quarta-feira, setembro 17, 2008

A recuperação da vegetação autóctone

Volto a retirar de um comentário anterior:
"...assisto, desde há algumas décadas, a incêndios sucessivos e à recuperação subsequente dos matagais, num ciclo aparentemente interminável. Honestamente, não vejo nada a recuperar duravelmente e até os pinheiros vão desaparecendo, mas pode ser que haja nichos em que tal aconteça (no Google Earth, que não nos deixa mentir, não descobri nada de substancial)".

Este parágrafo refere-se ao PNSAC.
Não vou repetir o que escrevi neste post e nos três anteriores, que aliás é uma transcrição do que está nos trabalhos preparatórios do seu plano de ordenamento.
Mas retiro alguns dados.
Para a totalidade do período de 15 anos avaliado teria ardido cerca de 35% do PNSAC, pelo que o ciclo de fogo, quando globalmente considerado, seria na ordem dos 45 anos. Contrariando a ideia expressa (e muito frequente no senso comum) de que há incêndios sucessivos nos mesmos locais, quando se avaliam as áreas que nesse período de 15 anos arderam duas vezes a percentagem reduz-se para 7,5% da área protegida. E se se encurtar o período considerado de 15 para 8 anos, a percentagem da área protegida que ardeu duas vezes em oito anos é já apenas de 5,5% e abaixo de 1% quando se reduz o período para três anos. Ou seja, as áreas com fogos sucessivos são claramente marginais no conjunto da área protegida já que mais de 90% da área protegida arde com intervalos de pelo menos oito anos (é bom recordar que 65% da área protegida nunca ardeu em 15 anos).
Em consequência pode concluir-se que o regime de fogos não só se não caracteriza por fogos sucessivos como os ciclos de fogos são claramente compativeis com recuperações poderosas, sobretudo nos calcáreos, como é o caso (nos xistos da Serra da Estrela a questão é mais delicada e dificilmente usaria um intervalo de menos de 12 anos para fazer esta análise).
O outro aspecto interessante do comentário que transcrevi é a expressão da ideia de que o google earth não nos deixa mentir (ou se quisermos as imagens aéreas). Ora esta ideia não tem fundamento. A distinção de um matagal de carrasco ou de uma zona de intensa recuperação de azinheira é virtualmente impossível sem ser no local. E na verdade posso garantir que muito do que qualquer pessoa preparada e experiente classifica como matos na interpretação das fotografias aéreas é mesmo regeneração de azinheira no PNSAC. Por essa razão se chegaram a executar projectos de recuperação do azinhal que partiam desta realidade para a condução em altura da azinheira proveniente da regeneração natural (desconheço os resultados e desconheço o impacto do fogo porque há anos que não acompanho este pojecto mas é para mim evidente que áreas intervencionadas desta forma deveriam constar como prioridades das prioridades em matéria de supressão do fogo, pelo menos durante o processo de transição de matagal para povoamentos maduros).
O verdadeiramente relevante é que no processo de transição da situação inicial para as matas maduras que virão, retardado pelo regime de fogos mas não liquidado, (aconselho quem se queira documentar a olhar para as fotografias de meados do século XX da monografia "O maciço calcáreo estremenho" de Fernando Martins, espero não me enganar no nome do autor), mesmo vendo-se ainda hoje sobretudo matagais, está percorrido um longo caminho desde a pedra quase nua a perder de vista que tínhamos inicialmente, eventualmente com oliveiras mais ou menos dispersas (uso do solo que se reduziu em 80% entre1958 e 2005).
Olhar para um retrato não nos permite perceber se alguém fotografou um estalo ou uma festa na cara de outra pessoa. Só o tempo dá significado ao momento retratado e nos permite fazer interpretações consistentes e é o que passa na recuperação da vegetação autóctone.
henrique pereira dos santos

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