimidade:
http://www.flip.pt/Duvidas-Linguisticas/Duvida-Linguistica.aspx?DID=1570
ou
http://www.ciberduvidas.pt/pergunta.php?id=5385
Ou melhor, os que tendem a usar a língua com base estritamente na lógica gramatical (o caso do seu comentário e, sempre que a tanto em chega o conhecimento, de maneira geral é também a minha opção) defendem que a fórmula correcta é os acrónimos não terem plural, excepto quando eles próprios se tornaram palavras "autónomas".
Os que tendem a deixar a língua evoluir a partir do que as pessoas realmente dizem (uma tendência que, como me parece que acontece consigo, me irrita, em especial quando levada ao extremo) entendem que o plural dos acrónimos é razoável, nunca com o apóstrofo que às vezes se vê (e que deixei de usar ao me aperceber do erro).
No caso concreto de alguns acrónimos muito vulgarizados, como ONG, tenho optado por usar o plural por me parecer que a leitura fica mais fluida e o texto mais inteligível.
Posso um dia destes voltar a pensar no assunto e talvez me decida a usar a fórmula mais purista.
Ainda não decidi mas obrigado pelo comentário. Correcções de português agradeço sempre.
henrique pereira dos santos
Henrique:
Quando é que os Acrónimos não são «palavras» autónomas? Não percebi.
A lógica gramatical não é tão elástica que suporte tudo.
O linguarejar popular, por mais banal e generalizado que esteja, normalmente não entra na lógica gramatical. Por isso há o cânone erudito, que dirige as Línguas.
As incorporações «espúrias» só forçam a lógica gramatical depois de muito depuradas pelo tempo, o que não é o caso.
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