sábado, outubro 09, 2010

Projectos estruturantes

Miguel Araújo, no contexto das discussões de posts recentes, sobre o ponto em que estamos, responde à minha provocação em que digo que não sei o que são projectos estruturantes: "Um projecto estruturante é um projecto que ajuda a lançar as bases de uma economia. Que cria condições para aumentar a competitividade dos agentes económicos através da criação de infraestruturas que dificilmente seriam pagas por agentes privados.".
Percebo o que o Miguel diz e nem sequer estou assim tão em desacordo.
Mas tenho mesmo muito medo da facilidade com que se afirma (aliás sempre suportados em estudos de custo/ benefício que concluem sistematicamente o que o dono da obra pretende que se conclua) que um projecto é estruturante.
Vou tentar explicar porquê (as minhas desculpas pela extensão do post, agravada pelas imagens).
Ora aqui temos um projecto estruturante em pleno trabalho de parto.



Sobre este projecto já disse aqui o pensava: um forte candidato à decisão mais estúpida de ordenamento do território que conheço.
Este projecto é por si considerado estruturante, mas integrado num outro mais estruturante, o Portugal Logístico, a que felizmente a crise veio pôr alguma contenção que dá mais alguma esperança de travar a destruição do vale do Coronado com outra plataforma logística.

Ora na realidade existem, do Trancão à Castanheira do Ribatejo, milhares de metros quadrados disponiveis, assentes das ruínas da indústria e logística que faliu, e a versão aprovada do Portugal logístico identifica bem essa potencialidade ao localizar ali a plataforma de Lisboa Norte. .



Na verdade o que vamos fazer é manter as ruínas como ruínas, num sub-aproveitamento das capacidades instaladas, para ocupar áreas produtores de bens e serviços transacionáveis (e no caso português, escassos, como são os bens agrícolas competitivos), destruindo património nacional relevante (os solos agrícolas) e aumentando os riscos pela ocupação do leito de cheia.
Razões? O promotor queria ali. Razões? O Estado não tem dinheiro para dizer que ali não pelas razões evidentes, expropriar os locais adequados e estruturar o território. Ou em alternativa, limitar-se a dizer que não e o mercado que empurre os operadores logísticos para as soluções racionais.
Mas o operador é irracional? Não, de maneira nenhuma, comprou terreno agrícola ao preço da chuva (mesmo que seja uma chuva mais grossa face à qualidade do solo e à expectativa) e vai vender ao preço do solo urbanizado, o que corresponde a um poderosíssimo apoio financeiro atribuído pelo Estado através de decisões administrativas irracionais (e injustas para o proprietário original, diga-se de passagem, bem como para os proprietários dos actuais terrenos entre o trancão e Castanheira do Ribatejo que face à oferta da nova plataforma ficam sem procura de justifique a reconversão dos seus terrenos, que continuarão ao abandono).
O projecto contribui para alterar a economia?
Sim, sem dúvida.
Desse ponto de vista é estruturante.
Mas Portugal tem um problema logístico sério e excedentes agrícolas abundantes que justifiquem o esforço do Estado em reforçar a distribuição, diminuindo a capacidade de produção agrícola?
Acho que nem a brincar alguém admite isso. Só mesmo a sério os estudos sobre logística conseguem justificar que a economia portuguesa, em que a distribuição é um dos sectores mais desenvolvidos e modernizados, que na região conta com inúmeras plataformas (desde do Luís Simões, às empresas mais conhecidas da distribuição, aos terminais de contentores, à antiga fábrica da opel na Azambuja, todos estão fortemente na região), porque os palhaços querem-se sisudos para serem eficazes, como a isso estava contratualmente obrigado o Buster Keaton.
Os projectos estruturantes com forte intervenção do Estado, seja por via do dinheiro real investido pelos contribuintes, seja pela venda de licença, como acontece neste caso, têm a estranha mania de serem contaminados por esta irracionalidade de não se perceber bem como há tanta coisa estratégica e afinal, passados anos, nem as moscas mudaram assim tanto.
A tradição vem de longe e continua: Porto de Sines, Ponte Vasco da Gama (que assinala a viragem recente decisiva para chegarmos onde estamos, ao libertar-se das amarras do dinheiro efectivamente existente, ou do crédito que pesa na dívida presente, para usar a dívida das gerações futuras através do complexo processo de project finance que inaugura as parcerias publico privadas), os célebres PIN, o Conrad Hotel, Alqueva, o aeroporto de Beja (uma coisa extraordinária, um aeroporto que se conclui sem que seja possível receber vôos e que suporta uma estrutura de gestão que custa o que custa ao contribuinte) e muitos e muitos outros exemplos, maiores ou menores, de coisas que por serem consideradas estratégicas pelo Estado nos levaram até aqui.
Eu estou farto de projectos estruturantes que querem resolver os problemas das empresas com o dinheiro que os contribuintes entregam ao Estado e ao mesmo tempo, uma chuvita da treta, desestrutura a vida da capital do país porque não parece haver muita gente a preocupar-se com os pequenos problemas do quotidiano comum, como ter as sarjetas limpas e um sistema de escoamento da água da chuva minimamente eficiente (esquecendo o tempo em que Lisboa tinha esgotos, cem anos antes de Londres ou Paris).
henrique pereira dos santos

4 comentários:

RioD'oiro disse...

http://www.youtube.com/watch?v=y5C5FmrLl3g&p=84C1565CAF070489&index=4&playnext=3

Carlos Pinheiro disse...

Peço desculpa de me meter nesta conversa na medida em que não sou especialista na matéria. De qualquer forma, sabem com certeza que há anos foi construido no Pinhal do Relvas, entre as Estações de Riachos e Entroncamento, na Linha do Norte da CP, o TVT, Terminal Multimodal do Vale do Tejo, que era para ser uma plataforma logística integrada na REDE TRANSEUROPEIA DE TRANSPORTES, estabelecendo a ligação entre os diversos terminais multimodais e assenta na utilização do conceito de comboio-bloco com horários fixos de chegada e partida.
Parece-me que os objectivos iniciais têm demorado tempo demais a serem atingidos. Entretanto, para complicar mais as coisas, recentemente a CM do Entroncamento em parceria, com alguém que desconheço, conseguiu pôr a funcionar uma estrutura parecida mas muito mais pequena e sem possibilidade de expansão, ali mesmo ao lado e junto à Estação do Entroncamento, segundo me parece, estando o tal TVT quase parado.
Será que isto cabe na cabeça de alguém? O TVT, segundo creio, foi bem idealizado, bem localizado, está junto à Linha do Norte com quem tem ligação directa, está perto do Entroncamento e portanto bem ligado às Linhas da Beira Baixa e do Leste com ligação a Espanha, está junto ao IC3 do Montijo a Condeixa, junto à A23 de Torres Novas à Guarda e junto também à A1. Porque é que aquilo não anda e porque é que construiram agora aquela coisa ali ao lado? Os senhores que sabem e que conhecem podem dar-me a vossa interpretação? Obrigado
Carlos Pinheiro
10 10 10

Nuno disse...

Importante alerta, sobretudo numa altura em que o clima económico faz o público exigir maior discernimento em relação a "investimentos estruturais". É a altura absolutamente certa para pôr estas coisas em causa.

mauro disse...

Em resposta ao Carlos Pinheiro

O TVT, em termos "macro", de facto parece estar muito bem localizado. No entanto, em termos práticos as acessibilidades são péssimas, sendo o acesso à plataforma feito através de um caminho municipal (tendo os camiões de atravessar povoações para lá chegar).

A minha interpretação é muito simples: o TVT não passou de uma desculpa para espremer mais uns cobres em fundos comunitários...