quarta-feira, setembro 04, 2013

O movimento ambientalista e os fogos



Tenho ouvido, estupefacto, declarações de ambientalistas sobre os fogos, uns procurando usar os fogos no seu combate ao eucalipto, outros aproveitando para falar na gestão das áreas protegidas (este ano menos, porque, por puro acaso, as áreas protegidas têm sido mais poupadas) e outros para falar nos grandes problemas ambientais causados pelos fogos (o menu é grande, mas o meu preferido é o problema do sal da água salgada usada para apagar fogos, referido pelo Presidente da Quercus).

Em geral têm uns narizes de cera sobre o assunto, que repetem à exaustão, em especial o ordenamento florestal e a prevenção (sendo que por prevenção se entendem muitas coisas diferentes).

Mas se existe uma exploração florestal que arde estatisticamente menos que a generalidade do país, o movimento ambientalista é contra porque é a exploração industrial de eucalipto (que é minoritária dentro da área de eucalipto do país, de maneira geral muito mal gerida, mais susceptível ao fogo, mas provavelmente mais biodiversa) e é preciso estar sempre contra o eucalipto.

O mais curioso disto é o progressivo desfasamento entre o discurso científico sobre os fogos e o discurso ambientalista.

Dentro do mundo científico há um amplíssimo consenso em matérias centrais que o discurso ambientalista trata:

1) os fogos não são, em si mesmos, positivos ou negativos, depende das circunstâncias, diz o discurso científico consensual, os fogos são um desastre ambiental, diz o movimento ambientalista;

2) Não existe qualquer evidência de relação entre eucalipto e aumento da incidência de fogos, diz o discurso científico consensual (que inclui pessoas relevantes do movimento ambientalista, vejam-se os trabalhos científicos de Francisco Moreira ou Joaquim Sande e Silva, por exemplo), os eucaliptos induzem fogos, diz o movimento ambientalista;

3) O fogo não é um problema que se resolve, é uma circunstância com que se aprende a conviver (formulação brilhante de José Miguel Cardoso Pereira), diz o discurso consensual sobre fogos florestais, o fogo resolve-se pelo ordenamento, pelo investimento na prevenção e apagando os fogos o mais rapidamente possível, diz o movimento ambientalista;

4) Salvo algumas circunstâncias muito delimitadas (em especial alguns povoamentos de coníferas ou habitats específicos como os zimbrais) o fogo não tem grandes efeitos ambientais negativos e a recuperação é muito rápida, diz o consenso do discurso científico, qualquer fogo sobre uma área com maior interesse natural é imediatamente catalogada pelo movimento ambientalista como uma perda irreparável, ou, sendo reparável, que demorará dezenas de anos a recuperar.

Poderia continuar mas não vale a pena.

Chegam estas ilustrações.

O movimento ambientalista nasceu das elites instruídas das universidades que prezavam a sua reputação, pelo que um dos princípios de intervenção pública era a garantia de segurança científica do que é dito.

Mas ao evoluir para um movimento populista e mediático o problema da reputação passou a ser outro: o que é preciso é criar mensagens simples para a turba perceber e não a confundir com discursos complexos, como são, inevitavelmente os discursos fundamentados sobre assuntos complexos, como os fogos e os eucaliptos, por exemplo.

Deve ser por isso que mesmo os investigadores que trabalham o assunto do fogo, e que publicam coisas diferentes do que é dito pelas organizações onde militam e têm actividade, não se revoltam perante a patente ignorância do discurso ambiental sobre os fogos, e deixam que outros académicos, que na verdade nunca escreveram uma linha sobre fogos numa perspectiva científica, ocupem o espaço mediático com as mais espantosas afirmações, de maneira geral não fundamentadas, mas com as costas quentes pelo seu prestígio académico ... noutras áreas que não a ecologia do fogo.

O movimento ambientalista descolou da sociedade quando o seu financiamento deixou de depender dos sócios e, em matérias fulcrais, como os fogos e o eucalipto (e, seguramente, não são as únicas), descola da academia, preferindo a espuma dos dias do que aparece nos jornais.

O que cada um faz com a sua reputação, só a ele diz respeito, mas seria bom que os senhores dirigentes das ONGAs percebessem que quando deixarem os cargos em que estão (eu sei que há alguns que acham que são posições vitalícias, mas não são) as suas organizações terão de lidar com a herança que lhes deixarem, nomeadamente em questões de reputação.

E se a coisa continua assim, deixarão heranças pesadas que demorarão mais anos a resolver que as matas a recuperar dos fogos.

Tenho pena.

henrique pereira dos santos

3 comentários:

Anónimo disse...

Pelo que tenho lido por aí fora há muita confusão em certas cabecinhas, a começar pelo Henrique Pereira dos Santos, cujos abomináveis textos tem servido sistematicamente para atacar o movimento ambientalista em nome e a favor da sua estúpida visão contabilístico-paisagista.

Confunde levianamente os assuntos numa caldeirada que só interessa a quem não está interessado no esclarecimento dos temas.
Na verdade, é preciso distinguir 3 motivos de debate

1º) O conteúdo do texto do Viriato Soromenho Marques

2º) A questão dos eucaliptos, que se desdobra em A) explorações industriais de eucaliptos e B) eucaliptais que pululam por esse país fora

3º) O problema específico dos incêndios em Portugal

Em todas estas matérias o Henrique Pereira dos Santos encontra-se no lado errado: isto é, ao lado das monoculturas, das explorações industriais, dos interesses dominantes, das ideias feitas, dos incêndios, em suma, dos atentados à natureza.

Com efeito, é o próprio Henrique Pereira dos Santos que escreve: «O fogo não é um problema que se resolve, é uma circunstância com que se aprende a conviver»

Com estas agravantes:

1º) não sabe ler a legislação, tentando ridiculamente minimizar e ocultar as medidas de liberalização e a desregulamentação das explorações florestais mais lucrativas

2º) tenta opor falsamente e insidiosamente ciência e movimento ecologista, procurando desacreditar as lutas ambientais

Por tudo isso, o Henrique Pereira dos Santos não só é cúmplice dos atentados e das ameaças ambientais, como desempenha como ninguém o papel de algoz do ecologismo português

aeloy disse...

Independentemente de concordâncias e discordâncias com HPS e, seja no meu blog (onde não autorizo comentários para evitar bolsa) onde comentei a questão dos fogos (que em si mesmo não são a favor ou contra o ambiente) seja pessoalmente já as expressei, mas não resisto a comentar este comentário.
Para alguns Staline ainda está vivo, nos seus corações. Se houvesse gulag lá estaria, e quase todos os comentados e escribas (VSM, também!).
É que há gente que tem o tal, no tal.
António Eloy
(recordo quando usei o sanbenito, por denuncia anónima, talvez do mesmo)

Anónimo disse...

Para o António Eloy:

O morto e bem enterrado Staline ainda alimenta e enche a boca (e os dias) aos néscios cá da terrinha
Nada a fazer.

Em plena Era Pós-estruturalista, os pseudo-radicais ainda se proclamam antropocêntricos como Cristo e Estaline.

No fundo são tão provincianos como o Estaline.
A diferença é que este acreditava em Super-Heróis proletários, ao passo que os parolos portugas sonham com Super-Heróis camponeses em Barrancos!!!