Vivi 9 anos no Reino Unido e um dos choques culturais a que fui exposto foi constatar que as pessoas eram capazes de discutir vigorosamente temas em que se contrapunham opiniões diversas (por vezes radicalmente opostas) sem por isso se socorrer da deselegante arma da desqualificação pessoal do adversário. Não sou sociólogo nem psicólogo pelo que me abstenho de teorizar sobre o assunto mas é patente esta diferença de atitude com o nível de debate que se observa em Portugal. Vem este comentário a propósito do texto que escrevi em resposta ao texto que o meu colega e amigo Delgado Domingos tinha escrito sobre o alegado caso do climategate. A discussão pública que com ele entabulei (ver também aqui e aqui) foi cordial e respeitosa e estou certo que continuará assim por muitos e bons anos pois a troca de opiniões que estabelecemos neste blogue não foi mais do que o começo de uma frutuosa conversa.
Infelizmente a populaça rapidamente interpretou o diálogo em termos clubistas e a internet é testemunha de diversos comentários deselegantes à pessoa do Prof. Delgado Domingos e a minha pessoa. O mais surpreendente foi verificar que esta ignóbil atitude (principalmente protagonizada por anónimos) teve eco em pessoas da qual se esperaria um pouco mais. Hoje o Henrique Pereira dos Santos fez-me saber que o blogue "a ciência não é neutra" me tinha dedicado uns piropos por ocasião do debate referido. Transcrevo os piropos:
"Dias depois, um jovem e ambicioso investigador ambientalista com um curriculum auto-laudatório surpreendente, Prof. convidado da cátedra "Rui Nabeiro" da Universidade de Évora de cujo reitor é filho, decidiu atacar Delgado Domingos no mesmo Expresso."
Esta frase revela bem a qualidade humana de quem a escreve mas é de salientar que na ausência de qualquer reflexão aprofundada sobre a matéria o que se faz é um ataque "ad hominem", distorcido, da pessoa que veicula uma opinião com a qual não se concorda. Começa-se por adjectivar o adversário de jovem como se essa qualidade tivesse relevância para entender o debate (e como se 40 anos qualificasse alguém de jovem). Continua-se adjectivando a pessoa de ambicioso e ambientalista sem se perceber bem a relevância de tais conjecturas. Depois fala-se num CV impressionante mas imediatamente retira-se peso ao mesmo ao classificá-lo de auto-laudatório. Depois refere-se o titulo profissional pontuando, na mesma frase, que este é detido, por convite (*), na mesma universidade onde o pai do autor do texto é Reitor. Uma menção que só faz sentido para sugerir que o titulo não se justifica pelo CV mas pelos laços familiares que o autor possui com o dirigente máximo da referida universidade. Finalmente, qualifica-se o artigo de opinião como um "ataque" a Delgado Domingos, revelando uma perturbante incapacidade para entender o conceito de discussão vigorosa mas cordata de ideias e interpretações sobre factos (e não de pessoas). Nada que no fundo deva surpreender pois é assim que as elites Portuguesas discutem política: em termos clubistas! Mas sejamos claros: este texto é - de acordo com os meus parâmetros, claro - miserável e esperava um pouco mais de alguém que, de vez em quando, escreve colunas de opinião com algum interesse ainda que acalente o hábito de censurar, no seu blogue, comentários assinados, cordatos, racionais mas veiculando posições diferentes do autor (por este motivo deixei de o ler).
Não vou contrapor as insinuações do meu colega Pinto de Sá pois recuso-me descer ao seu nível mas sugiro que quem tenha interesse em contrastar as suas insinuações com o meu CV visite as seguintes páginas da Universidade de Évora, do Centro Nacional de Investigação Científica de Espanha, da Universidade de Oxford, da Universidade de Copenhaga e já agora da Science Watch. Cada um tire as ilações que bem entender mas valerá a pena perguntar porque razão uma pessoa com o meu perfil académico é alvo de semelhantes ataques sendo que, ao mesmo tempo, se acalenta complacência com colegas que pouca ou nenhuma investigação científica fizeram durante as suas longas e tranquilas carreiras nas universidades.
* É curiosa a referência ao "convidado". Na verdade o titulo de convidado deriva da figura legal de contratação, de cinco anos, e não do facto da categoria profissional ter sido obtida mediante convite. Contrariamente à esmagadora maioria dos docentes universitários portugueses que entraram nas universidades por convite (como assistentes) e que por lá "assentaram arraiais" sem nunca terem sido expostos a processos verdadeiramente competitivos (apenas prestaram provas de mérito absoluto, i.e., aptidão pedagógica, doutoramentos, agregações), o "convite" no âmbito da cátedra de que sou titular na Universidade de Évora, por cinco anos, resulta de um concurso internacional, amplamente difundido na imprensa nacional e internacional (no caso vertente o concurso foi divulgado na revista "Nature") e onde competiram vários candidatos num processo avaliado por um júri maioritariamente externo à universidade.
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30 comentários:
Inacreditáveis as insinuações, julgaria raro ver um professor envolvido numa "hora do recreio".
Por causa de um caso pessoal descobri que é talvez o distanciamento que a internet permite que dá azo a estas situações pois numa abordagem cara a cara há quem se desfaça depois em sorrisos!
Miguel,
Terias sido mais sério se explicasses que o teu pai, além de reitor em Évora, é também reitor em Oxford e Copenhaga, além de presidente do Centro Nacional de Investigação espanhol e dono da science watch.
É Evidentem que montou uma rede de editores numa enorme rede de revistas científicas, que um dia será desmascarada por uns mails colocados num servidor russo.
henrique pereira dos santos
Miguel,
Enquanto houver “quintinhas” e “capelinhas” em Portugal a triste incapacidade de discutir ideias será uma constante, prevalecendo o ataque pessoal, profissional ou institucional.
Parabéns pelo Post e pela tua postura relativamente aos piropos.
Paulo Barros
Boa resposta caro Miguel.
Pois apetece mencionar um título #Os cães ladram e a Caravana passa#.
Os ataques "ad hominem" fazem parte da cobardia nacional, que incapaz de se articular em face a face prefere chafurdar no pântano, normalmente sob anonimato.
Não é necessário dizer nada sobre o teu percurso, aliás o HPS disse o suficiente.
Mas penso que o teu des-gosto face a este total despaupério merece um abraço de solidariedade, e apreço
António Eloy
É isso mesmo, os cães ladram e a caravana passa.
O que é certo é que estudantes como eu escrevem o seu nome em motores de pesquisa para obterem links de artigos e informação científica credível e não o do "senhor" que o ataca.
Miguel, Não se surpreenda com a censura do "ciência não é neutra". Pinto de Sá, nos seus tempos de juventude, era esquerdista da linha maoista. Mais tarde mudou de ideias e assumiu uma postura liberal conservadora. Muitos da sua geração tiveram um percurso semelhante mas os liberais conservadores provenientes do maoismo convivem mal com o contraditório. Velho hábitos são difíceis de mudar. Quanto a CVs o melhor seria que Pinto de Sá se calasse. Pinto de Sá é invisível ao nível da ciência que se produz a nível internacional e que se publica em revistas indexadas pelo "Institute of Scientific Information". JO
Este tipo de comportamento não me surpreende. Se acontece em relação a uma pessoa com o curriculum do Miguel Araújo, imagine-se a desconsideração que é feita a quem não tem curriculum académico, mas se atreve a fazer algumas perguntas pertinentes a pessoas que se consideram sumidades, num país onde imperam os títulos.
Infelizmente também não me surpreende. A mediocridade gera frequentemente estas atitudes: não tendo capacidade de esgrimir argumentos válidos, lançam-se chapadas de lama que,por impertinentes, erram o alvo e só enlameiam quem as lança.Merecidamente.
Helena
Miguel,
Clama por discussão, e dá o exemplo do Reino Unido.
Mas aí qualquer um pode discutir com qualquer outro. Não é preciso ter uma cátedra, ou muitos mais papers publicados, para se ter razão.
Galileu não tinha papers publicados no sistema religioso "peer-reviewed" de há 500 anos, mas as suas ideias eram as correctas.
Ecotretas
Caro anónimo do blogue Ecotretas que não aceita comentários,
Este seu comentário suscita-me francas dúvidas sobre a sua capacidade de interpretar correctamente o que lê.
Que 2010 lhe traga muitas coisas boas e úteis,
Miguel,
Sobre a provocação dos comentários, já referi em vários locais, e reforço aqui, que a minha ocupação profissional limita a minha capacidade de moderação. Por isso entendi não ter comentários no meu blog, porque mais vale não ter, que ter e os comentários só aparecerem passados 24/48 horas.
Utilizando a sua analogia do Reino Unido, a discussão vigorosa pode acontecer em qualquer lugar, seja em casa, seja num Pub, seja no Speakers' Corner. Na minha casa (blog) essa discussão não existe, por decisão própria, mas não tenho problemas em comentar aqui no Ambio, onde, ao contrário de outros locais, há que dizer, não fui banido. Porque há realmente aqueles que só argumentam até onde lhes dá jeito. E nestas discussões, quase sempre acaloradas, não tenho pejo em admitir que estou errado, e algumas vezes efectivamente estou. Outros não.
Qual é a dúvida que se lhe levanta? E aos outros? Eu não conhecia o seu percurso académico, que fiquei a conhecer depois do seu post. Não aqueceu nem arrefeceu. Para mim o que conta é a argumentação, e não as cátedras, CV's ou papers.
Muitos como eu não podem competir com o seu currículo. So what? Acha que nos sentimos inferiorizados? Acha que as nossas visões do Mundo estão erradas? Acha que o caminho da seriedade sugerida pelo HPS é o correcto?
Francamente, subiu muito na minha consideração, apesar disso não interessar quando a argumentação está em causa. Para os seus acólitos, que o vieram aqui aclamar, recomendo a leitura do seguinte texto, saído esta semana no Diário Económico. Para si, só sugiro que continue como era, que não faça alarde do desnecessário, numa conversa de cavalheiros.
E continuarei a vir a V/ casa, se mo permitirem, claro está, e se fôr bem-vindo.
Ecotretas
Miguel,
Aproveito para retribuir os votos para 2010! E que tenhamos muitas discussões interessantes e produtivas ;-)
Ecotretas
Pois este Ecotretas deveria ser galardoado com o prémio da novilíngua, tal é a sua capacidade de manipulação dos dados das noticias que sem comentários publica no seu blog.
Bastante primários há que reconhecer, e além de que manifestamente (facto!) é pessoa pouco educada pois apesar de repetidamente lhe referir que não queria (após lhe ter explicado e desmontado os seus disparates!) receber as suas elocubrações continuou a enviar-mas, até eu simplesmente as ter devolvido.
É um manipulador nato, certamente da escola mao-neo conservador, ou talvez como o meu amigo Rui Moura dos Mitos Climáticos um ex-soviético,pró nuclear, nunca haverá um acidente, convertido em sabe-se lá o quê (factos!e não mitos).
Tudo gente com uma postura de coerência e ética inatacável (estou a ser irónico!!!ou talvez não)
Mais um reformado a entreter-se com as suas ilusões ou simplesmente uma treta?
Abrs
António Eloy
Caro MBA, de certa forma este caso surpreende-me. Porque o autor do A Ciência Não é Neutra um belo dia ao comentar no meu blogue queixou-se praticamente do mesmo. De uma discussão inquinada por "tal gente".
Mas as suas observações são interessantes e não são únicas. Praticamente toda a gente que tenha vivido num país anglo-saxónico observa o mesmo.
A discussão mais interessante foi no blogue Portugal Contemporâneo. O economista Pedro Arroja publicou uma série de "teses" (ele chamava-lhe "teses") sobre o assunto. Os interessados têm de lá ir procurar, mas numa palavra: católicos e protestantes. -- JRF
Caro António Eloy,
Vamos lá esmiuçar o seu comentário.
A dos comentários no meu blog está respondida na resposta anterior ao Miguel. Infelizmente, a moderação é isso mesmo: demora tempo: eu respondi, mas só 2 horas depois foi publicada, após aprovação da equipa do Ambio. Note a importância de uma equipa, sendo eu manifestamente sozinho. Por isso mesmo, não tenho comentários!
Quanto à educação, tenho a lamentar-lhe que está redondamente enganado. E como não reconheço o seu nick, nem me lembro do seu nome, nem sequer sei a que circunstâncias se refere, talvez faça bem em concretizar a que elocubrações se refere!
Quanto a desmontar disparates, a que se refere? E onde e como mos desmontou?
Quanto ao meu posicionamento pessoal, não acertou em
nada! Nem na vertente política, nem pró-nuclear, nem na idade, nem nada! Lamento a fraca capacidade perceptiva...
Resumindo, e só ataques ad-hominem no seu melhor, como disse o Miguel!
Ecotretas
Os comentários neste blog não são moderados, excepto quando o nível desce até ao ataque pessoal insultuoso e cortamos temporariamente o acesso a todos os anónimos (não excluímos pessoas concretas).
Se o seu comentário demorou duas horas a ser publicado foi por um qualquer problema no servidor, não tem nada connosco.
henrique pereira dos santos
As minhas desculpas,
Os comentários estão em regime de moderação há dois ou três dias. Um dia destes passa a fúria a alguns comentadores e volta ao normal.
henrique pereira dos santos
Para os seus acólitos, que o vieram aqui aclamar
Realmente a elevação é outra coisa. Sem ataques ad hominem e sempre a discutir as ideias.
Isto faz do MBA o quê? Um padre? De uma crença — que é a sua cassete, correcto?
Vou fazer outro intervalo. Não tenho paciência para este lixo. Nenhuma. -- JRF
Humm, estranho que de um post sobre a legitima repulsa por um “ad hominem” seguem-se vinte comentários em que não me parece haver um que não possua de uma forma ou outra um “ad hominem”. Parece que a diferença é que uns conseguem pôr post e outros só comentários.
Caro Olympus,
Obviamente não me cabe responder pelo que outros escrevem mas creio que o seu entendimento do significado de argumento "ad hominem" não confere com a definição que tenho como correcta. Um argumento "ad hominem" tem a seguinte estrutura:
Person 1 makes claim X
There is something objectionable about Person 1
Therefore claim X is false
Portanto, é uma estratégia de argumentação que parte da desqualificação de um adversário para desqualificar o seu argumento.
Ora isto é substancialmente diferente de criticar uma pessoa por um acto eticamente reprovável. Por exemplo, eu critico Pinto de Sá pela sua referência a minha pessoa no seu blogue em termos que considero incorrectos e que são obviamente usados para desqualificar a minha interpretação sobre o caso conhecido como "climategate" mas isso não transforma a minha crítica num argumento "ad hominem". É simplesmente uma crítica a uma pessoa concreta por umas palavras concretas.
Caro Miguel B. Araujo,
O meu comentário refere que o seu post é legitimo e é repulsa por um ad hominem (vergonhoso e irritante) que o outro senhor lhe fez, contudo ao seu post (elevado e correcto) seguem-se 20 comentários onde não me parece haver um em que não haja em si mesmo um “Ad hominem”.
Quisesse eu ser mauzinho e diria ao Miguel aquilo que o Miguel disse ao senhor Ecotretas…
“Este seu comentário suscita-me francas dúvidas sobre a sua capacidade de interpretar correctamente o que lê.”
Mas isso não me parece bem, não concorda?
E já agora Miguel
Não vou entrar na discussão, com quem quer que seja aqui, se é um Ad Hominem ou um Ad Hominem Tu Quoque ou outra variante do mesmo.
Caro Olympus,
"Quisesse eu ser mauzinho e diria ao Miguel aquilo que o Miguel disse ao senhor Ecotretas…
“Este seu comentário suscita-me francas dúvidas sobre a sua capacidade de interpretar correctamente o que lê.”"
Tenho respeito por muitos dos seus comentários com os quais raramente concordo 100%, como raramente discordo 100%, pelo que não vou ser mauzinho e responder-lhe à letra, mas acha realmente que um comentário sobre não ser preciso cátedras para falar de um qualquer tema é um comentário lógico ao post que eu escrevi?
De resto volto a repetir. Não respondo pelos comentários de outras pessoas mas muitos dos que li não são de facto "ad hominem" de acordo com o conceito. As palavras têm o seu significado e é bom não perder de vista este significado quando se usam conceitos para consubstanciar argumentos.
De resto estou de acordo que o tema semântico é relativamente desinteressante e lateral.
Miguel,
estava a brincar com a situação (tem piada que neste seu post se estejam a tratar tão mal nos comentários :-) ). Relativamente ao seu post, só sinto mesmo é inveja pelo seu auto controlo!
Adivinhem qual foi 4º autor mais citado no domínio da investigação em alterações climáticas nos últimos 10 anos ... quem foi?
Este mesmo .. LOL
Anónimo,
A lista é muito interessante; eu reproduzi-a aqui, com o link para o sciencewatch. Observem também que os três primeiros estão essencialmente associados à biologia, pelo que Jones é efectivamente o mais citado em Investigação Climática...
Ecotretas
Caro Prof. Miguel Araújo,
Li, com muito interesse, a sua troca de argumentos com o Prof. Delgado Domingos através do blogue Rerum Natura no post Delgado Domingos e Miguel Araújo debatem o Climategate.
A certa altura o Prof. Delgado Domingos, referindo-se a si, dizia, e cito (o realce é meu):
«Também penso que o debate desta questão está encerrado entre nós. Aguardo com o maior interesse o seu prometido post sobre questões científicas de fundo. Não deixarei de corresponder no que puder e souber.»
Terá o Prof. Miguel Araújo já "respondido" ao Prof. Delgado Domingos e essa "resposta" está disponível na blogoesfera?
Cordiais cumprimentos.
Caro MAP,
É da mais elementar justiça reconhecer a sua civilidade no debate de ideias, particularmente no debate sobre o AGW. Concordo que o comentário do Pinto de Sá é completamente despropositado.
No entanto o blog dele é do melhor que vi sobre o tema «Energia». E desconfio que provavelmente por você o reconhecer também, se terá sentido ainda mais chocado com o comentário.
Pelo meu lado vou continuar a vir aqui e ao «A ciência não é neutra», e esperar que este tipo de episódio não se repita, porque a divulgação que os dois blogs fazem é muito importante em Portugal.
Cordialmente
JM
A seriedade de alguns comentadores fica bem ilustrada nesta observação de António Eloy :
"(...) o meu amigo Rui Moura dos Mitos Climáticos um ex-soviético, pró nuclear (...)".
Tem a lata de dizer-se amigo de Rui Moura e não sabe que ele nem por sombras é pró-nuclear.
Mas enfim, ambientalista que não seja mentiroso é difícil de encontrar...
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