domingo, maio 09, 2010

Cabras, baldios e esterco

Falei pela primeira vez do meu amigo Thomas aqui.
Na sequência dos comentários desse post, voltei a falar do Thomas aqui, já não tanto do Thomas em si, mas do que distingue o Thomas do Tomás no nosso mundo rural (acho que é dos melhores posts que escrevi).
Na sequência, fiz um post em que enfatizava a necessidade de olhar para o território numa lógica de criação de valor por oposição à lógica produtivista com as nossas elites olham para as políticas para o mundo rural que não seja a das grandes propriedades e da agro-indústria (incluo na agro-indústria a horto fruticultura intensiva, mesmo sabendo que é uma incorrecção técnica).
O Miguel Araújo fez um interessante comentário sobre dinâmica de vegetação, com uma pequena discussão nos comentários muito consistente.
Por último fiz uma grande asneira.
Este post que agora escrevo é um pedido de desculpas ao meu amigo Thomas.
Vejamos os factos.
Em 2008 o Thomas e a sua exploração foram controlados no âmbito da normal verificação do cumprimento das regras para a tribuição de subsídios.
Algures em 2009, o Thomas voltou a ser controlado e dessa vez perdeu 80% dos subsídios que recebia.
Ao que me dizem é muito pouco comum uma exploração ser controlada dois anos seguidos (não sei se assim é, alguém confirma?).
Entre uma e outra fiscalização eu escrevi os posts que referi antes.
A pessoa envolvida no último post é um quadro do Ministério da Agricultura (e autarca, quando eleito).
A razão para esta retirada de subsídios é o facto de haver umas áreas que eram consideradas terrenos mistos (e elegíveis como área de pastagem) que passaram a terrenos florestais (não elegíveis). É verdade que estas áreas não são o essencial da área de pastagem das cabras do Thomas, mas sempre se foi aceitando a situação face ao facto dos baldios, onde efectivamente pastam as cabras do Thomas, não poderem ser consideradas como áreas elegiveis naquele concelho (alguém confirma?).
A realidade também é que as cabras do Thomas prestam um serviço geral (o controlo de combustiveis) e se deixarem de existir esse controlo de combustiveis será feito a braço com sapadores florestais (ou fogo controlado ou outra actividade específica mais cara que o pastoreio). Óptimo, dir-se-á, porque é mais área a recuperar. Não é bem assim, porque o serviço prestado é apenas numa pequena parcela da serra e permite a compartimentação de áreas para efeitos de gestão do fogo.
Eu quero crer que este blog não tem efeitos deste tipo. Eu quero crer que em Portugal não haja responsáveis que usem o longo braço do Estado para se vingarem de quem não gostam. Eu quero crer que não se pretende condicionar o que os outros dizem. Eu quero crer que tudo isto é normal e o que há são apenas coincidências.
Mas o facto é que não consigo deixar de olhar para o calendário e me sentir, pelo menos em parte, responsável pelo corte de subsídios ao Thomas.
Sorry, old fellow, não me convenço de que o poder no meu país é muitas vezes pequenino e tacanho e os direitos dos cidadãos, e mais ainda dos cidadãos estrangeiros, são uma coisa mais ou menos imaginária. Tenho sempre a esperança de que as pessoas tenham a grandeza de saber ouvir críticas.
Tenho de reconhecer que é uma imensa demonstração de estupidez minha face à contínua verificação da proximidade de tantos poderes a tanto esterco.
Adenda: João Carlos Claro descarta no seu fundamentado comentário a teoria da conspiração. Ainda bem, a administração parece ainda ter remédio. E ainda bem porque detesto teorias de conspiração (embora me preocupe que a interpretação imediata de quem ouve a história considere a hipótese de haver uma actuação do Estado iníqua, coisa que nenhum de nós descarta à partida).
Subsiste a questão de fundo. E essa não tem nada que ver com regulamentos comunitários, é o reflexo das ideias desde sempre perfilhadas pela tecno-estrutura do Ministério da Agricultura e grande parte da academia ligada ao mundo rural, que se reflecte na consistência das opções de todos os ministros e governos.
Todos eles têm desvalorizado os dinheiros do mundo rural enquanto instrumento de cobertura de falhas de mercado (nomeadamente quanto à remuneração dos serviços ambientais prestados) e têm sobrevalorizado o seu papel de instrumento de desenvolvimento económico. Só que não só o desenvolvimento económico é uma função dos agentes económicos e não do Estado, como as ideias de desenvolvimento económico do nosso mundo rural, perfilhadas pelo Ministério e por grande parte da academia, estão, em geral, desfasadas da realidade. A forma como sistematicamente o pastoreio com base em pastagens naturais pobres é tratado pelos instrumentos de apoio ao mundo rural é bem o exemplo do que digo.
henrique pereira dos santos

3 comentários:

João Carlos Claro disse...

Henrique

Não creio que enveredar pela “teoria da conspiração” nos conduza à verdade dos factos que descreves.
Em primeiro lugar, é frequente ocorrer o controlo da mesma exploração agrícola em anos consecutivos.
Segundo, o verdadeiro problema é a transposição de regras das PAC de forma desfasada da realidade nacional ou regional. O próprio conceito de montado nunca conseguiu encaixar bem nestes modelos da PAC e para os alemães, holandeses ou dinamarqueses (que são contribuintes líquidos para o orçamento da PAC) as áreas de matos representam terras abandonadas, logo não elegíveis para ajudas. Como sabes, na Europa central ou setentrional não há matos, apenas floresta ou pastagens/culturas.

As gestões ministeriais foram desastradas na definição de derrogações nesta matéria e as regras nacionais geradas no Gabinete de Planeamento de Políticas agrícolas estão muitas vezes desconformes com o quotidiano dos Tomás deste país.

Neste momento, apenas é valorizada a produção de bovinos, a criação de ovinos está pelas ruas da amargura e quantos aos caprinos é como se nem existissem. Uma pastagem é por definição, constituída apenas por herbáceas, não podendo os matos com mais de 50cm de altura ultrapassar 25% da área da parcela. Muitos agricultores de Mourão-Barrancos, têm o ICNB a condicionar limpezas de matos nos corredores ecológicos para o lince, para a seguir virem os técnicos do Ministério da Agricultura declarar incumprimento das operações de desmatação.

As regras de atribuição de ajudas estão sempre a mudar e os agricultores ou estão muito bem informados ou correm o risco de num ano estar tudo bem, para o ano seguinte incorrerem em incumprimento. É a realidade deste país, onde se safam aqueles que têm bons advogados ou assessorias, enquanto os outros facilmente são envolvidos em procedimentos administrativos kafkianos.

O que provavelmente se passou com o Thomas é a circunstância da parcela onde pastam a cabras não ter sido considerada como “superfície agro-florestal não arborizada com aproveitamento forrageiro”, pelo que lhe resta apresentar uma reclamação.

Eu também deixo aqui a minha reclamação sobre a complexidade dos regulamentos nacionais que desincentivam a produção em modo biológico e a adesão a medidas agro-ambientais, tornando muito mais simples a instalação de olival super-intensivo, vinha e outras produções da moda.

João

Jaime Pinto disse...

O João Carlos Claro, que recusa em absoluto a teoria da conspiração e parece ser uma pessoa bastante informada, talvez possa esclarecer se houve ou não alteração das regras para atribuição dos subsídios (que o Thomas recebia) entre 2008, ano em que tudo estava bem, e 2009, ano em que quase tudo passou a estar mal. Se as regras se mantiveram inalteradas, fico convencido que aqui houve uma ignóbil vingança. Que outra coisa pode ter sucedido para se justificar uma quebra de 80/100 nos subsídios?
Jaime

Nuno disse...

Soube esta semana que infelizmente o Thomas regressou à Alemanha, através de amigos (também alemães) de uma queijaria com mais de 100 cabras em Pedrogão Grande.
Debatem-se com muitos dos mesmos problemas, e não conseguem que as pessoas que "toleram" os seus rebanhos, que beneficiam do controlo de mato para camas do gado, da poda de pinheiros para combustível, etc, façam contratos de comodato que lhes permitam atingir a área elegível para apoios que de momento não recebem, vivendo quase exclusivamente do queijo que vendem.
É pena