sexta-feira, janeiro 30, 2009

Para quê complicar?


Este post tem uma coisa difícil de gerir: comentários pessoais que são interpretações sobre a actuação de uma pessoa que não se conhece pessoalmente. Simplesmente sem isso o post não fazia sentido e pareceu-me que valia o risco.
Este post é uma explicação possível do novelo do Freeport, mas procurei fugir do justicialismo que condena facilmente todos os políticos e do sectarismo que defende facilmente os bons contra as campanhas dos maus.
É talvez o mais explicitamente político dos posts que escrevi aqui na ambio (num nível de comentário a que nunca pensei escrever) e parte do princípio de que os intervenientes que tomaram as decisões administrativas estão todos basicamente de boa fé porque detesto teorias conspirativas.
Eu sei que há a questão do dinheiro desaparecido mas vamos admitir que se trata de um escroque britânico a tentar safar-se de sarilhos lá, atirando a lama para cá (esta hipótese é o mesmo que dizer que deixo à polícia o trabalho de seguir o rasto do dinheiro e só quero discutir modelos de decisão pública que vão para além disso e que do meu ponto de vista têm levado à desmontagem de grande parte do sistema de ordenamento do território e da conservação do património natural em Portugal nos últimos anos).
A primeira questão que para mim é claríssima, desde que estive envolvido no processo lá para as alturas em que o projecto foi aprovado, é que o projecto teve um tratamento excepcional. Este facto permite todo o tipo de interpretações, sem dúvida, mas o facto parece-me indesmentível.
O tratamento excepcional de situações excepcionais não me choca absolutamente nada. Por exemplo, o sistema PIN que critiquei há já bastante tempo violentamente neste blog não me choca por tratar excepcionalmente situações excepcionais, choca-me porque não percebo bem como se define a excepcionalidade de cada um dos projectos e porque o sistema é opaco e de muito difícil escrutínio pelos cidadãos.
O que falta explicar no caso do Freeport é por que razão ele foi tratado excepcionalmente.
Partindo da minha tese base, a de que toda a gente se move de boa fé, há várias razões para este projecto ser excepcional, incluindo o facto de todas as fábricas de Alcochete estarem a fechar e o desemprego a aumentar.
Mas há também a hipótese de que o Ministro da altura tenha ouvido uns zunzuns sobre corrupção e tenha resolvido cortar o mal pela raíz forçando a velocidade de aprovação de um projecto depois de pesar as objecções ambientais, que lhe terão parecido menores.
Esta hipótese é coerente com as declarações do tio de Sócrates e é muito coerente com o padrão de actuação de Sócrates (sobre o qual num post anterior já manifestei a minha distância).
Do que conheci na altura e do que conheço hoje, Sócrates é um pragmático quase puro, focado obsessivamente nos resultados, para quem as minudências processuais e mesmo os constrangimentos legais (desde que não sejam óbvios) são pequenas contrariedades que devem ser respeitadas na medida em que não colidam com os objectivos traçados, mas removidas em caso contrário.
Para além disso é (ou era) uma pessoa com fúrias homéricas, muito temidas pelos seus colaboradores, de tal maneira que a manifestação da vontade de atingir um determinado objectivo num determinado tempo passava a ser, para os seus colaboradores e os funcionários dele dependentes, cuja fidelidade ele reclama (ou reclamava) acima de tudo, ordens a cumprir em qualquer circunstância.
Este quadro pode muito bem ter ditado o facto do processo ser tratado de forma excepcional. Seja pela razão que referi acima, seja por qualquer outra que a Sócrates parecesse a melhor defesa do bem público. Noutro post procurarei explicar como este padrão é visível num outro projecto, igualmente tratado de forma excepcional, sem qualquer sombra de suspeita acerca das intenções motivadoras.
Se isto não andar longe da verdade, está explicada a persistência de notícias sobre a matéria, mesmo sem vestígio de corrupção: Sócrates optou, de uma forma humana e politicamente compreensível mas a meu ver errada, por desde o princípio jurar que este foi um processo exactamente igual aos outros.
Ora como não é bem assim, os jornalistas, como é natural e faz parte da sua função, passam tempo todo a tropeçar em factos do processo que apontam para a sua efectiva excepcionalidade e consequente contradição com o discurso de Sócrates, todos os dias publicando mais um detalhe sobre essa excepcionalidade e confrontando-a com o discurso de Sócrates.
Na realidade o que tem sido mais complicado para Sócrates não é a questão do dinheiro mas sim o facto do seu discurso contradizer a realidade do processo, perdendo por isso credibilidade.
Mas como disse atrás, isso é perfeitamente compreensível, humana e politicamente, no quadro que descrevi.
Do mesmo modo toda a cadeia hierárquica que desce a partir do Ministro, tolhida pelo medo de o contrariar ou com vontade de agradar ao chefe, impõe entorses ao processo (neste, como em muitos outros, aliás como descrevi em post anterior) sem que isso demonstre que exista dinheiro a correr no sistema.
A Sócrates cabe a responsabilidade de um método de actuação voluntarista, determinado por objectivos pré-definidos mas que desconsidera a forma da decisão e a sua correcção processual. E cabe também a responsabilidade de criar um clima em seu redor que se funda na fiel aplicação da velha máxima: “Se o príncipe não puder ser amado e temido igualmente, é melhor ser temido” e que inegavelmente contamina a cúpula da administração pública. Estas são responsabilidades políticas com virtudes (há quem defenda que só assim é possível fazer reformas em Portugal).
Mas também com fragilidades ao criar uma informalidade de decisão e uma ausência de escrutínio que permite que qualquer escroque que ganhe a confiança de Sócrates use este clima e a falta de rigor nos procedimentos em proveito próprio.
Ou, por exemplo, que as questões ambientais sejam claramente menorizadas e mesmo desconsideradas na decisão pública sectorial sobre planos, projectos e programas.
Mas mais que isso, esta forma de actuação cria em seu redor (e replica-se ao longo de toda a administração pública) uma clara apetência pela subserviência da concordância sistemática em detrimento da lealdade da discordância fundamentada o que é facilitado pela sua incompreensão quanto ao facto dos funcionários públicos deverem lealdade ao Governo mas apenas à Lei deverem fidelidade.
Por tudo isto, que cria um clima favorável à decisão ineficiente a prazo e à corrupção imediata, embora permita decisões rápidas e focadas nos objectivos, eu não tenho dúvidas em discordar dos métodos de actuação de José Sócrates.
Mas nada disto permite as extrapolações acerca da corrupção que têm vindo a ser feitas a seu respeito.
Nisso claramente Sócrates tem razão, mesmo que a misture com meias verdades (consciente ou inconscientemente, não sei dizer) acerca dos procedimentos de aprovação do projecto.
E lamento que as questões que decorrem da política de conservação sejam arrastadas nesta discussão sem que seja possível avaliar serenamente como o mau uso da regulamentação ambiental pode dar origem a tantos problemas.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Jaime Pinto disse...

...a seguir o coelhinho da Páscoa levou pela mão o menino Sócrates, mãezinha, priminhos e titi, e foram todos ouvir o coro da igreja a Fátima.

Porque não? Com um final destes a fabulação cairá ainda melhor aos cidadãos probos, de alma sã e coração puro. E à actual equipa PS.

Caro HPS, não me leve a mal, mas prefiro a historieta à moda do Pacheco Pereira, na quadratura do círculo.

Mas caso se provar que a sua fábula, ou outra semelhante, seja verdade, o Sr. Sócrates terá o meu voto. Seria uma infame escroquice o fumo provir de um churrasco a ter lugar no quintal da oposição.

Até lá veremos como evoluem as construções turísticas propostas para os Mouchões situados dentro da RNET...
Jaime

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Jaime,
Pensei que o texto era claro a explicar que questões de polícia e judiciais não são seguramente o meu campo.
Fiz uma interpretação da situação que me pareceu consistente (se é verdadeira ou não o tempo dirá).
Mas sobretudo quis dizer que para lá das questões de polícia há matéria a discutir sobre a forma como nos õrganizamos para nos governar.
henrique pereira dos santos