A discussão sobre este post (que continua nos comentários), pode fazer pensar que em matéria de conservação sou um louco tocador de concertina na banda do Titanic.
Pode ser que sim, mas repare-se nesta coisa extraordinária:
"A população portuguesa de lobos representa apenas cerca de 15% da ibérica e, ao contrário do referenciado para certas regiões da Península Ibérica (Blanco & Cortés, 2002) e para o resto da Europa (Boitani 2000), não existem evidências de expansão recente da mesma."
Este parágrafo é retirado da ficha do lobo que consta do livro vermelho.
Apesar dos imensos cuidados na escolha de cada palavra ("certas regiões da Península" pretendendo dizer-se que há evidência de aumento populacional em Espanha, mas o melhor é acentuar que não é assim em toda a Espanha, ou "não existem evidências de expansão recente" em Portugal, que é como quem diz, eu não digo que não haja expansão, mas não me comprometam a mim) o facto essencial é que o parágrafo diz que há expansão em Espanha e no resto da Europa.
E o que há de extraordinário nisso? O que há de extraordinário é que ninguém se dá ao trabalho de explicar que especificidade existe em Portugal que justifique uma tendência populacional diferente da de Espanha e da Europa, tanto mais que não existe uma população portuguesa de lobo, existe sim uma população ibérica que se distribui entre Espanha e Portugal.
Mas se eu sou um louco tocador de concertina na banda do Titanic, o melhor mesmo é ir ouvir o resto da banda, por exemplo, lendo o que dizem outros sobre o wildlife comeback in Europe.
O movimento conservacionista reaccionário pretende desesperadamente manter o discurso da desgraça anunciada ao virar da esquina.
O movimento conservacionista que se preocupar com a realidade sabe que a discussão a fazer se prende com o preço que boa parte do resto do mundo está a pagar por este wildlife comeback europeu que resulta sobretudo da diminuição da pressão produtiva alimentar em território europeu.
Daí o meu conselho aos académicos e ambientalistas que escrevem sobre o assunto: menos modelação computacional, menos inferência estatística, menos horas de avião em reuniões internacionais onde se aferem todos esses modelos e inferências e mais horas com os pés no chão seriam muito, mas mesmo muito úteis à conservação em Portugal.
E mais, muito mais atenção ao tempo e à paisagem.
henrique pereira dos santos
6 comentários:
“Houve uma diminuição de 18 alcateias para 12/13 no Alvão”?
Além da incongruência destes dados (18 alcateias no Alvão) com os do ultimo Censo Nacional de lobo, uma coisa é ter ocorrido uma diminuição de alcateias no núcleo populacional do Alvão/Padrela (mas para tal confirmação seria necessário repetir o Censo ou pelo menos o esforço e área de amostragem), outra é, não terem sido identificadas/individualizadas as mesmas alcateias, o que não implica forçosamente uma diminuição de alcateias. Convém esclarecer.
Paulo,
Troca-me em miúdos o que estás a dizer, se não te importas.
É que a informação que sistematicamente tenho ouvido é essa aí acima (admito que seja o grupo Alvão/ Padrela e que eu tenha simplificado para Alvão).
O que se sabe não é isso? O que resulta da monitorização feita pelo grupo Lobo não é essa diminuição? Não estamos a falar do mesmo território e do mesmo grupo populacional?
henrique pereira dos santos
Só chamei a atenção porque há aqui alguma confusão, de número de alcateias e/ou áreas que convinha esclarecer antes de se discutir.
O Censo Nacional de lobo para o Núcleo Alvão/Padrela diz o seguinte:
“Foram individualizadas 13 alcateias, das quais 10 se consideram confirmadas e 3 prováveis. A ocorrência de reprodução foi confirmada em 2 alcateias, considerada provável em 4 e não detectada em 7..”
Para o Núcleo populacional do Alvão/Padrela, os últimos dados de lobo apontam para as seguintes alcateias: Alcateia do Vaqueiro, Sombra, Alijó, Tinhela, Padrela, Nogueira da Montanha, Mairos e SantaComba (ou seja 8).
Como a monitorização do lobo actualmente está a ser realizada no âmbito de projectos mais ou menos individualizados, não sei toda a área de lobo está a ser monitorizada, caso contrário, poderíamos não estar perante uma diminuição de alcateias, mas sim um reajustamento espacial das alcateias para locais não monitorizados. Mas isto apenas são suposições, como digo não sei se a área de lobo está toda a ser monitorizada de igual forma.
A propósito do conceito de wilderness na europa temos aqui uma voz autorizada e experimentada, o Henrique Pereira.
Para quando um post sobre o assunto?
Caro Anónimo,
Como as vozes autorizadas não falam, lá teremos de nos contentar com as vozes não autorizadas.
O que para além de tornar o blog mais monótono, ainda lhe dá má-fama.
Força, prosteste, tem todo o meu apoio para pressionar as vozes autorizadas a escrever mais (e nessa matéria temos pelo menos três vozes autorizadas, porque o Miguel Araújo, que aliás já escreveu sobre o assunto no tempo dos afonsinhos e o Carlos Aguiar também se têm ocupado do assunto com alguma regularidade e qualidade.
Enfim, quem dá o que tem, a mais não é obrigado, portanto lá teremos de nos contentar com vozes não autorizadas e farei hoje mais um dos meus posts quase diários, sobre o assunto.
henrique pereira dos santos
“O discurso que molda o mundo se apropria tão completamente da razão absoluta que, para se manter, é necessário que não condene apenas o que se coloca fora de sua estrutura, mas que apague esse conceito. Assim, as palavras adquirem os significados que a estrutura lhe dá, e exprimem o que deve ser por elas dito, segundo o que cabe no sistema existente. Qualquer possibilidade que fuja ao que está pré-estabelecido é irreal.
E quem encontra o irreal, delira. Quando essa razão é estabelecida como discurso dominante, e seu monólogo é a única fala que pode fazer existir outras verdades, essa loucura, que antes contava histórias, agora é algo deficiente. No real, a loucura recebe o prefixo negativo, tornando-se insanidade, a falta do são. É o excesso do discurso da razão, o que tem que ser excluído.”
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