Dando continuidade a uma resposta minha a este post do HPS, resolvi enviar um e-mail à empresa que produz o vinho em causa (Quinta do Côtto), no dia 1 de dezembro. Recebi ontem a resposta do CEO da empresa (Sr. Miguel Champalimaud), datada de 16 de dezembro.
Penso que a resposta, aparentemente pública, é muito interessante, e surpreendente pela forma e conteúdo. Sendo bastante extensa, merece uma análise cuidadosa, mas para já não queria privar os leitores do Ambio da leitura da resposta.
Em breve procurarei transmitir a minha interpretação da resposta num terceiro post sobre esta matéria, que me parece muito relevante pela atualidade e pela visão sobre ambiente, comércio e conservação.
O texto do meu e-mail à Montez-Champalimaud foi o seguinte:
Ex.mos Srs.,
Recentemente foi publicado nos meios de comunicação escrita um anúncio do seu conhecido vinho Quinta do Côtto, no qual se destacava o facto da tradicional rolha de cortiça ser substituída por um vedante tipo "screwcap".
Este anúncio foi recebido por muitas pessoas com desagrado e reprovação, considerando o facto de a rolha ser um elemento importantíssimo na sustentabilidade económica de um ecossistema característico de Portugal e de elevadíssimo valor ambiental e social: o montado de sobro. Com o exemplo que a sua empresa está a dar, mostra a sua insensibilidade para a preservação do montado de sobro e, com ele, todo um sistema socio-económico das zonas rurais de Portugal.
Estou plenamente ciente das vantagens comerciais dos screwcaps, mas também estou em crer que a utilização da rolha como evidência do empenho ambiental e social da sua empresa e do contributo que dá à sustentação de um elemento que pertence à herança ambiental e cultural de Portugal. A rolha é, em vez de um problema meramente técnico, uma excelente oportunidade de comunicação com o exigente público consumidor dos seus (excelentes, que se diga) vinhos.
Para ver que o seu anúncio não ficou despercebido, veja: http://ambio.blogspot.com/2009/11/por-mim-boicoto.html
Com os meus melhores cumprimentos,
Henk Feith
Segue aqui a resposta:
Apreciadores de Vinhos e Outros
Assunto: ScrewTop /TampadeRosca /Quinta do Côtto
Na sequência da recente campanha publicitária ao vinho Quinta do Côtto, chegaram-me algumas reacções à mesma.
Sendo minha opinião que todo o debate de ideias, é útil, é com agrado que a ele me submeto, respondendo directamente àqueles que se me dirigiram e indirectamente àqueles que sobre a matéria, vinho e vedantes, têm curiosidade e opinião.
Para simplificação da elaboração dos meus comentários/resposta às reacções, dividi-os em quatro grandes tipos, a saber:
A. A gente da indústria corticeira, ex. APCOR, Ecologicalcork.com, Empregados das Corticeiras, etc, etc,.
B. A gente do Viva a Pátria, ex. cortiça produto nacional, a preservação do montado de sobro, do ambiente, de todo um sistema socioeconómico das zonas rurais de Portugal, ecossistemas únicos, etc, etc.
C. A gente da tradição dos costumes, do produto natural, etc, etc.
D. A gente da retaliação e boicote, etc, etc.
ROBERT PARKER disse:
“Acredito que em 2015, vinho engarrafado com rolhas será uma minoria. A indústria da cortiça não investiu em técnicas que evitem a transmissão ao vinho do sabor e aroma a rolha, que arruínam até 15% de todo o vinho engarrafado”.
Eu, MIGUEL CHAMPALIMAUD, digo:
“Sou a favor da inovação, da qualidade e modernidade do vinho”;
“sou a favor da verdade achando que chegou a altura de assumirmos, ao nível da indústria-vinícula, o que há mais de 40 anos, por razões óbvias, se usa em todas as universidades e ou centros de investigação vinícola, os screwtops/tampasderosca, único sistema vedante que garante eficazmente o não contágio do vinho que se encontra na garrafa, por produtos aromas e sabores que lhe são estranhos”;
“sou a favor da eficácia e produtividade e contra as falácias e os preconceitos que só defendem e servem aqueles que estão instalados à custa do bem-estar e pobreza de terceiros”;
“numa garrafa de vinho, a rolha é apenas uma matéria subsidiária, um vedante que deveria preservar o vinho que a garrafa contém e nunca arruiná-lo”;
“sou a favor dos ventos da História, recusar o progresso científico e tecnológico de nada serve, nem serviu então àqueles que, no seu tempo, foram a favor da destruição das máquinas a vapor”.
1. Dito o que, é minha convicção, sinto e penso, permitam-me deduzir e aduzir alguns argumentos e factos sobre a matéria, screwtops/tampasderosca versus rolhas de cortiça, a saber:
1.1 A gente da indústria corticeira é a única responsável pelas dificuldades com que se debate a rolha de cortiça e os produtores de cortiça. Ao não investirem há muitos anos na qualidade e fiabilidade do produto e aumentando desmesuradamente os preços das rolhas, abriram espaço aos novos vedantes nomeadamente às screwtops/tampasderosca. Os produtores de cortiça constituindo o elo mais fraco do sistema, não deixam de ser responsáveis de, pela sua falta de reacção, individualismo e passividade, terem permitido que se tenha constituído um quase monopólio no lado da industria que, abusando da sua posição dominante a montante e a jusante, sugou até ao tutano a industria vitivinícola nacional e internacional.
1.2 A gente do viva a Pátria como sempre e é próprio da História recente de Portugal, é um grupo social, reaccionário, que a coberto do amor dos outros pela pátria e do interesse dito nacional, se enriquece diariamente, empobrecendo todos os dias todo o país, pelo que nada mais há para lhe dizer, a não ser que há muito, ninguém acredita neles.
1.3 A gente da tradição dos costumes, do produto 100% natural, não resiste à realidade dos factos que todos vêem e eles não querem ver. Como todos sabemos na indústria vinícola, a rolha de cortiça como vedante de vinho, não é parte da tradição e costume. Há poucos anos (40 a 50), a tradição e o costume do vinho em todo o lado, era ser servido e bebido a partir da pipa, pelo que cai pela base a alegada ancestral tradição e costume de vedar as garrafas de vinho com rolhas de cortiça. Quanto ao 100% natural, não vêem nem querem ver o que todos na industria da cortiça e vinícola sabem há muito - todas as rolhas de cortiça são hoje tratadas com diversos produtos químicos, visando obter rolhas que em contacto com o vinho não lhe transmitam poeiras, odores e sabores alheios ao vinho que é suposto preservar, como vedante da garrafa em que são utilizadas.
Cito um pequeno exemplo constante do site Lusowine.com, António Amorim, defendendo como lhe compete a indústria da cortiça, falando das rolhas técnicas como a grande solução, diz: “Nas colagens são utilizados aglutinantes quimicamente estáveis, e mecanicamente muito resistentes”.
Diria, eu, pela indústria corticeira, são utilizadas colas químicas estáveis, segundo o Senhor António Amorim, o que não nos garante nada, na medida em que o Senhor António Amorim é interessado directo na afirmação de que tais aglutinantes ou melhor dizendo, colas, são quimicamente estáveis e não vão mais tarde ou mais cedo transmitir odores e sabores ao vinho com o qual por força das coisas estão em contacto.
1.4 A gente da retaliação e boicote, não representam mais do que a reacção de um grupo de pessoas com falta de informação e ou a mando e no interesse de terceiros que, na falta de argumentos sólidos para atacarem o moderno sistema dos screwtops/tampade rosca e defenderem o antiquado sistema de rolha de cortiça com o seu elevado deficit de fiabilidade/qualidade e custo 5 a 9 vezes mais elevado que o screwtops/tampaderosca, fazem consciente ou inconscientemente, o jogo de quem, ao abrigo de um quase monopólio e permanente abuso de uma posição dominante, usa e abusa da indústria vinícola nacional e internacional, enriquecendo ilicitamente à custa do empobrecimento daquela.
2. Antes de terminar, a título pedagógico e para reflexão de todos os interessados, deixo factos, comentários e perguntas que abaixo se transcrevem e que agradecia originassem reflexão, comentários e respostas:
2.1 a tampaderosca evita mão de obra penosa em casa e na industria hoteleira;
2.2 a água mineral com gás ou sem gás, há muito que deixou de usar cortiça como vedante;
2.3 a cerveja há muito que deixou de usar cortiça como vedante;
2.4 os medicamentos há muito que deixaram de usar cortiça como vedante;
2.5 os refrigerantes há muito que deixaram de usar cortiça como vedante;
2.6 uma tampa-de-rosca custa cerca de 1/5 a 1/9 de uma rolha de cortiça e a respectiva cápsula;
2.7 um produtor de vinho paga mais dinheiro por uma rolha de qualidade do que recebe pela venda a granel do respectivo vinho (refiro-me a 0,75 lt);
2.8 de acordo com dados da industria estima-se que cerca de 65% do vinho engarrafado vendido no mundo é comprado por mulheres;
2.9 estima-se ainda que 75% das mulheres que compram e bebem vinho têm dificuldade em abrir uma garrafa de vinho usando um saca rolhas;
2.10 de acordo com o norte americano Robert Parker, famoso apreciador e avaliador de vinhos, até 15% de todo o vinho engarrafado e vedado com rolhas de cortiça, está afectado com sabores e aromas estranhos ao vinho;
2.11 porque é que ninguém protesta ou boicota a industria de água mineral, cerveja, refrigerantes, medicamentos que deixaram de usar a cortiça como vedante?
2.12 porque será que todos aqueles sectores industriais deixaram de usar a cortiça como vedante?;
2.13 porque é que na indústria da construção não se usa, em Portugal ou no mundo, a cortiça como isolante?;
2.14 Porque é que na indústria da construção se usa, em Portugal e no mundo, como isolante produtos derivados do petróleo?;
2.15 Se for comprar uma garrafa de água mineral e tiver oportunidade de escolher entre uma garrafa vedada com rolha de cortiça e outra com tampaderosca, ao mesmo preço, qual delas compra?;
2.16 idem para garrafas de leite?;
2.17 idem para garrafas de cerveja?;
2.18 idem para garrafas de refrigerantes?;
2.19 Se comprar uma televisão para sua casa, compra também um armário para a pôr lá dentro, como fazia a sua avó ou avô nos anos 60?;
2.20 Quando vai comprar ou abrir uma garrafa de vinho fá-lo na expectativa de comer/beber a rolha?;
2.21 numa garrafa de vinho barato ou caro o que é mais importante, a qualidade intrínseca do vinho que lá está dentro, ou o vedante ser uma cara rolha de cortiça ou uma tampaderosca moderna barata, fiável e eficiente?
16 DEZ 2009
quarta-feira, dezembro 30, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Concordo com a sua posição.
Conhecendo pessoalmente, através de trabalhos de investigação do Departamento de Materiais de Construção da instituição onde me formei, que a cortiça é uma matéria-prima com um potencial incrível para a indústria da construção parece-me completamente irrelevante se a mesma deverá ou não continuar a ser o vedante de eleição no vinho.
Isto da perspectiva de quem está interessado na valorização da produção deste material, não de quem faz crítica de vinhos.
As duas indústrias têm dimensões que não são sequer comparáveis e francamente a falta de aposta na diversificação e inovação anda a custar uma boa entrada no mercado da construção.
Cumprimentos
Nuno Oliveira
Se é verdade que a Amorins ou Champalimauds apenas lhes interessa enriquecerem ainda mais, nós, comuns dos mortais, entre o plástico de um e o montado do outro não há que vacilar. Cheirar e escutar o "pop" da rolha acabada de sacar também vale dinheiro.
Caso haja um vinho em 20 que saiba (pouco) a rolha, deve-se também beber, brindando a nós e aos outros que bebem somente vinho aprisionado por cortiça. Por uma causa justa e pela tradição dos pais e avós, que é a mais valiosa.
Estes da Sainsbury devem ser da categoria Viva a Pátria. (Guardian) -- JRF
Enviar um comentário