quinta-feira, outubro 08, 2009

O ambiente e a captura do Estado pelos grupos de interesse

Na imagem, a solução radical de Filipe o Belo para se livrar das suas dívidas, cujos desenvolvimentos e antecedentes podem ser lidos no extraordinário romance histórico em sete volumes "Les Rois Maudits" de Maurice Druon

"Ministério segura consenso entre investidores e ambientalistas para o litoral Alentejano".
Só o título da notícia de hoje no Público é de ficar de pé atrás.
Mais à frente a notícia (de Lurdes Ferreira, jornalista da área económica, se não me engano) diz que os ambientalistas (leia-se, a QUERCUS e o GEOTA) "consideram ... a decisão acabou por ser positiva, pelo formato adoptado, dado tocar em "aspectos essenciais. embora não únicos" para esse acordo e consolidar o que já era consensual entre todas as partes". A decisão de que aqui se fala é a mesma de que aqui falo noutro post recente.
"QUERCUS e GEOTA vêem nesta diligência do ministro um "passo no caminho certo" e uma manifestação de "boa vontade" em concretizar e de evitar que as negociações decorridas até agora não voltassem atrás com um novo ministro." continua a notícia.
Confesso que não sei se as direcções destas ONGs são só ingénuas ou simplesmente esquecidas.
Mas não houve espaço para eu lembrar o que se passou em redor de Alqueva: um jovem ministro do ambiente em ascenção faz aprovar um plano de ordenamento, com todos os ffs e rrs, que limita fortemente o turismo em redor de Alqueva (foi mais um dos seus troféus de afirmação política através de fortes credenciais ambientais e resistência aos interesses). Menos meia dúzia de anos depois um recém empossado Primeiro Ministro vai a Alqueva anunciar a revisão do referido plano, o que conduz a uma revisão do plano num prazo record e com algumas irregularidades processuais de permeio, transformando a draconiana contenção do turismo, qualquer coisa como menos de 200 camas autorizadas, em milhares de camas.
O facto da pessoa em causa ser a mesma nos dois cargos é agora irrelevante, o que é relevante é a forma fácil, barata e sem contestação como se passou de um plano plenamente eficaz com menos de 200 camas para outro com milhares de camas, apenas porque o contexto da decisão se alterou.
Ora o que estas associações chamam consolidar consensos, um despacho de um Ministro a dizer que vai mandar os seus serviços pensarem em como se resolve quaquer coisa, é incomparavelmente menos sólido que um plano plenamente eficaz.
Convém por isso parar e pensar um bocadinho no contexto da decisão.
Portugal tem uma dívida pesada. O Estado tem um déficit muito importante e sobre os cidadãos pesa uma carga fiscal que dificilmente pode ser aumentada. E o crescimento económico em Portugal é anémico.
Ao primeiro ministro, qualquer que seja, não sobram muitas alternativas: ou corta rapidamente nos gastos públicos (o que em Portugal significa ou cortar no investimento ou despedir funcionários ou as duas coisas) e apoia a competitividade das empresas exportadoras (e, vá lá, do sector desimportador), ou então aumenta os gastos públicos e atrai investimento esperando que o crescimento da economia seja suficiente para resolver o astronómico peso da dívida assim aumentada.
Aumentar os gastos públicos com reflexo no déficit não é opção sem sair da União Europeia.
O actual primeiro ministro já disse que não quer cortar no investimento e não vai despedir funcionários, pelo que só lhe resta atrair investimento.
Não sendo investimento público (forçosamente limitado pelo déficit e pelas regras europeias) sobra-lhe portanto o investimento de terceiros e as exportações.
Ou Portugal é um país muito competitivo e com isso atrai investimento (o que não é o caso, por muitas e variadas razões) ou sobra ao Governo a receita que foi usada na última legislatura: vender licença a actividades que não podem ser deslocadas (resorts turísticos, sobretudo) ou vender acesso a mercados fortemente regulamentados, como o da energia, inflacionando artificialmente a tarifa (o que justifica a aposta nas renováveis que foi feita e, prevejo eu, o Governo vai acabar por fazer na Saúde, apesar da resistências ideológicas), ou seduzir grandes investimentos de risco assumindo o Estado os riscos associados (como é o caso das baterias do carro eléctrico).
Vender licença significa sobretudo vender capacidade de fazer em sectores fortemente regulamentados, por exemplo, permitir construir onde normalmente mais ninguém o pode fazer por razões ambientais.
E é isto que o Governo tem feito e vai fazer, agora bem mais desesperado porque a situação é bem mais negra do que era antes.
Estas ONGs podem estar a prestar-se ao papel de caução política e moral de uma política de venda dos activos ambientais, cobrando em troca uns trocos para a conservação.
Quando a fragilidade do Estado conduz à sua captura pelos grupos de interesse, como parece ser manifestamente o caso em Portugal, o ambiente, e em especial a conservação da biodiversidade, será uma das principais vítimas.
Mas numa originalidade portuguesa, com o aplauso das ONGs ambientais.
Em rigor, no próximo Governo será muito menos importante conhecer quem dirigirá o Ministério do Ambiente que conhecer quem vai dirigir o mistério do ambiente que ora é fundamental, ora é descartável.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

Anónimo disse...

Nos filmes americanos a extorsão mal sucedida equivale a uns braços e cabeças partidas.

Por cá ou há massa para projectos ou queixas com fartura em Bruxelas.

Mais vale pagar logo à cabeça.