sexta-feira, agosto 06, 2010

Perícia ambiental e urbanística do Freeport

Como expliquei aqui, participei no licenciamento do Freeport, emitindo um parecer negativo. Como expliquei também o meu parecer negativo não decorre dos supostos impactos ambientais dessa construção (que me parecem pouco relevantes e minimizáveis) mas sim da aplicação de normas imperativas de ordenamento do território (ao lado, quando participei num programa prós e contras sobre o freeport, José Miguel Júdice disse que a minha atitude tinha sido típica da administração, porque se pedia um parecer de conservação e eu tinha emitido um parecer de ordenamento. Deixando de lado o facto de que não emiti um parecer de ordenamento mas que decidi dentro do que me pareceu que era a lei, que é a obrigação dos funcionários públicos, José Miguel Júdice deu na altura o exemplo dos pareceres sobre o autódromo do Estoril emitidos pelo ICNB que supostamente se pronunciavam sobre as casas de banho. Naturalmente, porque estou cansado deste tipo de idiotices serem sistematicamente invocadas sem prova, pedi-lhe no fim do programa cópia dos ditos pareceres. De quando em vez, embora raramente, encontro-o e lembro-lhe sempre que está em falta com a promessa que imediatamente fez de me mandar o dito parecer. Até hoje o parecer não me foi mandado, e até ao fim dos tempos duvido que me seja mandado porque na realidade não deve existir nos termos então publica e indecorosamente referidos com o único objectivo, de advogado chico esperto, de diminuir a credibilidade do adversário e dos organismos de tutela da conservação).
Sempre disse, e disse-o quando fui prestar declarações à PJ, que não era jurista e que a minha interpretação das normas deveria ser revista por juristas, coisa que nunca foi.
Quando recentemente verifiquei que o Ministério Público concluía que havia perícias ambientais e urbanísticas que indicavam não haver ilegalidade procurei perceber o fundamento dessa conclusão.
O que vejo aqui descrito nesta peça da TVI é assustador.
Já tinha lido que a fundamentação era a mesma de sempre, usada para justificar a aprovação do projecto em violação de uma norma do Plano Director Municipal, e que tenho poucas dúvidas que está errada.
Verifico que o perito é Manuel Pinheiro, que conheço (os dois estivemos no Conselho Superior de Avaliação de Impacte Ambiental até eu bater com a porta ao perceber que nenhum decisor ligava nenhuma ao trabalho que lá se fazia), tenho consideração por Manuel Pinheiro, mas tem um problema para este aspecto: não é nenhum perito em ordenamento do território nem é jurista.
A forma como esta matéria tem sido tratada é apenas um exemplo da forma como as matérias de ordenamento são tratadas em Portugal, em que a lei é meramente instrumental (de tal maneira que quando a sua letra não tem forma de permitir o que se quer, suspende-se legalmente a lei, para a violar, como neste caso).
Lembro-me sempre de ter visto no caso dos empreendimentos da mata de Sesimbra (se não me engano) uma interpretação das normas de um plano, por entidades de tutela do ordenamento do território, que é de cabo de esquadra mas, apesar disso, aceite por toda a gente: num terreno com área edificável e área non aedificandi, aprova-se construção para a área edificável, para a qual o plano define um índice de construção. Mas a entidade de tutela, amiga, calcula o índice de uma forma extraordinária: em vez de aplicar o índice à área edificável e já está, aplica o índice a toda a área do plano (incluindo as áreas non aedificandi), e depois concentra o índice na área edificável, duplicando o índice de construção. Brilhante como processo de criação de riqueza.
A interpretação que é feita da norma do PDM de Alcochete que manda aplicar a essa zona do plano o regime da REN é do mesmo tipo. A norma manda aplicar o regime da REN, mas os peritos vão ao diploma da REN buscar o regime transitório (que é o adequado à aplicação das normas da REN, mas não tem nada com a norma do PDM que manda aplicar o regime da REN) e num passe de mágica concluem que a lei diz o contrário do que diz.
Brilhante.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

José M. Sousa disse...

Confirmo a impressão que tinha desse dito advogado!

Anónimo disse...

HPS,
Sugiro que não se mace. O Sr. Dr. Júdice fez o seu número de circo (como é habitual nestes mamões da teta pública) e com duas piruetas desapareceu... até à próxima.
JM