domingo, setembro 07, 2008

Destroços fumegantes

Num comentário a um post anterior B. Gomes refere-se às áreas protegidas como destroços fumegantes do que seriam no momento em que foram criadas.
Na fundamentação desta ideia, e centrando-se na estrela, B. Gomes refere:
estamos mais próximos ou mais longe de regionalmente o conseguir (ter manchas de cerca de 2 000 ha de floresta climácica, tipo mata de Albergaria) do que em 1976?
Esta é uma discussão muito interessante e que me interessa particularmente porque nos conduz à discussão do efeito da passagem do tempo na evolução da paisagem. Como B. Gomes e eu temos ideias diferentes sobre o sentido desta evolução, talvez seja bom método revisitar os seus argumentos e contrapor os meus.
Onde estão os pinhais das umbrias que facilmente se poderiam transformar em carvalhais (e já estavam em transformação, muitos deles)?
Vai para vinte anos que trabalhei no nosso único Parque Nacional onde ouvi recorrentemente este argumento. Os mesmos pinhais das umbrias que lá se encontravam, já nessa altura ia para oitenta anos, encerravam uma potencialidade de se transformar em matas climácicas. Só que, tal como há mais de cem anos na Estrela, nunca se passou de potencialidade a realidade, ano após ano. Como povoamentos de produção eram até bastante interessantes (sobretudo nas mãos de um gestor como o Estado que não inclui na contabilidade uma quantidade enorme dos custos de gestão e olha apenas para a coluna dos proveitos para justificar o seu interesse patrimonial). Ali, mesmo sendo um parque nacional, o único factor que rompia o status quo e permitia a transformação estrutural dos povoamentos de produção em matas para-climácicas era o fogo. Ali, como na Estrela, como na famosa maior mancha contínua de pinheiros da Europa, na zona do Pinhal Interior, hoje muito mais variada e bonita que antes de 2003. Quer isto dizer que o fogo é benéfico? Não, quer apenas dizer que opções de gestão centenárias se mantiveram muito para lá do seu limite de validade e foi necessário um fortíssimo factor externo para romper com ideias de gestão florestal cristalizadas. Com isso desaparecem muitos pinhais de umbrias? Sim, é verdade, mas qual é o problema do ponto de vista da conservação?
Onde estão os viduais pioneiros, para além daqueles que os serviços florestais plantaram?
Em lado nenhum. E porque se deveriam continuar a substituir habitats muito mais ricos e a destruir turfeiras para instalar esse viduais cujo interesse para a conservação é residual?
Onde está a antiga mata do Casal do Rei, pérola da dita "vegetação primitiva" e entretanto ausente em parte incerta?
Não conheço o suficiente da região para poder responder. Mas gostaria de fazer dois tipos de comentários diferentes. O primeiro diz respeito a esse desconhecimento lembrando que já ouvi vários epitáfios a matas, pérolas da vegetação primitiva, que teriam sido destruídas pelo fogo e que volvido algum tempo se verifica que lá estão: Margaraça, Solitário, Ramiscal, etc., etc., etc.. O segundo tipo de comentário é mais sério. Há sistemas que ardem e têm uma grande resiliência, como é o caso de muitos carvalhais (não tanto os carvalhais maduros mas mais os carvalhais em evolução que são a grande maioria), pelo que a retoma da situação anterior à pressão exercida pelo fogo é relativamente rápida. Por isso o fogo, sobretudo se não for muito frequente, não é um grande problema. Mas há, com certeza, sistemas de baixa resiliência, como por exemplo os zimbrais, onde a prioridade à supressão do fogo deve ser total, exactamente porque são ricos, preciosos, valiosos e frágeis face ao fogo (mesmo que tenham baixa susceptibilidade a verdade é que a sua baixa resiliência os torna frágeis). Penso que nunca disse que o fogo não deve ser gerido, o que digo é que para ser gerido dentro de parâmetros razoáveis de afectação de recursos, é preciso não olhar para a supressão do fogo em toda a parte e em qualquer altura como um objectivo mas sim para a preparação do território para arder sem afectação significativa de bens e pessoas. O fogo, como as cabras, as cheias, os ventos, as tempestades ou as transformações sociais profundas são apenas factores de evolução não entidades sobre as quais valha a pena fazer juízos morais sobre a sua bondade ou maldade intrínseca.
Diga-me onde é que existe, em 100 000 hectares de um parque natural criado há mais de 30 anos, uma mancha de 500 ha de floresta autóctone madura, resultado de uma acção voluntarista de recuperação de habitats. Só lhe peço 500 hectares - 0,5%.
Mas por que razão têm de resultar de acção voluntarista de recuperação de habitats? Se, como efectivamente acontece, esse processo está a decorrer sem afectação de recursos deveremos nós, para demonstrar que gerimos bem, duplicar os esforços? Ou olhar para a dinâmica do sistema para encontrar os pontos em que a afectação de recursos pode ter um efeito de alavanca mais significativo na recuperação do território? Se, após os últimos fogos, o ICNB investiu em sistemas de retenção de sedimentos (como aliás fizeram magistralmente os florestais da primeira metade do século XX) isso conta ou não para as matas que naturalmente irão beneficiar deste processo?
porque cauciona o inferno que se tem vivido sem que se note qualquer aumento na superfície ocupada pelas folhosas autóctones (e não estamos aqui a falar de sobreiro, que é outro campeonato).
[Já agora HPS, tem algum estudo, baseado nas estatísticas oficiais, que confirme para o nosso país um aumento sustentado da superfície e de volumes de povoamentos dominantes de folhosas autóctones nos últimos 50 anos, facto que tantas vezes dá como evidente?]

Para além do inventário florestal, que já vai registando esse aumento, a verdade é que esse é um processo lento e que durante anos as estatísticas registarão como mato alto. Mas o facto de chamarmos mato alto, ou o facto de desprezarmos a classificação do sub-bosque de muitos e muitos povoamentos de pinheiro e eucalipto que são verdadeiros carvalhais embrionários não faz com que o processo de recuperação da vegetação autóctone desapareça. É claro que se quisermos esquecer a evolução em curso e nos concentrarmos no retrato do que hoje são as superfícies e volumes de povoamentos dominantes de folhosas a discussão torna-se difícil porque até haver superfícies e volumes de povoamentos dominantes de folhosas suficientemente significativas para se notarem nos inventários passarão ainda vários anos.
O que vale a pena discutir é o sentido em que estamos a caminhar.
E sobre isso tenho muito poucas dúvidas de que estamos muito longe de caminhar para destroços fumegantes porque sempre que fiz análises mais profundas e quantificadas, como por exemplo na preparação do Plano de Ordenamento do PNSAC (onde comparei fotografias áereas orto-rectificadas de 1958 a 2007, com base em programas de análise estatística que deixam de lado enviesamentos de opinião), a conclusão é inequívoca: caminhamos para sistemas com maior acumulação de combustível, com maior cobertura do solo e com maior maturidade. São periodicamente perturbados por fogos cada vez mais severos em função dessa acumulação de combustíveis. Mas a frequência desses fogos, ao contrário do que se retira do senso comum, só é menor que dez anos em áreas muito residuais do país.
Bastam aliás três anos amenos como 2006 e 2007 (é cedo para fechar contas de 2008) para que todo este processo tenha dado um salto importante.
Para a continuidade do qual deveríamos estar a trabalhar preparando o território para os anos terríveis que necessariamente virão, mais tarde ou mais cedo.
E não o estamos a fazer.
Não vale a pena desviar a atenção do essencial apontando para bodes expiatórios como as áreas protegidas e a sua gestão: os instrumentos de gestão que existem estão na política de desenvolvimento rural e no fundo florestal permanente.
A sua aplicação resulta de puras opções políticas para as quais a opinião do sector da conservação conta muito pouco.
Quando recebermos o retorno destas opções em perdas de pessoas e bens será infelizmente tarde para responsabilizar os responsáveis que hoje decidem da política de desenvolvimento rural e da aplicação do fundo florestal permanente porque estaremos outra vez a discutir retratos em vez de dinâmicas.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Daiane Santana disse...

Bom dia!!

Parabéns pelo blog ... irei linkar no meu e quando tiver mais tempo... irei ler com mais calma!! :)

Abraços :)

Daiane Santana disse...

http://vivoverde.blogspot.com

:)