Lowlander, nos seus comentários sobre este post, insurge-se com a minha reacção ao que me pareceu uma dramatização não fundamentada da detecção de mortalidade na espécie Nyctalus leisleri, provocada por parques eólicos.
Façamos um resumo:
Francisco Amorim, na sua tese de mestrado, faz um comentário lateral sobre o facto da espécie em causa ser uma das que mostram maior mortalidade em parques eólicos, concluindo que esta mortalidade "pode implicar impactes negativos preocupantes em espécies que podem vir a ter um estatuto desfavorável".
Eu faço um post dizendo que se trata de uma dramatização artificial dessa mortalidade com base em possibilidades não fundamentadas (a de que a mortalidade pode implicar impactes negativos preocupantes e a de que a espécie pode vir a ter um estatuto desfavorável). A crítica nasce do facto de eu achar que escolher estas hipóteses e não as suas inversas (a de que a mortalidade pode não implicar impactos negativos preocupantes e a de que a espécie pode não vir a ter um estatuto desfavorável, pelo menos tão legítimas como as outras face ao que se sabe da espécie e na minha opinião até mais prováveis) não é uma opção inocente, é uma tendência de dramatização na área da conservação que deve ser combatida porque afecta a credibilidade da informação que se produz e conduz a afectações erradas de recursos nas políticas de conservação.
Francisco Amorim, num comentário vem esclarecer que apenas quiz dizer que está a ocorrer mortalidade numa espécie que não sabemos se caminha ou não para a extinção e que daí decorre a conclusão óbvia de que é urgente estudar a espécie.
Eu contesto a ideia de que essa conclusão seja óbvia porque afectar recursos ao estudo de uma espécie é sempre retirar recursos a outro lado qualquer, portanto é preciso cautela na definição do que é realmente importante.
É aqui que entra o Lowlander dizendo que é normal que os cientistas digam que é preciso estudar uma espécie se faltam dados para saber o seu estatuto de ameaça.
Eu faço notar que o que o Francisco diz é que se o livro vermelho dos vertebrados classifica a espécie como informação insuficiente isso conduz imediatamente à urgência de estudo, o que não é verdade porque há mais informação que a usada pelo livro vermelho que permite dizer que não é provável (é possível, mas não é provável) que a espécie esteja ameaçada.
Lowlander diz então que se eu quero contestar o que diz o livro vermelho é melhor escrever um artigo com peer review a apontar as falhas, em vez de fazer comentários em blogs.
Não percebo porquê.
O Livro Vermelho não é um documento científico nem é escrutinado cientificamente pelos métodos normais de escrutínio da ciência. O Livro Vermelho é um documento administrativo e um instrumento de gestão das políticas de conservação. No caso de Portugal até é um bom livro vermelho, com muita informação e bastante estruturado. Mas que tem o problema de sofrer do mesmo que o tal parágrafo do Francisco Amorim: tem muitas afirmações cruciais não fundamentadas e tem muitas opções sempre no sentido da dramatização.
Já falei sobre isso neste post.
Mas faço de novo uma análise sobre o Nyctalus leisleri para se perceber melhor o que quero dizer.
O que diz o livro vermelho sobre esta espécie?
Que tem uma larga distribuição desde Portugal ao Norte da Índia e do Norte de África à Holanda, e que não há informação sobre a dimensão da população e sobre a sua tendência.
Para fundamentar estas afirmações aparecem referidas publicações de 1999 e nada mais recente. Ora acontece que na altura da elaboração do livro vermelho, e mais ainda hoje, existia muita informação proveniente dos estudos dos parques eólicos (e outras) que se não permitem estimar a população e as suas tendências, permitem pelo menos dizer que sempre (ou quase) que se fizeram prospecções com ultra-sons foi detectada a espécie. Sendo certo que isso não permite dizer se a espécie tem algum estatuto de ameaça, já permite dizer que parece ser suficientemente abundante e de larga distribuição para ter uma presença tão ubíqua, pelo que dificilmente a espécie estará ameaçada.
Ora o livro vermelho ignora toda essa informação (tal como o Francisco Amorim no seu comentário).
Porquê?
Não sei, nem o livro vermelho explica.
Mas suspeito que seja porque as pessoas acham mais seguro dramatizar.
Acham mal.
henrique pereira dos santos
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